O Conselho de Ética e Disciplina Militar da Unidade e o devido processo legal substantivo:
- Antenor Ferreira de Sousa Filho
- 3 de jun.
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uma ferramenta garantidora de uma decisão justa.
1. Introdução
Este artigo analisa, a partir da legislação pertinente, a participação do Conselho de Ética.e Disciplina Militar da Unidade (CEDMU) nos processos e procedimentos relativos ao Código de Ética e Disciplina dos Militares de Minas Gerais (CEDM-MG), de forma a verificar se ele cumpre o seu papel de fiscal da aplicação da norma, garantindo, assim, o devido processo legal substantivo, com uma decisão justa, razoável e proporcional da Autoridade Competente.
Com o advento do Código de Ética e Disciplina dos Militares de Minas Gerais – (CEDMMG), Instituído pela Lei Estadual n.º 14.310, de 19/06/2012, houve uma alteração significativa na aplicação das sanções disciplinares aos agentes da Polícia Militar.
A maior das alterações foi a limitação do poder discricionário da autoridade competente para decidir os Atos Administrativos relacionados com o Código de Ética e Disciplina dos Militares de Minas Gerais, como os atos administrativos disciplinares, os de concessões de recompensas e outros.
No Regulamento Disciplinar da Polícia Militar (RDPM), instituído pelo Decreto n.º 23.085, de 10/10/1983, o Comandante tinha um poder discricionário que lhe permitia, após análise subjetiva dos elementos envolvidos na prática da transgressão disciplinar, decidir por qual medida deveria ser tomada, inclusive, com poderes tanto para desclassificar, como para agravar uma transgressão disciplinar.
Sob o novo Código, a aplicação, por exemplo, da sanção disciplinar pela autoridade, após realização de procedimentos objetivos, dispostos no CEDM, fica condicionada a uma análise prévia do Conselho de Ética e Disciplina da Unidade (CEDMU), que possui parecer vinculante, já que obriga o Comandante, caso discorde de seu parecer, a remeter os autos para autoridade superior.
O CEDMU desempenha um importante papel na aplicação do Código de Ética, pois ele passou a exercer o juízo de adequação, com o objetivo de verificar se a análise da Administração está de acordo com a norma ou os autos, ou seja, se estão sendo respeitadas as garantias do devido processo legal, tanto na forma adjetiva (processual), como na substantiva (decisória).
O Devido Processo Legal Substantivo visa garantir que as decisões sejam tomadas de forma justa e de acordo com as provas e os documentos juntados, ou seja, que as decisões sejam arrazoadas e proporcionais, de forma que os meios utilizados sejam os mais justos e adequados para o fim a que se propõe, não se importando tratar de uma sanção disciplinar, ou de concessão de uma recompensa, por exemplo.
Dessa forma, este artigo buscará conhecer as normas reguladoras da PMMG, no que tange a atuação do CEDMU, para verificar se a atuação do referido Conselho está de acordo com o idealizado na Lei n.º 14.310/02, para ao final verificar se o CEDMU cumpre com o seu papel de fiscalizador do Devido Processo Legal Substantivo, ou se apenas realiza um serviço da Administração.
2. O devido processo nos processos administrativos
2.1 O Processo Administrativo
Juridicamente, Processo anota-se em sentido amplo e em sentido estrito. Em sentido amplo, significa o conjunto de princípios e de regras jurídicas, instituído para que se administre a justiça. No sentido restrito, exprime o conjunto de atos, que devem ser executados, na ordem preestabelecida, para que se investigue e solucione a pretensão submetida à tutela jurídica, a fim de que seja satisfeita, procedente ou não, se injusta ou improcedente (Silva, 2006, p. 37).
José Cretella Júnior sintetizou o conceito de processo, ao expressar: "Processo, em sentido amplo, é o conjunto ordenado de atos que se desenvolvem, progressiva e dinamicamente, com objetivo determinado, desde o momento inicial até o instante final, é um conjunto sistemático de 'procedimento’” (Cretella Júnior, 2001, p. 566).
A atividade administrativa, segundo Cretella Junior (2007, p. 24) é "atividade processual", pela importância de que está revestida, não porque é a base para a aplicação das sanções disciplinares, mas porque, em um regime de Estado Democrático de Direito, existe a tendência de se assegurar direitos aos funcionários, de forma a protegê-los dos atos arbitrários das autoridades a que estão subordinados.
Nesse mesmo sentido, Ferraz (2007, p. 24) explica o quão importante é o processo administrativo para garantir os direitos do administrado, ao afirmar que: "o processo administrativo aberto, visível, participativo, é instrumento seguro de prevenção à arbitrariedade. Dele não se pode abrir mão, minimamente quem seja".
O Processo Administrativo "é o instrumento que formaliza a seqüência ordenada de atos e de atividades do Estado e dos particulares a fim de ser produzida uma vontade final da Administração" (Carvalho Filho, 2007, p. 834).
Sobre a importância do processo administrativo como ferramenta para se chegar a uma decisão por parte da Administração, Carvalho Filho (2007, p. 834), faz o seguinte comentário: "Todo processo representa um instrumento para alcançar determinado fim. Sempre que há a referência a um processo, certamente haverá a menção a algo que é pretendido, ao fim a que se destina, a um objetivo, enfim".
A esse respeito, Cretella Júnior (2001, p. 568) afirma que, ao lado dos demais ritos processuais existentes, há um totalmente típico e inconfundível, que é o processo administrativo.
Na Polícia Militar de Minas Gerais toda matéria relativa ao CEDM é precedida por um processo administrativo, que de acordo com o Manual de Processo e Procedimentos Administrativos das Instituições Militares do Estado de Minas Gerais (MAPPA), aprovado pela Resolução Conjunta n.º 4.220, de 28 de junho de 2012, pode-se citar, dentre outros o Processo de Comunicação Disciplinar (PCD), Sindicância Administrativa Disciplinar (SAD), Processo Administrativo Disciplinar (PAD), Processo de Queixa, Processo de Concessão de Recompensas.
Para se compreender a importância do processo para a efetivação do Estado Democrático de Direito, Ferraz e Dallari (2007) assim se manifestaram:
O Estado de Direito deve combater o delito seguindo regras morais escrupulosas, sob pena de igualar-se aos delinqüentes e de perder toda autoridade e credibilidade. E as garantias que a Constituição assegura ao acusado não são simplesmente postas como tutela de seus direitos individuais, mas são, antes de tudo, garantias do justo processo, assegurando o interesse à regularidade do procedimento e à justiça das decisões.
O Processo Administrativo é um grande instrumento para a efetivação do Estado Democrático de Direito, no sentido de que obriga o Estado a respeitar e cumprir as leis e normas, por ele criadas, quando se vir obrigado a submeter o funcionário a este processo.
2.2 O devido processo legal
A expressão due process of law, segundo Osório (2000, p.152), surge no ano de 1.344, quando o Parlamento Inglês força o Rei Eduardo Ill a aceitar uma lei promulgada para limitar seus próprios excessos.
O devido processo legal, historicamente, iniciou-se na Inglaterra e nos Estados Unidos. Contudo, sempre se buscou dar uma aplicação mais prática a esse princípio, para além de uma preocupação maior com a sua conceituação, justificando, inclusive, a consideração de que o principio devesse ter uma interpretação de acordo com o caso concreto (Bonato, 2003, p. 25).
Inicialmente o devido processo foi concebido como um princípio processual vinculado diretamente com a noção do contraditório. Hoyos, um autor panamenho, que é citado por Bonato (2003, p. 28), além de discordar dessa limitação conceitual do devido processo legal, ainda o definiu como "uma das instituições processuais que adquiriu, gradualmente, a categoria de direito cívico e fundamental, ou ainda, o direito inviolável de defesa que entrou no campo constitucional entre os direitos fundamentais reconhecidos a todos".
O princípio do devido processo legal está previsto na Constituição Federal da República de 1988 como um direito fundamental individual, pois em seu Art. 5° inciso LIV, está disposto que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".
Esse princípio, segundo Ferraz (2007, p. 67), visa garantir a pessoa contra a ação arbitrária do Estado e a colocá-la sob a imediata proteção da lei abrangendo, entre outros, os seguintes direitos: a) direito à citação e ao conhecimento do teor da peça acusatória; b) direitos ao arrolamento de testemunhas;
c) direito ao contraditório; d) direito à plena igualdade com a acusação; e) direito a não ser acusado com a utilização de provas ilícitas; f) direito a assistência judiciária, inclusive gratuita; dentre outros.
Ferraz e Dallari (2007, p. 67) fazem referência à Ministra do STF Carmen Lúcia Antunes Rocha ao afirmar que o devido processo legal, além de compreender um conjunto de elementos garantidores dos direitos fundamentais, é um instrumento de verificação da legitimidade da ação do Estado.
Isso ocorre porque o Estado exerce e acumula as funções de acusador e de julgador no processo administrativo, e em muitos casos, as decisões são tomadas com abuso e desvio de poder, entendo o autor, que o devido processo legal servirá como instrumento de identificação de desvio desse poder, fazendo concluir que, quando o Estado desrespeita o devido processo legal, é, no mínimo, um forte indício de atuação estatal ilegítima.
Segundo Silveira (2001, p. 240), o princípio do devido processo legal, por ser constantemente aplicado, tanto na sua dimensão processual, quanto na substantiva, tem sido admitido sem maiores questionamentos pelos Poderes Legislativos e Executivos ou do próprio povo, que vêem a legitimidade do Poder Judiciário em controlar esses entes governamentais e como garantidores dos direitos e das garantias individuais do cidadão, contra a opressão estatal, seja por meio de leis ou dos atos administrativos.
O devido processo legal é classificado por Gilson Bonato (2003), José Cretella Júnior (1999), José dos Santos Carvalho Filho (2007) e Paulo Fernando Silveira (2001) como devido processo legal processual e devido processo legal substantivo.
Em razão de se buscar fazer uma avaliação da atuação do Conselho de Ética e Disciplina da Unidade (CEDMU) sob a ótica do devido processo legal substantivo teceremos apenas um breve relato sobre o devido processo legal processual, de forma a poder conhecer sua importância e sua finalidade no contexto processual.
2.2.1 O devido processo legal processual
O devido processo legal, também conhecido como formal ou procedimental, inicialmente, preocupou- se apenas com as garantias processuais no processo penal, as quais posteriormente foram estendidas para os processos civil e administrativo, porém, afastou-se qualquer conotação substantiva que permitisse ao Judiciário examinar o caráter injusto ou arbitrário do ato estatal (Silveira, 2001, p. 240).
O devido processo legal processual está vinculado às garantias processuais legais existentes no processo, de forma a torná-lo formalmente justo, inclusive, possibilitando a ampla defesa em toda a sua plenitude e o direito ao contraditório. Silveira (2001, p. 2020), afirma que o devido processo legal procedimental vai referir-se apenas à forma pela qual os atos serão executados pelo responsável, quer se trate de regulamento, ato administrativo ou ordem judicial. Verifica apenas se o responsável pelo ato administrativo, pelo regulamento ou pela ordem, observou o devido processo legal, sem preocupar-se com a substância do ato.
Na prática, de acordo com Silveira (2001, p. 242) tem-se usado o devido processo legal procedimental como forma de garantir "aqueles princípios fundamentais de liberdade e justiça que se encontram na base de todas as nossas instituições civis e políticas" e como garantidor dos procedimentos processuais previstos para a "proteção última da decência numa sociedade civilizada".
Esse princípio, como garantidor de um devido processo, compreende as garantias explícitas e as implícitas preconizadas na Constituição. Quanto às primeiras, destacamos a proibição de ser julgado duas vezes pelo mesmo fato, a vedação da auto-incriminação forçada, júri imparcial e competente, dentre outras. Já as implícitas dizem respeito aos direitos do acusado, como ser ouvido em audiência judicial, contraditar argumentos, manifestar-se sobre documentos juntados, ao direito ao silêncio e a ter assistência gratuita de profissional habilitado (Bonato, 2003, p. 34).
Gilson Bonato (2003, p. 35) resume de forma sintética, o significado processual que o princípio do due process of law assumiu na interpretação das cortes americanas, ao afirmar que "a ninguém venderemos, negaremos ou retardaremos direito ou justiça".
Com o passar do tempo, essa garantia, que só existia no processo penal, acabou-se estendendo também ao processo civil. Hoje, no Brasil, em razão de exigência constitucional, o princípio estende- se também para o processo administrativo, impondo que sejam observados, além do devido processo legal, os princípios da legalidade e da moralidade administrativa (Bonato, 2003, p. 35-36).
A respeito do devido processo legal formal, conclui-se, de acordo com o posicionamento de Bonato (2003, p. 36) que, em razão da concepção originária do princípio não se preocupar em analisar e limitar o mérito ou o conteúdo das normas jurídicas, a ele foi dado um enfoque estritamente processualístico, não lhe sendo aplicado nenhum sentido substantivo.
2.2.2 O devido processo legal substantivo
O caso mais remoto que marca a aplicação do devido processo legal substantivo foi o apresentado por Silveira (2001, p. 417), em 1856, quando um Tribunal de New York invalidou uma lei estadual, que proibia o uso de bebida alcoólica, fundamentando apenas em seu conteúdo. Assim, "pela primeira vez, o devido processo, em vez de meramente proteger o procedimento, foi feito para alcançar o conteúdo substantivo da legislação".
A origem do devido processo legal na Suprema Corte Americana, segundo Silveira (2001, p. 417), ocorreu pela primeira vez em 1857, quando foi julgado o famoso caso Dred Scott vs Sandford, e o Chief Justice Taney afirmou que a cláusula do devido processo legal continha, além da cláusula processual, uma substantiva,pois assim disse em seu acórdão: "Uma lei que retira do cidadão sua propriedade sobre seus escravos, simplesmente porque ele os traz a um território, é arbitrária,não razoável e, portanto, violadora do devido processo".
A Suprema Corte Americana, a partir da segunda década do século XX, passou a examinar a vasta legislação existente, concluindo em suas decisões que a falta de razoabilidade ou de racionalidade de uma lei faz com que ela não esteja em conformidade com o princípio do due process of law, ou seja, é uma lei arbitrária. Dessa forma, surge a era do "governo dos juízes, com o controle pelo Judiciário da vida da nação" (Bonato, 2003, p. 38).
A partir de 1930, segundo Bonato (2003, p. 38), foi dada uma nova interpretação ao aspecto substantivo do devido processo legal, que passa a ser também um instrumento de controle das invasões estatais nas faculdades essenciais ao exercício da personalidade humana, e, ainda, da cidadania.
Paulo F. Portanova (apud Bonato, 2003, p. 44), buscou demonstrar a necessidade de uma interpretação do princípio sem restrições ao afirmar que o objetivo do devido processo legal não se restringe somente às garantias processuais, senão vejamos:
Adaptado à instrumentalidade, o processo legal é devido quando se preocupa com a adequação substantiva do direito em debate, com dignidade das partes, com preocupações não só individualistas particulares, mas coletivas e difusas, com, enfim, a efetiva equalização das partes no debate judicial.
Sobre o devido processo legal substantivo, Ademar Maciel (apud Silveira, 2001, 423), que cita o caso de Paul vs Ullman-1961, julgado pelo Justice John M. Harlan, que tentou explicar na sentença que, caso o devido processo legal fosse tomado apenas como garantia processual, ele não defenderia de forma satisfatória a vida, a liberdade e a propriedade do indivíduo, conforme o precedente do julgamento do caso Hurtado vs Califórnia -1884:
assim as garantias do devido processo, embora tendo suas raízes no perlegem terra e da Magna Carta e considerada como salvaguardas processuais contra a usurpação e tirania do executivo, também se transformaram neste país numa (verdadeira) barreira contra a legislação arbitrária.
Silveira (2001, p. 423/424) afirma que o devido processo legal substantivo, para ser uma ferramenta indispensável para garantir a independência do Judiciário e também proteger o cidadão dos atos arbitrários da tirania estatal, tem que aferir a justiça do conteúdo ou da matéria discutida na norma ou no ato administrativo, a fim de verificar se eles estão em conformidade com os princípios da lisura e da honestidade que são peculiares do devido processo, como está previsto na Constituição.
Osório (2000, p. 156) também corrobora com essa idéia ao dizer que um dos significados do due process of law é a necessidade de se ter um processo justo, quando envolver a vida, a liberdade ou a propriedade. Assim, trata-se de direitos avaliados amplamente, cujo conteúdo não pode ser restringido.
Sob o ponto de vista do processo substantivo, a legislação deve estar ajustada às idéias de razoabilidade e interdição à arbitrariedade do Poder Público (OSÓRIO, 2000, p. 164).
Quanto a cláusula do devido process of law, no direito brasileiro, Osório (2000, p. 164) vai dizer que mais que proibir ou limitar os abusos do Poder Público, irá trazer sérias consequências, uma vez criará uma variedade de direitos fundamentais relacionados ao julgamento justo e razoável.
Outra aplicabilidade para o devido processo legal substantivo no Direito Administrativo, nas palavras de Osório (2000, p. 164) a jurisprudência, de forma geral, tem aplicado essa cláusula nos procedimentos disciplinares, justificando sua aplicabilidade no Direito Administrativo Sancionador.
Luiz Roberto Barroso (1998) comunga da mesma ideia ao dizer que o devido processo legal substantivo marcou uma evolução no Poder Judiciário, pois abriu um amplo espaço de exame de mérito dos atos do Poder Público, com a definição da noção de discricionariedade, traduzido nos conceitos de justiça e de razoabilidade.
O princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir um valor superior, a justiça. Em razão da dimensão subjetiva que abraça esse princípio, torna-se razoável o que seja conforme a razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja arbitrário ou caprichoso (Barroso, 1998).
Para Olavo Augusto Viana Alves Ferreira (2004) trata-se do princípio pelo qual se controla o arbítrio do Legislativo e a discricionariedade dos atos do Poder Público, quer dizer, é por seu intermédio que se procede ao exame da razoabilidade e da racionalidade das normas jurídicas e dos atos do poder público em geral.
Entende Ferreira (2004) que não só o inciso LIV do artigo 5º, mas também o inciso 1, do art. 3° da CF, também dá uma fundamentação constitucional a esse princípio, ao dizer que também é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil "construir uma sociedade livre, justa e solidária".
Dessa forma, o autor explica que a República Federativa do Brasil tem como objetivo que as normas e os atos do Poder Público tenham conteúdo justo, razoável e proporcional. Tal dispositivo reforça a existência do princípio do devido processo legal no sentido substantivo e, como decorrência, a razoabilidade e a proporcionalidade das leis. A Constituição prevê também que o Judiciário deverá afastar as leis com conteúdos arbitrários e desarrazoados de forma a limitar a conduta do legislador.
Atualmente, o devido processo legal substantivo permite o controle de atos normativos disciplinadores de liberdades individuais de forma geral. Nesse sentido, ele ainda faz o seguinte comentário sobre esse princípio: "em sua concepção substantiva é fonte inesgotável de criatividade hermenêutica transformando-se numa mistura os princípios da legalidade e da razoabilidade para o controle dos atos editados pelo Executivo e pelo Legislativo".
A atuação do Estado na produção de normas jurídicas normalmente se fará diante de certas circunstâncias concretas. Será destinada à realização de determinados fins, a serem atingidos pelo emprego de determinados meios. Desse modo, são fatores invariavelmente presentes em toda ação relevante para a criação do direito: o motivo (circunstâncias de fato), os fins e os meios, não se esquecendo de valores fundamentais da organização estatal, como a ordem, a segurança, a paz, a solidariedade e, em última análise, a justiça. Assim, podemos dizer que a razoabilidade é a adequação de sentido que deve haver entre estes elementos.
A razoabilidade pode ser interna, quando aferida nos parâmetros da lei. É a razoabilidade técnica da medida, pois prevê a existência de uma relação racional e proporcional entre seus motivos, meios e fins. A razoabilidade externa era verificada na sua adequação aos meios e aos fins preconizados no texto constitucional.
O princípio da razoabilidade tem uma tríplice caracterização que é verificada em três requisitos: o primeiro é a da adequação, que exige que as medidas adotadas pelo Poder Público se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos; o segundo a necessidade ou exigibilidade, que impõe a verificação da inexistência de meios menos gravosos para o alcance dos fins visados; e, por último a proporcionalidade em sentido estrito, que é a ponderação entre o ônus imposto e o beneficio trazido. Barroso (1996) faz referências a Willis Santiago Guerra que assim sintetiza o assunto: "Resumidamente, pode-se dizer que uma medida é adequada, se atinge o fim almejado, exigível, por causar o menor prejuízo possível e finalmente, proporcional em sentido estrito se as vantagens que trata superarem as desvantagens".
O Supremo Tribunal Federal tem entendido que a razoabilidade, quanto a sua origem, sofreu interferência da doutrina americana, que teve como base o devido processo legal. Assim, ele tem extraído, em seus julgados, a razoabilidade e a proporcionalidade do devido processo legal em sentido substancial.
Nesse contexto, Ferreira (2004) faz a seguinte assertiva:
Direito injusto não é Direito. Poderá ser convenção humana, vontade de uma assembléia ou imposição de um ditador, mas, apesar dessa forma jurídica, apesar de ser elaborado segundo a técnica jurídica, ter todas as características formais da norma jurídica, se não tiver conteúdo justo, não é direito.
Na visão de Osório (2000, p. 170), a razoabilidade tem sido o principal critério de verificação da arbitrariedade dos atos dos entes públicos, já que tais condutas têm que atender a determinadas exigências decorrentes da razoabilidade que é esperada dos Poderes Públicos.
Além da razoabilidade, temos ainda o princípio da proporcionalidade, que também tem raízes constitucionais e está presente em todo e qualquer ramo do direito.
Sobre a proporcionalidade na atuação do Estado, Osório (2000, p. 171) faz as seguintes considerações:
Saliento que a proporcionalidade não significa apenas uma necessária moderação das penas estatais e dos tipos sancionadores, até porque ao Judiciário não será lícito examinar, à luz desse princípio, se a alternativa eleita pelo legislador era a menos gravosa possível.
Deve-se ressaltar, ainda, na percepção de Osório (2000, p. 171) que o princípio da proporcionalidade é importante no sentido de que tornar-se-ia inviável proteger ilimitadamente a liberdade individual em detrimento dos direitos da coletividade.
O princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade sempre foi mais destacado nas atuações do Poder Executivo, conforme exposto por Barroso (2000, p. 174), ao fazer referências ao professor argentino, Agustin Gordilho, que assim dispôs:
A decisão 'discricionária' do funcionário será legitima, apesar de não transgredir nenhuma norma concreta e expressa, se é ‘irrazoável’, o que pode ocorrer, principalmente, quando: a) não dê os fundamentos de fato ou de direito que a sustentam ou; b) não leve em conta os fatos constantes do expediente ou públicos e notórios; ou se funde em fatos ou provas inexistentes; ou c) não guarde uma proporção adequada entre os meios que emprega e o fim que a lei deseja alcançar, ou seja, quer se trate de uma medida desproporcionada, excessiva em relação ao que se quer alcançar.
Para Osório (2000, p. 174), o "Estado de Direito pressupõe a defesa dos direitos humanos" e, dessa forma, torna-se possível dizer que o princípio da proporcionalidade está diretamente ligado à vigência formal e material de um Estado de Direito.
Ainda sobre a proporcionalidade, Osório (2000, p. 176) afirma que este princípio vai atuar juntamente com a proibição de excesso, porque os dois são resultantes da essência dos direitos fundamentais. "Uma lei não deve onerar o cidadão mais intensamente do que o imprescindível para a proteção do interesse público".
Nesse contexto, Osório (2000, p. 177) deixa bastante claro a importância do principio da proporcionalidade no Estado de Direito: "no Estado de Direito, a atividade das autoridades administrativas não é completamente livre, e inclusive seus poderes discricionários sofrem cortes e limites implícitos e explícitos da ordem constitucional, com a chamada proibição da arbitrariedade".
Assim, a Administração, através da autoridade administrativa, deverá se preocupar para que seus atos sejam sempre desenvolvidos observando uma razoabilidade e uma proporcionalidade, principalmente entre os fins desejados e os meios empregados.
3. O Conselho de Ética E Disciplina Militar Da Unidade
3.1 Antecedentes históricos do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar
O Regulamento Disciplinar das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares tiveram que seguir o Regulamento Disciplinar do Exército Brasileiro, por força do Decreto-Lei Federal n.° 667/1969, em seu artigo 18 prescreveu que as polícias militares deverão ser submetidas a um Regulamento Disciplinar redigido à semelhança do regulamento disciplinar do Exército Brasileiro adaptado às condições e culturas de cada Corporação Policial Militar.
O Regulamento para as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, conhecido como R-200, aprovado pelo Decreto Federal n.° 88.777, de 30de setembro de 1983, que tem como escopo estabelecer princípios e normas para a aplicação do Decreto-Lei n.º 667/1969, vem dizer em seu artigo 44, que os Corpos de Bombeiros e as Polícias Militares, para serem consideradas “militares” e, forças auxiliares, reserva do Exército, têm que satisfazer as seguintes condições:
Art. 44 [...]
3) serem estruturados à base da hierarquia e da disciplina militar;
4) possuírem uniformes e subordinarem-se aos preceitos gerais do Regulamento Interno e dos Serviços Gerais e do Regulamento Disciplinar, ambos do Exército, e da legislação específica sobre precedência entre militares das Forças Armadas e os integrantes das Forças Auxiliares;
Seguindo as orientações contidas no Decreto-lei n.° 667/1969, em 1974, o Governador do Estado de Minas Gerais, com o Decreto n.º 16.231, de 02 de maio de 1974, aprovou o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Minas Gerais, RDPM, também conhecido como R-116, que sofreu as alterações trazidas pelo novo Regulamento Disciplinar da Policia Militar, aprovado pelo Decreto n.º 23.085, de 10 de outubro de 1983.
Com o advento da Constituição Federal de 1988 e por força do princípio da recepção, os regulamentos disciplinares aprovados por meio de decreto foram recebidos pelo novo ordenamento constitucional, tal como ocorreu com o Código Penal, Código de Processo Penal e outros (Rosa, 1999).
Após a greve dos militares de 1997, em Minas Gerais, a Polícia Militar designou uma comissão formada por representantes de classes (Clube de Cabos e soldados, Associação das Praças e do Clube dos Oficiais da PMMG) e oficiais do alto comando que redigiram juntos o Código de Ética e Disciplina dos Militares de Minas Gerais, aprovado pela Lei Estadual n.° 14.310, de 21 de junho de 2002.
3.2 A atuação da Autoridade no RDPM
O Regulamento Disciplinar da Polícia Militar (RDPM), como o das Forças Armadas, era todo voltado para ser aplicado conforme um juízo de conveniência e de oportunidade feito pela Autoridade Competente.
Não existia no RDPM uma imposição direta à Autoridade, sempre deixando a situação a critério de sua discricionariedade, tanto na classificação das punições, na aplicação das sanções, na anulação e na concessão de recompensas.
A autoridade militar competente para aplicar o RDPM, sempre atuou de forma discricionária, podendo, de acordo com o Art. 16, dar classificação diversa a uma transgressão disciplinar e assim, aplicar uma sanção diversa da prevista
Art. 16 – A autoridade que aplicar a punição poderá dar classificação diversa da prevista no artigo 13, atenuando-a ou agravando-a, levando-se em consideração os antecedentes e a personalidade do agente, as circunstâncias e as conseqüências do fato, devendo justificar seu proceder no próprio ato em que impuser a penalidade (Minas Gerais, 1983)
Esta situação permitia que o Comandante desclassificasse uma transgressão grave para leve e assim aplicar uma sanção leve (advertência), como também ocorria o inverso, o Comandante agravava uma transgressão média para grave e aplicava ao militar faltoso uma pena de transgressão grave, uma prisão por exemplo.
Quase todas as questões envolvendo o RDPM eram aplicadas, a critério da autoridade, ou seja, a autoridade realizava um juízo de valor sobre o caso e aplicava a sanção ou concedia a recompensa que entendesse fosse a melhor para o caso concreto.
Obviamente que tanta discricionariedade permitia, em casos esporádicos, que uma punição disciplinar fosse arbitrária ou que uma recompensa não fosse aplicada com os mesmos critérios para policiais militares, mesmo envolvendo o mesmo fato. Desta forma, a maioria dos militares entendia que a discricionariedade existente no RDPM era perversa, pois permitia que a autoridade, a seu critério, agravasse um fato e desse uma punição superior do que a prevista para aquela situação. Porém, deve-se ter em conta que o inverso também ocorria, inclusive em um número maior, ou seja, o militar cometia um fato grave e era punido com uma sanção média ou leve.
O que se destaca é que mesmo havendo mil desclassificações e apenas um agravamento de punição, que este, por ser visto de forma negativa, ressalta e toma uma proporção sem precedentes.
Assim, como se observa, o RDPM possibilitava uma atuação da autoridade com um grande poder discricionário, que por sinal, não havia nenhuma forma direta de controle, podendo a autoridade superior anular, relevar, atenuar ou agravar.
3.3 A atuação da Autoridade no CEDM-MG
O CEDM-MG foi escrito buscando retirar as duas maiores queixas dos policiais militares de Minas Gerais, principalmente as praças, já que em algumas situações o RDPM não se aplicava aos oficiais.
Assim, após o Movimento Reivindicatório dos Praças da PMMG, ocorrido em 1997 (Cotta; Silva, 2020), foi criada uma comissão que apresentou o projeto do Código de Ética, que em sua redação, foi retirada a sanção de prisão disciplinar com ou sem serviço, e reduzido ao máximo o limite da discricionariedade da autoridade para aplicar o Código de Ética.
Destarte, em alguns casos, como na aplicação da sanção disciplinar, a participação da autoridade está condicionada a uma regra física, aplicada a todos, onde toda a sistemática da aplicação da pena disciplina limita-se a uma operação matemática envolvendo a pontuação referente à transgressão disciplinar e as correspondentes às circunstâncias atenuantes, agravantes e as relativas ao recebimento de comendas e recompensas.
Apesar do Art. 16 ainda constar que para a aplicação da sanção disciplinar será observado certas circunstâncias, envolvendo a personalidade do agente e a prática da transgressão disciplinar, estas circunstâncias não são observadas na prática, pois a norma entende que se devem observar as regras do art. 17 e 18 do CEDM no cômputo da pontuação relativa ao caso em questão.
Como exemplo, pode-se citar a análise de qual sanção disciplinar deve ser aplicada ao policial militar, que deixou de ser um ato discricionário da Autoridade, para ser um ato vinculado e limitado por uma operação matemática, como se pode observar:
Art. 17 – No julgamento da transgressão, serão apuradas as causas que a justifiquem e as circunstâncias que a atenuem ou agravem.
Parágrafo único – A cada atenuante será atribuído um ponto positivo e a cada agravante, um ponto negativo (Minas Gerais, 2002).
Para decidir qual a sanção disciplinar a ser aplicada, a Lei também limitou a atuação da Autoridade que passou a aplicar a sanção correspondente com a pontuação resultante da referida operação matemática, retirando assim, qualquer discricionariedade da Autoridade:
Art. 18 – Para cada transgressão, a autoridade aplicadora da sanção atribuirá pontos negativos dentro dos seguintes parâmetros:
I – de um a dez pontos para infração de natureza leve;
II – de onze a vinte pontos para infração de natureza média;
III – de vinte e um a trinta pontos para infração de natureza grave.
§ 1° – Para cada transgressão, a autoridade aplicadora tomará por base a seguinte pontuação, sobre a qual incidirão, se existirem, as atenuantes e agravantes:
I – cinco pontos para transgressão de natureza leve;
II – quinze pontos para transgressão de natureza média;
III – vinte e cinco pontos para transgressão de natureza grave.
§ 2° – Com os pontos atribuídos, far-se-á a computação dos pontos correspondentes às atenuantes e às agravantes, bem como da pontuação prevista no art. 51, reclassificando-se a transgressão, se for o caso (Minas Gerais, 2002).
E nos poucos casos em que a Autoridade teria uma margem de discricionariedade, esta foi retirada pelos documentos normativos, como ocorre nos casos de aplicação da pena de suspensão, que assim está previsto no CEDM:
Art. 31 -
Parágrafo único – A aplicação da suspensão obedecerá aos seguintes parâmetros, conforme o total de pontos apurados:
I – de vinte e um a vinte e três pontos, até três dias;
II – de vinte e quatro a vinte e cinco pontos, até cinco dias;
III – de vinte e seis a vinte e oito pontos, até oito dias;
IV – de vinte e nove a trinta pontos, até dez dias (Minas Gerais 2002).
Pode-se observar que a Autoridade teria uma margem discricionária para aplicar a quantidade de dias, já que a norma limitava apenas o número máximo de dias, deixando o número mínimo à discricionariedade da Autoridade.
Porém, o Decreto n.º 42.843, de 16 de agosto de 2002, assim regulamentou a matéria:
Art. 53 - Para os fins do disposto nos incisos I, II, III e IV do parágrafo único do artigo 31 da Lei nº 14.310, de 19 de junho de 2002, os mínimos dos dias de suspensão ficam estabelecidos, respectivamente, da seguinte forma:
I - 1 (um) dia, na hipótese do inciso I do parágrafo único do artigo 31 referido;
II - 4 (quatro) dias, na hipótese do inciso II do parágrafo único do artigo 31 referido;
III - 6 (seis) dias, na hipótese do inciso III do parágrafo único do artigo 31 referido;
IV - 9 (nove) dias, na hipótese do inciso IV do parágrafo único do artigo 31 referido (MINAS GERAIS, 2002).
Desta forma, a Autoridade teve que aplicar o nr mínimo de dias de suspensão de acordo com a regra acima, o que reduziu ainda mais a sua discricionariedade, o que vinculou o ato punitivo à pontuação alcançada na aplicação da regra matemática, envolvendo punição, circunstâncias atenuantes e agravantes e as recompensas.
3.4 A atuação do Conselho de Ética Militar da Unidade
O CEDM-MG inovou ainda mais, quando criou a figura do Conselho de Ética e Disciplina Militar da Unidade – CEDMU, que foi conceituado, no art. 78 como sendo um “órgão colegiado designado pelo Comandante da Unidade, abrangendo até o nível de Companhia Independente, com vistas ao assessoramento do Comando nos assuntos de que trata este Código” (Minas Gerais, 2002).
Assessoramento porque o CEDMU será composto por 3 (três) militares superiores hierárquicos ou mais antigo que o militar, cujo procedimento estiver sob análise, possuindo caráter consultivo.
O próprio CEDM-MG é incoerente com a atuação do CEDMU, pois em quase todos os comandos normativos do CEDM foi acrescentada a frase, “Ouvido o CEDMU”, tanto para aplicação do Art. 10 (substituição da punição disciplinar por um aconselhamento verbal), das sanções, da solução de recurso, da concessão de recompensas, inclusive, neste último, tem-se uma regulamentação minuciosa no Decreto nº 42.843/02, quanto a concessão de recompensas.
Porém, no TÍTULO VII, Conselho de Ética e Disciplina Militares da Unidade, no Capítulo II, funcionamento, pode-se verificar que a atuação do CEDMU deveria ocorrer apenas nos casos em que o militar viesse a ser punido disciplinarmente, justamente, para evitar as punições arbitrárias que às vezes ocorriam, em razão da célebre frase que era colocada nos atos administrativos disciplinares militares, qual seja “ouvido não justificou, pelo que é punido com [...]”, pois assim, insta o art. 82:
Art. 82 – Após a conclusão e o encaminhamento dos autos de procedimento administrativo à autoridade delegante, e havendo em tese prática de transgressão disciplinar, serão remetidos os documentos alusivos ao fato para o CEDMU. Grifo nosso (Minas Gerais, 2002).
O que se deve destacar é a expressão “autos de procedimentos administrativos”, que se refere a qualquer procedimento realizado na aplicação do CEDM, que abrange não só os que geram punição disciplinar, como também a solução de recursos e os atos de concessão de recompensas, pois para todas estas matérias deve-se obrigatoriamente instaurar um procedimento ou um processo administrativo por meio de portaria ou de despacho.
Como procedimentos administrativos, o Manual de Processos e Procedimentos Administrativos (MAPPA) cita a Sindicância Administrativa Disciplinar – SAD, o Processo de Comunicação Disciplinar (PCD), o Processo Administrativo Disciplinar e o Processo Administrativo Disciplinar Sumário (PAD e PADS), o Processo Administrativo Exoneratório (PAE), além dos procedimentos para a concessão das recompensas, como: elogios, notas meritórias, dispensa dos serviços, menção elogiosa escrita e a verbal são tipos que devem estar incluídos na expressão “procedimentos administrativos” descritos no art. 82.
Desta forma, de acordo com a Lei n.º 13.210/02, que dispõe sobre o CEDM-MG, deveriam ser encaminhados para o CEDMU apenas os procedimentos/processos que, depois de analisados pela Administração seriam, em tese, objetos de sanção disciplinar, justamente, para se evitar as punições que eram agravadas de forma arbitrária ou os atos punitivos injustos, no qual o policial militar era vítima de atos abusivos e excessivos da Autoridade Policial Militar.
Porém, o que se vê na prática administrativa é justamente o contrário, uma vez que a interpretação dada ao tema no Decreto Regulamentador foi justamente a de transformá-lo em um executor do serviço administrativo, inclusive de maneira amadora, visto que na maioria dos casos, seus membros não possuem nenhum conhecimento jurídico ou técnico e em outros casos são influenciados ou sentem-se receios de serem punidos.
Apesar do art. 41 determinar que a documentação enviada ao CEDMU deva ser acompanhada da Ficha de Alterações ou do Extrato de Registro Funcional do militar, não é praxe o anexo destas informações, ainda mais que o parágrafo único do citado artigo contraria o art. 82 do CEDM, ao determinar a remessa de todo processo ou procedimento que fora aberto vista, mesmo que não haja transgressão disciplinar a punir.
Tal determinação, além de estar contrária à Lei, que determina o encaminhamento apenas dos procedimentos/processos que, em tese, resultarão em punição disciplinar, ainda sobrecarrega os Conselhos que reúnem para analisar um procedimento que deverá ser arquivado, ou às vezes, questiona quanto à justificativa e, ainda sem precedentes, o arquivamento dos autos.
Outro ponto a se discutir, é justamente a finalidade do CEDMU, que é de evitar a punição arbitrária e injusta, por intermédio, do devido processo legal substantivo, verificando se a decisão dada ao caso concreto é razoável e se a pena está proporcional de acordo com as normas em vigor, mas para isso, ele tem que atuar após a análise feita pela administração e, não antes.
O problema ocorre justamente porque o Manual de Procedimento e Processo Administrativo Disciplinar (MAPPA), trás orientações contrárias à norma no sentido de determinar que o CEDMU desenvolva o trabalho da administração, pois assim está disposto no §2º do art. 518:
Art. 518 - [...]
1º. [...]
§2º. Não poderá haver nenhum prévio parecer ou orientação de mérito procedido pela Administração na documentação remetida ao CEDMU, propiciando isenção aos membros do Conselho.
Como se observa o Manual reforça a ideia de que o CEDMU deve realizar o serviço da Administração, e não, o de fiscalizador da Administração e da Autoridade Competente, no sentido de verificar se a decisão tomada cumpre o devido processo legal substantivo, ou seja, se está de acordo com as provas juntadas e produzidas no procedimento/processo, e ainda se foi observado todas as garantias do devido processo legal adjetivo.
Assim, basta ler o art. 48 do Decreto, por exemplo, para que este fato seja confirmado, uma vez que o citado regramento possibilita ao CEDMU devolver os autos, requerendo a realização de diligencias complementar para que ele possa formar um juízo de valor.
Não só estes fatos e acontecimentos, como outros previstos nas normas regulamentadoras – Decreto n.º 42.843/02 e na Resolução n.º. 42.220/12 – MAPPA, que demonstram que o papel do CEDMU deixou de ser o de um órgão fiscalizador da decisão da Autoridade nos casos envolvendo o CEDM- MG, passando a ser mais um executor, e o que é pior, um mau executor, tendo-se em vista que os militares que compõem os Conselhos, em sua maioria, não possuem formação jurídica, nem treinamento nesta área, diferentemente dos integrantes do Núcleo de Justiça e Disciplina – NJD, setor de análise dos procedimentos/processos disciplinares, que, contrariamente ao CEDMU, exigem de seus membros um mínimo de conhecimento técnico e jurídico, para um melhor desempenho de suas atividades.
O setor que analisa os procedimentos é chamado de Núcleo de Justiça e Disciplina, tendo como chefe, um Tenente ou Capitão PM, e Sargentos PM como auxiliares, possuindo um conhecimento jurídico e treinamento específico na área, justamente para realizar um bom assessoramento, evitando-se decisões desarrazoadas e desproporcionais.
O interessante é que o próprio Manual ainda prevê uma responsabilização para os integrantes do Conselho, que de fiscalizadores da aplicação da norma, passaram a ser fiscalizados e, dependendo do caso até punidos disciplinarmente, como está previsto no art. 515, § 3º, “devem os membros do Conselho, inteirar-se das normas reguladoras de forma a cumprir bem o seu encargo, sob pena de ser responsabilizado disciplinarmente”.
Com esta alteração de foco ou da finalidade do CEDMU, o policial militar continua sendo alvo de ações arbitrárias da Administração, pois acaba que o CEDMU é quem está sendo fiscalizado pela Administração.
Este fato ainda traz como consequência uma possível legitimação de uma punição arbitrária, pois esta passa a ser considerada correta, pois foi precedida da análise do CEDMU.
4. Considerações finais
O objetivo geral deste trabalho foi compreender a atuação do Conselho de Ética e Disciplina Militar da Unidade frente ao devido processo legal substantivo, tornando-se uma ferramenta que irá garantir a aplicação justa do Código de Ética e Disciplina dos Militares de Minas Gerais, portanto o objetivo proposto foi alcançado.
Objetivou-se verificar se a atuação do CEDMU não está limitada a realizar de forma amadora, o serviço da Administração, já que não é exigido de seus membros nenhuma formação ou treinamento na área, limitando-se apenas na antiguidade entre seus membros e o militar envolvido no processo.
Com o trabalho pode verificar que há uma incoerência na própria norma disciplinar, que inicialmente determina que se deva ouvir o CEDMU em todos os assuntos do CEDM, porém, no capítulo do funcionamento do Conselho de Ética, a norma determina que apenas os processos que irão gerar, em tese, punição disciplinar que deverão ser encaminhados para o CEDMU.
Verificou-se que o CEDMU na prática desempenha de forma amadora o papel da Administração nos assuntos referentes ao Código de Ética, pois este recebe um processo ou procedimento, sem ter o mínimo de conhecimento do assunto, pois, na sua grande maioria, possuem apenas a formação policial (curso de formação de sargentos e de oficiais).
Os Conselhos que são compostos por oficiais possuem uma capacitação diferenciada, tendo-se em vista a formação de seus membros, que devem ser possuidores do curso de Direito.
Verificou-se também, que o serviço do CEDMU é um encargo para seus membros, e que em razão da determinação da norma regulamentadora de que mesmo que não haja punição disciplinar, mas o militar foi ouvido, tem-se que passar pelo Conselho, tem aumentado o volume de trabalho, com reuniões desnecessárias, já que o procedimento era pelo arquivamento ou se trata de uma recompensa.
Conclui-se que a atuação do CEDMU, de acordo com a norma reguladora atual, não está de acordo com o Devido Processo Legal Substantivo, pois ele deveria atuar após a análise do processo/procedimento pela Administração, que são os que possuem conhecimento, formação e treinamento para desempenharem tal função, passando para o CEDMU emitir um parecer se a análise feita pela Administração levou em consideração a Substância do ato, ou seja, se irá resultar em uma decisão justa, razoável e proporcional.
Desta forma, pode-se dizer que os papeis foram invertidos, ou seja, ao invés do CEDMU fiscalizar se o ato disciplinar é justo e está de acordo com o devido processo legal é a Administração que fiscaliza se o CEDMU está correto em seu parecer, já que é o Conselho que analisa o mérito do fato.
Assim, conclui-se que o Conselho de Ética foi criado para desempenhar um papel importantíssimo no devido processo disciplinar tendo em vista que seu parecer relativo ao trabalho da administração vincula a decisão da autoridade competente, que se vê obrigado a justificar seu despacho, sempre que ele for contrário ao citado parecer, o que, como consequência enseja reexame necessário da autoridade superior.
Há de considerar, também, que um parecer equivocado do CEDMU pode gerar de forma justificada um ato arbitrário da Autoridade, pois este estaria, em tese, legitimado pelo citado parecer.
Antenor Ferreira de Sousa Filho é Coronel da PMMG. Bacharel em Direito, pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Mestre em Direito Ambiental. Especialista em: Segurança Pública; em Gestão Estratégica de Segurança Pública; em Direito Processual Penal Militar e Direito Penal Militar, todos pelo Centro de Pesquisa e Pós-Graduação da Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Especialista em Direito Administrativo Disciplinar Militar, pelo Instituto Brasileiro de Direito Militar.
Artigo originalmente publicado na Revista O Alferes, Belo Horizonte, v. 33, n. 83, p. 118-145 - jul./dez. 2023.
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