O cumprimento da pena definitiva pelos oficiais militares condenados pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Penal 2668
- Jorge Cesar de Assis
- há 7 dias
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1 - Introdução ao tema
A partir do momento da publicação da decisão condenatória do Supremo Tribunal Federal, retratada na Apelação Penal 2668, principalmente em relação ao chamado Núcleo 1, condenado por tentativa de golpe de Estado dois grandes pontos passaram a ser questionados pela comunidade jurídica: a questão da perda do posto e patente dos militares oficiais das Forças Armadas condenados e, qual seria o local adequado para o efetivo cumprimento das penas que lhes foram impostas.
Já nos manifestamos anteriormente com relação à possibilidade de perda do posto e patente dos réus militares. O réu colaborador (Tenente-Coronel da Ativa), recebeu uma pena de 2 anos de reclusão em regime aberto, e desta forma não fica sujeito à representação pela Perda do Posto e Patente, porém os demais réus, ex-presidente (capitão reformado), os três oficiais generais da reserva remunerada do Exército e o almirante da reserva remunerada da Marinha, por terem sido apenados com penas altas, bem superiores a 2 anos, estão sujeitos à representação do Ministério Público Militar, a ser proposta perante o Superior Tribunal Militar que é o tribunal competente para tanto[1].
Já quanto ao local a ser destinado para o efetivo cumprimento da pena as opções que passaram a ser apresentadas – e isto serve para todos os oficiais militares condenados, são as seguintes: um local específico dentro das instalações da Polícia Federal em Brasília, onde inclusive o ex-presidente encontra-se preso preventivamente ao que se sabe por tentar romper a tornozeleira eletrônica[2]; o Presídio da Papuda; o 19º Batalhão da Polícia Militar do Distrito Federal, conhecido como Papudinha[3], que fica dentro do complexo, ou uma Unidade Militar do Exército Brasileiro[4].
Também se fala em cumprimento de prisão em sala de Estado Maior. Vale lembrar que a jurisprudência do STF tem equiparado à sala de estado maior, ambiente separado e sem grades, localizados em presídios ou batalhões da Polícia Militar (vide STF, RCL 5.826 e 8.853). Reafirmou-se que esse benefício só é concedido em caso de prisão preventiva, pois no caso de condenação definitiva de advogado, o cumprimento da pena ocorre em presídio.
A prisão especial está tratada no art. 295 do Código de Processo Penal comum[5] e, da mesma forma no art. 42, do Código de Processo Penal Militar[6]. Interessante que a lei processual fala em Ministros, Governadores, membros das Assembleias Legislativas, Prefeitos municipais, oficiais das Forças Armadas e das Forças Auxiliares, mas não se refere ao Presidente da República.
Portanto, vamos analisar de forma jurídica e isenta esta delicada questão, ressalvados entendimentos contrários e de todo respeitados.
2 - Local de prisão como prerrogativa dos oficiais militares condenados
Um rápido olhar sobre o Estatuto dos Militares federais, demonstrará que o art. 73 estabelece que as prerrogativas dos militares são constituídas pelas honras, dignidades e distinções devidas aos graus hierárquicos e cargos. Já seu parágrafo único elenca que são prerrogativas dos militares: (...) c) cumprimento de pena de prisão ou detenção somente em organização militar da respectiva Força cujo comandante, chefe ou diretor tenha precedência hierárquica sobre o preso ou, na impossibilidade de cumprir esta disposição, em organização militar de outra Força cujo comandante, chefe ou diretor tenha a necessária precedência.
E QUE SÃO PRERROGATIVAS? As prerrogativas dos militares federais e estaduais, são, na verdade, direitos reservados ao exercício do cargo ou da função pública exercida. ‘Prerrogativa, juridicamente, entende-se o direito exclusivo que se defere ou se atribui a certas funções ou dignidades’ (De Plácido e Silva). Previstas na Constituição e nas leis, impõem às autoridades civis o seu acatamento, ainda que nas situações adversas de seu detentor.
3 - Definição do local de cumprimento de prisão cautelar ou decorrente de decisão definitiva, aplicada aos oficiais militares
Tratando-se de medida cautelar (prisão em flagrante, prisão preventiva ou prisão temporária), seja pelo cometimento de crime comum ou militar, ou mesmo de prisão civil do devedor de alimentos, sendo aplicada a militar, este terá por local de cumprimento da reprimenda organização militar da respectiva Força cujo comandante, chefe ou diretor tenha precedência hierárquica sobre o preso ou, na impossibilidade de cumprir esta disposição, em organização militar de outra Força cujo comandante, chefe ou diretor tenha a necessária precedência.
Tratando-se de sentença condenatória transitada em julgado (definitiva), há que se se anotar o seguinte: a) se por ocasião do trânsito em julgado da sentença condenatório, seja pelo cometimento de crime militar ou crime comum, o sentenciado mantiver a condição de militar, o cumprimento da pena deverá ocorrer em princípio, em organização militar, na forma explicitada acima. Se, ao revés, por ocasião do trânsito em julgado da sentença, o condenado for civil (ex-militar), o cumprimento da pena deverá ocorrer em estabelecimento prisional civil, em dependência apropriada, sendo de responsabilidade da Administração Penitenciária, devidamente fiscalizada pelo Ministério Público e pelo Juízo das Execuções Penais, garantir que sejam tomadas as medidas necessárias para afastar a situação de perigo, colocando aquele civil (ex - militar) em ambiente separado dos demais presos.
Diz-se em princípio porque prerrogativas são direito de quem as detém, mas cabe lembrar que o Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento de que não há sequer direitos fundamentais absolutos, cabendo ao julgador, dadas as circunstâncias do caso concreto, em juízo de ponderação, avaliar qual princípio deverá prevalecer (STF, RE 1292275 AgR, relator Min. Dias Toffoli, j. em 03.05.2023); que na arquitetura dos direitos fundamentais, que não comporta direitos absolutos, sujeita-se a restrições, desde que proporcionais, na proteção de outros valores públicos (STF, ADI 3311, relatora Min. Rosa Weber, em 14.09.2022); ou, que não há, no ordenamento jurídico, direito absoluto à liberdade de expressão (STF, RE 1523404 AgR, relator Min. Alexandre de Moraes, j. em 17.02.2025).
Trazendo a questão para o caso concreto dos condenados no Núcleo 1da tentativa de Golpe de Estado, é possível elocubrar o seguinte:
Em relação aos oficiais generais, todos do último posto hierárquico de sua Força, é possível então que o cumprimento da pena definitiva ocorra em uma Organização Militar cujo comandante, chefe ou diretor tenha precedência hierárquica sobre o preso ou, na impossibilidade de cumprir esta disposição, em organização militar de outra Força[7] cujo comandante, chefe ou diretor tenha a necessária precedência.
Lembrando que nos termos do art. 17, § 3º, da Lei 6.880/1980 – Estatuto dos Militares, em igualdade de posto ou de graduação, os militares da ativa têm precedência sobre os da inatividade, o que afasta a possibilidade de qualquer discussão ou mesmo ingerência do preso sobre o comandante.
Em relação ao ex-presidente a situação é um pouco diversa, já que ele é um oficial [capitão] reformado do Exército Brasileiro, pertencente ao Círculo dos Oficiais Intermediários como se vê do Anexo I, CÍRCULOS E ESCALA HIERÁRQUICA NAS FORÇAS ARMADAS[8], do referido Estatuto dos Militares.
Estando preso em uma sala especial – adaptada, da Polícia Federal [já houve ex- presidente nessa situação anos atrás em Curitiba] a ele será concedido tratamento prisional compatível com a dignidade do cargo de mais alto mandatário do País por ele foi exercido, claro sem usufruir as benesses concedidas pela Lei nº 7.474, de 08 de maio de 1.986[9], por serem evidentemente desnecessárias durante o cumprimento da sentença, como p.ex., utilizar os serviços de quatro servidores, para segurança e apoio pessoal, bem como a dois veículos oficiais com motoristas, custeadas as despesas com dotações próprias da Presidência da República (art. 1º) e outros quejandos.
Mas se for designado uma Organização Militar como local de prisão do ex-presidente[10], surge aí uma situação no mínimo curiosa. Sendo capitão reformado estará em inferioridade hierárquica em relação ao comandante / chefe / diretor daquela Unidade prisional.
E mais, ficará sujeito igualmente, além da disciplina penitenciária[11], também ao Regulamento Disciplinar do Exército[12], situação que se estende também aos demais oficiais condenados definitivamente.
Em relação ao direito de cumprir pena definitiva em unidade militar, um último esclarecimento se faz necessário. Como dito anteriormente, os oficiais militares condenados podem ser submetidos ao processo de perda do posto e patente em face da condenação superior a 2 (dois) anos. Em isso ocorrendo, perdendo posto e patente[13], o condenado é demitido da Força Armada passando a ser civil, e assim perde o direito de continuar cumprindo a pena em organização militar, devendo ser transferido para o sistema prisional comum. É o que se extrai da leitura do art. 119 da Lei 6.880/1980 – Estatuto dos Militares[14].
Claro, tem sido aventada uma possível prisão humanitária, prisão domiciliar, prevista no Código de Processo Penal[15], tratada como prisão preventiva, em razão do preenchimento de um ou mais de seus requisitos. A prisão domiciliar também está prevista na Lei de Execução Penal, com requisitos diversos do CPP:
Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de:
I - condenado maior de 70 (setenta) anos;
II - condenado acometido de doença grave;
III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental;
IV - condenada gestante.
Todavia, há o entendimento Jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça no sentido de ser possível aplicar o previsto no artigo 318 do Código de Processo Penal, em especial se o apenado (a) estiver extremamente debilitado por motivo de doença grave, combinada com a impossibilidade de tratamento ambulatorial no cárcere. Essa modalidade é conhecida como 'prisão domiciliar humanitária, aplicável sob o regime fechado ou semiaberto, frise-se, desde que devidamente comprovado o estado de saúde precário do condenado e a incapacidade da unidade prisional de atendê-lo (AgRg no HC n. 814.504/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 27/4/2023, DJe de 3/5/2023). Registre-se que um terceiro ex-presidente cumpre atualmente sentença definitiva em prisão domiciliar sob o fundamento da precariedade de saúde.
Jorge Cesar de Assis é Advogado inscrito na OAB-PR. Membro aposentado do Ministério Público Militar da União. Integrou o Ministério Público paranaense. Capitão da reserva não remunerada da Polícia Militar do Paraná - PMPR. Sócio Fundador da Associação Internacional de Justiças Militares-AIJM. Membro correspondente da Academia Mineira de Direito Militar e da Academia de Letras dos Militares do Estado do Paraná – ALMEPAR. Coordenador da Biblioteca de Estudos de Direito Militar da Editora Juruá. Administrador do site: www.jusmilitaris.com.br
NOTAS
[1] Vide A AÇÃO PENAL (AP) 2668 E A POSSIBILIDADE DE PERDA DO POSTO E PATENTE DOS OFICIAIS DAS FORÇAS ARMADAS, disponível em https://www.observatoriodajusticamilitar.info/single-post/a-a%C3%A7%C3%A3o-penal-ap-2668-e-a-possibilidade-de-perda-do-posto-e-patente-dos-oficiais-das-for%C3%A7as-armadas acesso em 24.11.2025.
[2] Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2025-11/bolsonaro-preso-moraes-rejeita-pedido-de-prisao-domiciliar
[3] Que já recebeu outras autoridades e para onde foi destinado o ex-Ministro da Justiça.
[4][4] Os oficiais generais devem cumprir suas penas no Comando Militar do Planalto (2), Comando da 1ª Divisão do Exército (1) e Estação Rádio da Marinha (1).
[5] CPP, art. 295. Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva: I - os ministros de Estado; II - os governadores ou interventores de Estados ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários, os prefeitos municipais, os vereadores e os chefes de Polícia; III - os membros do Parlamento Nacional, do Conselho de Economia Nacional e das Assembleias Legislativas dos Estados; IV - os cidadãos inscritos no "Livro de Mérito"; V – os oficiais das Forças Armadas e os militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; VI - os magistrados; VII - os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República; (Vide ADPF nº 334) VIII - os ministros de confissão religiosa; IX - os ministros do Tribunal de Contas; X - os cidadãos que já tiverem exercido efetivamente a função de jurado, salvo quando excluídos da lista por motivo de incapacidade para o exercício daquela função; XI - os delegados de polícia e os guardas-civis dos Estados e Territórios, ativos e inativos. § 1o A prisão especial, prevista neste Código ou em outras leis, consiste exclusivamente no recolhimento em local distinto da prisão comum. § 2o Não havendo estabelecimento específico para o preso especial, este será recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento. § 3o A cela especial poderá consistir em alojamento coletivo, atendidos os requisitos de salubridade do ambiente, pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana. § 4o O preso especial não será transportado juntamente com o preso comum. § 5o Os demais direitos e deveres do preso especial serão os mesmos do preso comum.
[6] CPPM, art. 242. Art. 242. Serão recolhidos a quartel ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão, antes de condenação irrecorrível: a) os ministros de Estado; b) os governadores ou interventores de Estados, ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários e chefes de Polícia; c) os membros do Congresso Nacional, dos Conselhos da União e das Assembleias Legislativas dos Estados; d) os cidadãos inscritos no Livro de Mérito das ordens militares ou civis reconhecidas em lei; e) os magistrados; f) os oficiais das Forças Armadas, das Polícias e dos Corpos de Bombeiros, Militares, inclusive os da reserva, remunerada ou não, e os reformados; g) os oficiais da Marinha Mercante Nacional; h) os diplomados por faculdade ou instituto superior de ensino nacional; i) os ministros do Tribunal de Contas; j) os ministros de confissão religiosa. Prisão de praças Parágrafo único. A prisão de praças especiais e a de graduados atenderá aos respectivos graus de hierarquia.
[7] Como estamos falando de Forças Armadas, estas compreendem a Marinha, o Exército e a Aeronáutica.
[8] Na hierarquização do Anexo I, o Círculo de Oficiais compreende, gradativamente: Círculo de Oficiais subalternos; Círculo de Oficiais Intermediários; Círculo de oficiais Superiores e Círculo de oficiais Generais.
[9] Dispõe sobre medidas de segurança aos ex-Presidentes da República, e dá outras providências. Regulamentado pelo Decreto nº 6.381, de 27 de fevereiro de 2008.
[10] Código Penal Militar, Pena superior a dois anos, imposta a militar. Art. 61 - A pena privativa da liberdade por mais de 2 (dois) anos, aplicada a militar, é cumprida em penitenciária militar e, na falta dessa, em estabelecimento prisional civil, ficando o recluso ou detento sujeito ao regime conforme a legislação penal comum, de cujos benefícios e concessões, também, poderá gozar.
[11] Lei de Execução Penal, art. 44. A disciplina consiste na colaboração com a ordem, na obediência às determinações das autoridades e seus agentes e no desempenho do trabalho. Parágrafo único. Estão sujeitos à disciplina o condenado à pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos e o preso provisório.
[12] RDE, art. 1o O Regulamento Disciplinar do Exército (R-4) tem por finalidade especificar as transgressões disciplinares e estabelecer normas relativas a punições disciplinares, comportamento militar das praças, recursos e recompensas. Art. 2o Estão sujeitos a este Regulamento os militares do Exército na ativa, na reserva remunerada e os reformados.
[13] Constituição Federal, art. 142, § 3º, VI - o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra; VII - o oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento previsto no inciso anterior;
[14] Estatuto dos Militares, art. 119. O oficial que houver perdido o posto e a patente será demitido ex officio sem direito a qualquer remuneração ou indenização e receberá a certidão de situação militar prevista na legislação que trata do serviço militar.
[15] Código de Processo Penal, art. 317. A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial. Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: I - maior de 80 (oitenta) anos; II - extremamente debilitado por motivo de doença grave; III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; IV - gestante; V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos; VI - homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos. Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo. Art. 318-A. A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que: I - não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; II - não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente. Art. 318-B. A substituição de que tratam os arts. 318 e 318-A poderá ser efetuada sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 deste Código.



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