Ação de nacional no estrangeiro e o crime militar de entendimento para gerar conflito ou divergência com o Brasil
- Jorge Cesar de Assis
- 25 de ago.
- 20 min de leitura
1 - Introdução
Em mais um capítulo da sua inusitada Cruzada Tarifária, o Presidente dos Estados Unidos, tecendo fortes críticas ao Governo do Brasil, anunciou a imposição de taxas de 50% sobre produtos brasileiros exportados a partir de 1º de agosto deste ano. Se as manifestações daquele Presidente criticando os Poderes Constituídos - principalmente o Poder Judiciário Brasileiro ao que parece pretendendo torná-lo submisso causaram – ou deveriam causar legítima revolta no país, não há adjetivo que possa exprimir a sensação de espanto e desapontamento causada pelas declarações daqueles que, apesar de terem nascido no solo pátrio, dele retiram-se voluntariamente, para articular, incentivar e elogiar o ato nocivo do mandatário alienígena, pedindo inclusive aos seus seguidores para agradecerem nas redes sociais a ofensa gratuita e a exacerbada taxação de cunho comercial contra o nosso País.
A partir daí, passou a se questionar se a crescente imposição de medidas prejudiciais ao país pelos Estados Unidos, e as manifestações do nacional de ir às últimas consequências são aptas a demonstrar a consumação do crime de entendimento para gerar conflito ou divergência com o Brasil, que é crime militar em tempo de paz, que até então se encontrava em plácido repouso no diploma penal militar, desconhecido inclusive da maioria da comunidade jurídica.
O Código Penal Militar prevê em seu art. 141, o crime de Entendimento para gerar conflito ou divergência com o Brasil, verbis:
Art. 141. Entrar em entendimento com país estrangeiro, ou organização nele existente, para gerar conflito ou divergência de caráter internacional entre o Brasil e qualquer outro país, ou para lhes perturbar as relações diplomáticas:
Pena - reclusão, de quatro a oito anos.
Resultado mais grave
§ 1º Se resulta ruptura de relações diplomáticas:
Pena - reclusão, de seis a dezoito anos.
§ 2º Se resulta guerra:
Pena - reclusão, de dez a vinte e quatro anos.
O entendimento para gerar conflito ou divergência com o Brasil é crime que se encontra previsto no CPM, no Título I da Parte Especial – Dos Crimes contra a Segurança Externa do País, e envolve, naturalmente a defesa de sua soberania. É crime militar em tempo de paz, e, em tempo de guerra pode, dependendo do contexto da ação praticada, evoluir para um dos crimes previstos no Capítulo I (da traição), Título I (do favorecimento ao inimigo) do Livro II (crimes militares em tempo de guerra), entre os artigos 355 a 361, que admitem, inclusive a pena de morte[1] em grau máximo.
Entrar em entendimento significa aproximar-se, manter contato, estabelecer alianças e parcerias com o país estrangeiro [e seus representantes] ou com organização nele existente, destinadas a gerar conflito [armado, rompimento de relações diplomáticas, ou comercial envolvendo aspecto tarifário] ou gerar divergência [através de acusações levianas contra as instituições nacionais, que podem evoluir para algo mais grave]. O extraordinário alcance das redes sociais levando as ações em segundos para todo o planeta agrava ainda mais o crime. A ação do agente com certeza afeta a soberania nacional.
Mas é necessário certa cautela, porque a caracterização de um fato como crime militar passa pela chamada “tipificação indireta”, para utilizarmos a feliz expressão do Mestre Cícero Coimbra, ou seja, em um primeiro momento verificamos se a conduta tida como delituosa está prevista na Parte Especial do Código Penal Militar e, na sequência há que se verificar se a mesma conduta foi praticada em uma das várias hipóteses relacionadas no art. 9º do CPM, sem o que o delito militar não se aperfeiçoa.
Curial que se diga que o tipo penal militar não é novidade, vem sendo previsto na legislação brasileira desde a Proclamação da República, com o advento do Código Penal comum de 1.890, e do Código Penal Militar do mesmo ano, seguido pelo diploma de 1.944, senão vejamos:
CÓDIGO PENAL DE 1.890 (Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1.890)[2]
Dos crimes contra a independência, integridade e dignidade da Pátria
Art. 88. Provocar, directamente e por factos, uma nação estrangeira a mover hostilidades ou a declarar guerra á Republica:
Pena - de prisão cellular por dous a quatro annos.
§ 1º Si seguir-se a declaração de guerra.
Pena - de prisão cellular por cinco a quinze annos.
§ 2º Si para não se verificar a guerra, declarada em consequencia da provocação, a nação tiver de fazer algum sacrificio em detrimento de sua integridade ou de seus interesses:
Pena - de prisão cellular por cinco a quinze annos.
CÓDIGO PENAL PARA A ARMADA (Decreto nº 949, de 05 de novembro de 1.890)[3]
Dos crimes contra a integridade, independência e dignidade da nação
Art. 74. Todo individuo ao serviço da marinha de guerra que:
§ 1º, tentar directamente e por factos, sujeitar o territorio da Republica, ou parte delle, ao dominio estrangeiro; quebrantar ou enfraquecer sua independencia e integridade;
(...)
§ 3º, auxiliar alguma nação a fazer guerra, ou commetter hostilidades contra a Republica, fornecendo-lhe gente, dinheiro, armas, munições ou meios de transporte;
(...)
Pena - de morte no gráo maximo; de prisão com trabalho por vinte annos no médio de dez no minimo.
(...)
Art. 77. Todo individuo ao serviço da marinha de guerra que, directamente e por factos, provocar uma nação a declarar guerra á Republica:
§ 1º, si da provocação não resultar declaração de guerra, ou si esta, posto que declarada, não tiver seguimento:
Pena - de prisão com trabalho por dous a seis annos.
§ 2º, si da provocação resultar declaração de guerra, e esta tiver seguimento:
Pena - de morte no gráo maximo; de prisão com trabalho por vinte annos no médio e por dez no minimo.
CÓDIGO PENAL MILITAR DE 1944 (Decreto-Lei nº 6.227, de 24 de janeiro de 1.944):
Dos crimes contra a segurança externa do país
Art. 119. Provocar o militar, diretamente por fatos, país estrangeiro a declarar guerra ou mover hostilidades contra o Brasil ou a intervir em questão que respeite à soberania nacional:
Pena – reclusão, de doze a trinta anos
2 - Considerações sobre o entendimento para gerar divergência ou conflito com o brasil
Nos termos do art. 141 do CPM atual [interpretação literal], a qualidade de militar do agente não é exigida, sendo que o crime poderia, em tese, ser cometido tanto pelo militar como pelo civil. O crime de entendimento com país estrangeiro ou organização nele existente apresenta um especial fim de agir, ou seja, que o entendimento do agente com país estrangeiro ou organização alienígena e seus representantes tenha a intenção de gerar conflito ou divergência de caráter internacional entre o Brasil e qualquer outro país, ou para lhes perturbar as relações diplomáticas que se deseja prevaleçam no complexo cenário mundial.
Anote-se, entretanto, que pela sistemática adotada pelo CPM, somente haverá crime militar praticado por civil quando o fato ofender as instituições militares, nos termos do art. 9º, inc. III, do Código Penal Militar[4].
Que seriam as instituições militares?
Já nos referimos em outro espaço[5], que lembrou Célio Lobão Ferreira que o Dec.-Lei 898/1969 (antiga Lei de Segurança Nacional) dispunha que “instituições militares são as Forças Armadas, constituídas pela Marinha de Guerra, Exército e Aeronáutica Militar, estruturadas em ministérios, bem assim os altos órgãos militares de Administração e Comando”[6].
Por ocasião da edição do CPM em 1969, havia uma íntima conexão com o conceito de Segurança Nacional, que já na Constituição de 1934 estava tratada em um Título próprio [VI] criando inclusive um Conselho de Segurança nacional que seguiria pelos diplomas seguintes. Ao tratar da Justiça Militar, dispunha a Constituição de 1934 em seu art. 84, que os militares e as pessoas que lhes eram assemelhadas teriam foro especial nos delitos militares, e que este foro poderia ser estendido aos civis, nos casos expressos em lei, para a repressão de crimes contra a segurança externa do País, ou contra as instituições militares. Este mandamento iria se repetir na Carta de 1937 [a Constituição Polaca, outorgada durante o chamado Estado Novo, período autoritário no Brasil], prevendo no seu art. 111, que os militares e as pessoas a eles assemelhadas teriam foro especial nos delitos militares, e que esse foro poderia estender-se aos civis, nos casos definidos em lei, para os crimes contra a segurança externa do País ou contra as instituições militares.
Por aí se vê que a tutela da segurança externa do país tinha fundamento constitucional no período compreendido entre 1934 a 1937.
Com o advento da Carta de 1946, foi mantida disposição semelhante no seu art. 108[7], todavia, com o advento do Ato Institucional nº 02, de 27 de outubro de 1965, houve uma alteração da redação no § 1º do art. 108, passando a constar a extensão do foro aos civis e assemelhados para os casos de crime contra a segurança nacional ou as instituições militares[8].
É de se destacar que a Constituição Federal de 1967, previu no art. 122 a 129, a competência da Justiça Militar, sendo que seu § 1º previu a extensão do foro aos civis nos casos expressos em lei para repressão de crimes contra a segurança nacional, ou às instituições militares [redação dada pelo AI 6/69]. Com a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, o texto constitucional foi reformulado por inteiro, passando a ser conhecido como a Constituição de 1969, e nela, foi previsto no art. 129, que a Justiça Militar competiria processar e julgar, nos crimes militares definidos em lei, os militares e as pessoas que lhes são assemelhadas, sendo que seu § 1º previu que esse foro especial poderia estender-se-á aos civis, nos casos expressos em lei, para repressão de crimes contra a segurança nacional ou as instituições militares[9].
A Constituição Federal atual previu a instituição de um Conselho de Segurança Nacional, que é órgão de consulta do Presidente da República nos assuntos relacionados com a soberania nacional e a defesa do Estado democrático, em seu art. 91[10]. Ao mesmo tempo, seu art. 124 não faz mais a previsão da extensão do foro militar aos civis, remetendo este aspecto para a lei[11]. A lei referida no texto constitucional é a 8457, de 04 de setembro de 1992 – Lei de Organização Judiciária da Justiça Militar da União, que deferiu a competência de processar e julgar civis ao Juiz Federal da Justiça Militar [art. 30, I-B)[12].
É certo que o Supremo Tribunal Federal editou a longeva Súmula 298 [O legislador ordinário só pode sujeitar civis à justiça militar, em tempo de paz, nos crimes contra a segurança externa do país ou as instituições militares], mas a súmula foi aprovada em 13 de dezembro de 1963, lembrando novamente que a Constituição Federal abandonou a tutela dos crimes militares contra a segurança externa do país que autorizava a extensão do foro aos civis. Exatamente por isso, o STF tem adotado interpretação bem mais restritiva e excepcional para definir a competência da Justiça Militar para o julgamento de civis em tempo de paz, interpretação que tem identificado a competência castrense apenas naqueles delitos que atentem contra as instituições militares[13].
O Código Penal Militar, que é posterior ao Decreto-Lei 898/69 citado linhas atrás, preferiu indicar os casos em que haverá delito contra as instituições militares. Por sua vez, a Constituição Federal de 1988, dispõe que as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica são instituições permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina e sob a autoridade suprema do Presidente da República.
Dizer que as Forças Armadas são instituições significa caracterizá-las como um conjunto de estruturas sociais estabelecidas pela tradição de nosso país, especialmente relacionadas com a coisa pública, com a defesa da Pátria.
Lecionou com precisão José Afonso da Silva que concebendo-as como instituições nacionais, reconhece-lhes a Constituição a importância e relativa autonomia jurídica decorrente de seu caráter institucional; declarando-as permanentes e regulares, vincula-as à própria vida do Estado, atribuindo-lhes a perduração deste. Essa posição constitucional das Forças Armadas importa afirmar que não poderão ser dissolvidas, salvo por decisão de uma Assembleia Nacional Constituinte. E, sendo regulares, significa que deverão contar com efetivos suficientes ao seu funcionamento normal, por via do recrutamento, nos termos da lei[14].
Dissemos, ainda, que o raciocínio se aplica às polícias e aos corpos de bombeiros militares, a quem a Constituição Federal garantiu o status de instituições dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, em seu art. 42.
Todavia, quando o civil cometer crime contra as instituições militares estaduais, a competência será da Justiça Comum – se houver correspondência típica, visto que a justiça especializada dos Estados e do Distrito Federal somente processa e julga policiais militares e bombeiros militares[15].
Lembramos também que uma segunda hipótese, até certo ponto controvertida, de cometimento de crime militar por civil é a da ocorrência de concurso de agentes, em que o civil concorre, de qualquer forma, para o cometimento do crime – ainda que propriamente militar – incidindo nas penas a ele cominadas.
O Supremo Tribunal Federal, mantendo a posição adotada anteriormente pelo Superior Tribunal Militar, confirmou a possibilidade do civil ser coautor em crime militar próprio.
Para o STF, considerando que o art. 53, § 1º, do CPM, estabelece que as condições ou circunstâncias de caráter pessoal quando forem elementares de crime militar se comunicam entre os autores no caso de concurso de agentes, sua 2ª turma indeferiu por unanimidade habeas corpus impetrado contra acórdão do STM, no qual se sustentava a atipicidade da conduta do paciente – consistente na suposta prática de crime de ofensa aviltante a inferior (CPM, art. 176) em coautoria com militares. Considerou-se que a qualidade de superior hierárquico do corréu militar, por ser elementar do crime, estende-se ao civil[16]. [...]
A hipótese de cometimento de crime militar por civil, foi lembrada também por Gerardo Eto Cruz, em relação à Justiça Militar do Peru, afirmando em nota que “no se descarta que, en hipotesis, un civil pueda incursionar en delitos previstos en el CJM o via la figura de un concurso real de delitos, o delitos cuyos bienes juridicos tutelados son de naturaleza pluriofensivas”[17].
A ideia de concurso entre militares e civis também foi aventada por Luis A. Luna Paulino, ao tratar do direito penal militar da República Dominicana, para quem “empero, es posible que personas sujetas a las jurisdicciones militares tengan como coautores y/o complices a civiles o personas no sujetas a las jurisdicciones militares. En este caso si la infracción está prevista y sancionada por el Código de Justicia de las Fuerzas Armadas, será un delito militar, para el militar y falso delito militar para el coautor no sujeto a la Jurisdicción Militar”[18].
Trazendo à discussão para a atualidade, a impressão que se tem [fazendo-se uma interpretação conforme a Constituição e a legislação penal comum], no entanto, é a de que, s.m.j., o civil não pode cometer o crime do art. 141 do CPM, pelos seguintes motivos:
a) o crime em questão é [ipsis litteris] crime contra a segurança externa do país. A tutela constitucional da segurança externa do país que permitia a extensão do foro especial aos civis foi abandonada a partir da Carta de 1946, tendo sido substituída pela tutela da segurança nacional, repetida nas Constituições de 1967 e 1969. A atual Carta Magna, tratando da competência da Justiça Militar em seu art. 124, não prevê mais a extensão do foro aos civis naqueles casos referidos anteriormente.
b) o crime do art. 141 é crime contra a segurança externa do país que não se enquadra no inciso III do art. 9º, do CPM, dispondo que o fato criminoso praticado pelo civil atente contra as instituições militares, em especial contra o patrimônio ou a ordem administrativa militar, donde se conclui que a segurança externa do país com certeza não se insere neste contexto.
A única hipótese possível de enquadramento portanto, seria a de que o civil estivesse em concurso com outro agente que ostentasse a qualidade militar, mas esta qualidade pessoal, no art. 141 não é uma circunstância elementar do tipo, e assim, refoge à regra do § 1º do art. 53, do Código Penal Militar[19].
O crime do art. 141 é de natureza formal, não exigindo que se produza qualquer resultado, que ocorrendo qualifica o crime nas formas previstas nos §§ 1º e 2º, com novos máximo e mínimo de pena.
A ação penal militar, nos termos do art. 122 do CPM [31 do CPPM], dependerá de requisição do Comandante da Força Armada a que estiver subordinado o agente quando este for militar, dirigida ao Procurador-Geral da Justiça Militar,
O termo “requisição” nos parece mal colocado em face da norma do art. 129, inc. I, da CF/1988, consagradora da posição de dominus litis do Ministério Público, devendo ser entendida como representação, mera notitia criminis. Mas é, com certeza, condição de procedibilidade para o processo penal militar. Demonstrada a impossibilidade do agente ser civil não há que falar em requisição do Ministro da Justiça.
Com o advento da Lei Complementar 97, de 09.06.1999 (que dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas), cada Ministro de Força Armada de então, passou a ser considerado como Comandante do Exército, Marinha e Aeronáutica (art. 19), e subordinado ao Ministro de Estado da Defesa (art. 3º), dentro da reformulação operada pela Emenda Constitucional 23, de 02.02.1999, que criou o Ministério da Defesa.
Assim, a requisição prevista no art. 31 do CPPM [122 do CPM] será, quando o agente for militar, do Ministro de Estado da Defesa, e envolve uma questão política. Será o Ministro da Defesa, sob a orientação do Presidente da República quem iria avaliar inicialmente o prejuízo (perigo) para a soberania do Brasil, e a conveniência de se representar ou não pela instauração da ação penal militar.
Cabe anotar, ainda, que o crime do art. 141 do Código Penal Militar não é particularidade da legislação penal castrense como se possa igualmente imaginar. Com efeito, ele estava previsto em termos semelhantes desde 1.969, na revogada legislação concernente à Segurança Nacional, conforme lembrado abaixo:
Lei 7.170, de 14.12.1983 – Lei de Segurança Nacional [revogada]:
Art. 8º - Entrar em entendimento ou negociação com governo ou grupo estrangeiro, ou seus agentes, para provocar guerra ou atos de hostilidade contra o Brasil.
Pena: reclusão, de 3 a 15 anos.
Parágrafo único - Ocorrendo a guerra ou sendo desencadeados os atos de hostilidade, a pena aumenta-se até o dobro.
Lei 6.620, de 17 de dezembro de 1.978 - Lei de Segurança Nacional [revogada]:
Art. 6º - Entrar em entendimento ou negociação com governo estrangeiro ou seus agentes, a fim de provocar guerra ou atos de hostilidade contra o Brasil.
Pena: reclusão, de 2 a 15 anos.
Parágrafo único - Se os atos de hostilidade forem desencadeados.
Pena: reclusão, de 8 a 30 anos.
Decreto-Lei 898, de 29 de setembro de 1.969 – Define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social [revogado]:
Art. 8º Entrar em entendimento ou negociação com govêrno estrangeiro ou seus agentes, a fim de provocar guerra ou atos de hospitalidade contra o Brasil.
Pena: reclusão, de 15 a 30 anos.
Parágrafo único. Se os atos de hostilidade fôrem desencadeados:
Pena: Prisão perpetua, em grau mínimo e morte, em grau máximo.
É bom que se diga que com a revogação da Lei 7.170, de 14.12.1983 – Lei de Segurança Nacional pela Lei 14.197, de 2021, o Código Penal brasileiro ganhou um novo Título XII [Dos Crimes contra o Estado Democrático de Direito], e é nele, exatamente em seu Capítulo I [Dos Crimes contra a Soberania Nacional] iremos encontrar o novel art. 359-I, onde está tipificado o crime de Atentado à Soberania, verbis:
Atentado à soberania (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021)
Art. 359-I. Negociar com governo ou grupo estrangeiro, ou seus agentes, com o fim de provocar atos típicos de guerra contra o País ou invadi-lo:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.
§ 1º Aumenta-se a pena de metade até o dobro, se declarada guerra em decorrência das condutas previstas no caput deste artigo.
§ 2º Se o agente participa de operação bélica com o fim de submeter o território nacional, ou parte dele, ao domínio ou à soberania de outro país:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.
Um exame comparativo entre o art. 141 do Código Penal Militar e o art. 8º, da revogada Lei 7.170, de 14.12.1983 [Lei de Segurança Nacional] mostrará que eles eram semelhantes, a ação de entrar em entendimento com país estrangeiro estava prevista nas duas normas. Enquanto o art. 141 do CPM se refere ao “entendimento com país estrangeiro ou organização nele existente”, o art. 8º, da antiga LSN se referia a “entrar em entendimento ou negociação com governo ou grupo estrangeiro, ou seus agentes”, deixando claro que os destinatários do reprovável entendimento seriam os mesmos.
Nos termos da lei de segurança nacional revogada, a competência de processo e julgamento era da Justiça Militar[20].
Por sua vez, iremos verificar que havia, no especial fim de agir dos dois tipos penais uma certa semelhança, pois enquanto no art. 141 do CPM é o de “gerar conflito ou divergência de caráter internacional entre o Brasil e qualquer outro país, ou para lhes perturbar as relações diplomáticas”, no revogado art. 8º era o de “provocar guerra ou atos de hostilidade contra o Brasil”.
Quanto ao art. 359-I, do Código Penal – que também é crime formal, continua a ser identificada a negociação com governo ou grupo estrangeiro, ou seus agentes [comum em todos os tipos penais apresentados], mas a finalidade passa a ser a de “provocar atos típicos de guerra contra o País ou invadi-lo”. Se a lei se refere a “atos típicos de guerra”, importante dizer que esta – a guerra, não precisa ser declarada, aliás, já faz algum tempo que a moderna terminologia adotou a nomenclatura “Direito Internacional dos Conflitos Armados”, consentânea com a realidade atual onde não existe uma declaração formal de guerra para que os conflitos entre países aconteçam, como nas chamadas guerras da Ucrânia e da Faixa de Gaza para ficarmos apenas naquelas que atualmente chamam mais a atenção da comunidade internacional. Atos típicos de guerra seriam, portanto, dentre outros, a derrubada de um avião ou o afundamento de um navio, a violação do território estrangeiro por força armada, o ataque a um quartel, o emprego da guerra cibernética etc.
Nos termos do art. 144, § 1º, da Constituição Federal, é competência da Polícia Federal: I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; (...) IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
Infração penal contra a ordem política e social implica dizer que se trata de crime político. Nem a CF nem a legislação penal definem crime político.
Todavia, existe consenso na doutrina e na jurisprudência, que crime político é aquele que viola o Estado Democrático de Direito. Os crimes políticos estavam previstos na antiga Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/1983) agora revogada pela Lei 14.197/2021, que acrescentou o Título XII na Parte Especial do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), relativo aos crimes contra o Estado Democrático de Direito.
Pela Lei 7.170/1983, a competência de processo e julgamento do crime político era da Justiça Militar (LSN, art. 30; CF/69, art.129, § 1º), com a apuração através de inquérito pela Polícia Federal (art. 31) ou IPM se o agente fosse militar (art. 32), ressalvada a competência originária do STF.
Com o advento da CF/1988, a competência passou a ser da Justiça Federal (art. 109, IV), com espeque no art. 109, competindo aos juízes federais [ressalvados os casos de foro privilegiado] processar e julgar: I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho; (...) IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral, competindo ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar as pessoas com foro privilegiado, além de analisar e julgar os recursos advindos de processos de crimes políticos, conforme preceitua a Constituição Federal (art. 102, II, ‘b’).
Mas voltemos ao art. 141 do Código Penal Militar.
3 - aspectos penais e processuais do art. 141 do CPM
CONTEMPORANEIDADE DO TIPO PENAL MILITAR. A localização topográfica do artigo em exame revela que ele é crime contra a segurança externa do país, expressão que tinha fundamento constitucional para a extensão do foro militar ao civil nas Cartas de 1934 a 1937, abandonada que foi a partir de 1946, quando a Carta Magna adotou a tutela da segurança nacional como motivo para a mesma extensão. A Constituição de 1988 não prevê mais a extensão do foro militar para o civil, de modo que a questão é tratada pela Lei de Organização da Justiça Militar da União.
AGENTE. Conforme concluído linhas atrás, o crime de entendimento para gerar conflito ou divergência com o Brasil, de natureza formal, pode ser cometido por militar, mas não por civil.
LUGAR DO CRIME E COMPETÊNCIA DE PROCESSO E JULGAMENTO. Nos termos do art. 6º do Código Penal Militar, considera-se praticado o fato, no lugar em que se desenvolveu a atividade criminosa, no todo ou em parte, e ainda que sob forma de participação, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. Nos crimes omissivos, o fato considera-se praticado no lugar em que deveria realizar-se a ação omitida.
Por força do art. 7º, que consagra o princípio da extraterritorialidade da lei penal militar, é alcançado pela Justiça Militar brasileira o fato praticado fora do território nacional. Por sua vez, nos termos do art. 91, do Código de Processo Penal Militar, os crimes militares cometidos fora do território nacional serão, de regra, processados em Auditoria da Capital da União, observado, entretanto, o disposto no artigo seguinte (crimes praticados em parte no território nacional e diversidade de Auditorias e sedes). Se o agente for oficial general, a competência para julgamento é do Superior Tribunal Militar, nos exatos termos do art. 6º, inciso I, alínea a, da Lei 8.457, de 04.09.1992 – LOJMU. Demais militares de modo geral, serão julgados na primeira instância da Justiça Militar da União.
4 – Conclusão
A conclusão que se chega, ressalvado entendimento contrário e de todo respeitado é a seguinte:
O entendimento com país estrangeiro, previsto no art. 141 do Código Penal Militar, somente pode ser cometido por militar e será julgado pela Justiça Militar da União.
Jorge Cesar de Assis é Advogado inscrito na OAB-PR. Membro aposentado do Ministério Público Militar da União. Integrou o Ministério Público paranaense. Capitão da reserva não remunerada da Polícia Militar do Paraná - PMPR. Sócio Fundador da Associação Internacional de Justiças Militares-AIJM. Membro correspondente da Academia Mineira de Direito Militar e da Academia de Letras dos Militares do Estado do Paraná – ALMEPAR. Coordenador da Biblioteca de Estudos de Direito Militar da Editora Juruá. Administrador do site: www.jusmilitaris.com.br
NOTAS
[1] CF, art. 5º, XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX.
[2] Grafia original.
[3] Grafia original.
[4] CPM, art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: [...] III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos: a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar; b) em lugar sujeito à administração militar, contra militar da ativa ou contra servidor público das instituições militares ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo; (Redação dada pela Lei nº 14.688, de 2023) c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras; d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior.
[5] ASSIS, Jorge Cesar de. Comentários ao Código Penal Militar, 12ª edição, 2024 pp. 116-117.
[6] FERREIRA, Célio Lobão. Direito Penal Militar. Brasília, 1975. p. 17.
[7] CF/1946, art. 108 - A Justiça Militar compete processar e julgar, nos crimes militares definidos em lei, os militares e as pessoas que lhes são, assemelhadas. § 1º - Esse foro especial poderá estender-se aos civis, nos casos, expressos em lei, para a repressão de crimes contra a segurança externa do País ou as instituições militares.
[8] CF/1946, art. 108, § 1º - Esse foro especial poderá estender-se aos civis, nos casos expressos em lei para repressão de crimes contra a segurança nacional ou as instituições militares. (Redação dada pelo Ato Institucional nº 2/65)
[9] CF/1969, art. 129. À Justiça Militar compete processar e julgar, nos crimes militares definidos em lei, os militares e as pessoas que lhes são assemelhadas. § 1º Esse foro especial estender-se-á aos civis, nos casos expressos em lei, para repressão de crimes contra a segurança nacional ou as instituições militares.
[10] A Lei 8.183, de 11.04.1991 dispõe sobre a organização e o funcionamento do Conselho de Defesa Nacional e dá outras providências.
[11] CF/1988, art. 124. à Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei. Parágrafo único. A lei disporá sobre a organização, o funcionamento e a competência da Justiça Militar
[12] Lei 8457/1992, art. 30. Compete ao juiz federal da Justiça Militar, monocraticamente: (...) I-B - processar e julgar civis nos casos previstos nos incisos I e III do art. 9º do Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 (Código Penal Militar), e militares, quando estes forem acusados juntamente com aqueles no mesmo processo; (Incluído pela Lei nº 13.774, de 2018)
[13] STF, 1ª Turma, HABEAS CORPUS 116.780/CEARÁ, Relatora Min. ROSA WEBER, julgado em 22.10.2013, concedida a ordem por maioria.
[14] ASSIS, Jorge Cesar de. Curso de Direito Disciplinar Militar – da simples transgressão ao processo administrativo. 2. ed., rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2009. p. 22-23.
[15] Súmula 53, do Superior Tribunal de Justiça: “Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar o civil acusado de prática de crime contra instituições militares estaduais”.
[16] STF, 2ª T., HC 81.438/RJ, Rel. Min. Nelson Jobim, j. em 11.12.2001, DJ de 10.05.2002.
[17]CRUZ, Gerardo Eto. La Justicia Militar en el Peru. Trujillo/Peru: Nuevo Norte, 2000. p. 173, nota n. 218.
[18] PAULINO, Luiz A. Luna. Derecho Penal Militar – Parte General. Santo Domingo – República Dominicana: Burgorama, 1998. p. 189.
[19] Coautoria Art. 53. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas. Condições ou circunstâncias pessoais § 1º A punibilidade de qualquer dos concorrentes é independente da dos outros, determinando-se segundo a sua própria culpabilidade. Não se comunicam, outrossim, as condições ou circunstâncias de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.
[20] Lei 7.170, de 14.12.1983- LSN, art. 30 - Compete à Justiça Militar processar e julgar os crimes previstos nesta Lei, com observância das normas estabelecidas no Código de Processo Penal Militar, no que não colidirem com disposição desta Lei, ressalvada a competência originária do Supremo Tribunal Federal nos casos previstos na Constituição. Parágrafo único - A ação penal é pública, promovendo-a o Ministério Público.
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