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  • Fernando Galvão

Atribuição dos membros do Ministério Público para a investigação dos novos crimes militares

A ampliação do conceito de crime militar em tempo de paz produzida pela Lei 13.491, publicada em 16 de outubro de2017, ao alterar a redação do inciso II do art. 9º do Código Penal Militar, desafia as instituições do sistema de persecução penal a se adaptarem à nova realidade.


Para os fins de prevenção e repressão ao crime militar, ressalta em importância a atuação do Ministério Público. E, no Estado de Minas Gerais, o Ministério Público já tomou iniciativa relevante para a manutenção das garantias que deve oferecer ao cidadão.


Para a melhor compreensão da medida tomada pela Câmara de Procuradores de Justiça do Ministério Público mineiro é necessário fazer um esclarecimento prévio.


No âmbito estadual, não há uniformidade na organização judiciária do segmento especializado da Justiça Militar e isso importa em diversidade na organização do Ministério Público. Segundo o § 3º do art. 125 da Constituição da República,


Art. 125. ...

...

§ 3º. A lei estadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar estadual, constituída, em primeiro grau, pelos juízes de direito e pelos Conselhos de Justiça e, em segundo grau, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo militar seja superior a vinte mil integrantes. Com base em tal dispositivo, três estados da federação


Amparado em tal dispositivo, no Estado de Minas Gerais existe uma Justiça Militar autônoma em relação à Justiça Comum, que apresenta órgão jurisdicionais de primeiro (Auditorias Militares) e de segundo grau (Tribunal de Justiça Militar). Os magistrados da Justiça Militar, embora pertençam ao Poder Judiciário do Estado de Minas Gerais, não integram o mesmo quadro de magistrados da Justiça Comum. Por isso, somente podem atuar no âmbito restrito da Justiça Militar.


A organização do Ministério Publico do Estado de Minas Gerais, entretanto, é diferente. Não há um segmento do Ministério Publico especializado militar com autonomia, de modo que os Promotores de Justiça que atuam nas Auditorias e o Procurador de Justiça que atua perante o Tribunal de Justiça Militar integram o único quadro de membros do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Isto significa que um Promotor de Justiça que hoje atua na Promotoria vinculada às Auditorias da Justiça Militar pode se remover para uma outra Promotoria ou ser promovido ao cargo de Procurador de Justiça e, em ambos os casos, passar a atuar na Justiça Comum.


Nesse contexto, a ampliação do conceito de crime militar repercuti diretamente nas atribuições conferidas aos membros do Ministério Público. Se a atribuição para investigar os crimes militares ficar restrita aos Promotores de Justiça que atuam na Promotoria vinculada às Auditorias Militares, haverá um esvaziamento das atribuições dos demais Promotores que atuam no estado, com sérios prejuízos para o atendimento da população e para a persecução criminal. O estado de Minas Gerais possui 853 (oitocentos e cinquenta e três) municípios e 321 (trezentos e vinte e uma) comarcas (1). A Justiça Militar possui uma única sede, situada na cidade de Belo Horizonte.


Os crimes militares, em especial os que ofendem diretamente as pessoas, desafiam uma resposta rápida e eficiente do estado. Para tanto, importa que o Ministério Público acompanhe cada caso de perto, pelo Promotor de Justiça da comarca.


Em acertada decisão liminar da Câmara de Procuradores de Justiça (2), proferida pelo brilhante e combativo Procurador de Justiça Dr. Afonso Henrique de Miranda Teixeira, em 22 de março de 2018, foram preservadas as atribuições dos Promotores de Justiça que atuam em todo o estado de Minas Gerais no controle externo das atividades policiais, inclusive no que diz respeito à instauração de procedimentos investigatórios criminais e à sua conclusão.


A importante decisão também preserva a atribuição dos Promotores que atuam perante as Auditorias Militares, que os únicos órgãos jurisdicionais com competência especializada para o processo e julgamento das acusações relativas à pratica de crimes militares. Conforme a decisão da Câmara de Procuradores, embora a competência especializada esteja conferida apenas aos órgãos jurisdicionais situados na cidade de Belo Horizonte, o atendimento à população e a investigação preliminar dos crimes militares continuará a ser feito pelo Ministério Público em todo o Estado de Minas Gerais.


A decisão liminar acolhe proposta formulada pelo Procurador-Geral de Justiça, que regula a matéria nos seguintes termos:


Art. 1º Cabe ao Promotor de Justiça atuante em cada comarca, na forma dos atos regulamentares vigentes, o exercício de todas as atividades concernentes ao controle externo das atividades policiais, civil e militar, inclusive a instauração de procedimentos investigatórios criminais e sua conclusão, bem como o acompanhamento de inquéritos policiais e outros procedimentos administrativos similares que versem sobre infrações penais cometidas por militares no exercício de suas funções.


§ 1º Ao final da instrução pré-processual, o membro do Parquet firmará seu convencimento, promovendo o arquivamento ou oferecendo denúncia, sendo o procedimento, com a respectiva peça processual, encaminhado ao Juízo da Auditoria Militar para a distribuição pertinente.


§ 2º Em se tratando de infrações penais de menor potencial ofensivo, o órgão de execução deverá encaminhar a peça de transação penal/suspensão condicional do processo e a denúncia, para a hipótese de não aceitação do envolvido.


§ 3º Na hipótese do parágrafo anterior, o encaminhamento da denúncia com cota explicativa, deverá ser considerado pelo membro oficiante, sendo distribuída a exordial apenas se não aceita a proposta de transação.


Art. 2º Após o recebimento, pelo Juízo da Auditoria Militar, do procedimento e das peças jurídicas mencionadas no artigo anterior, a atuação processual na fase de conhecimento, na interposição e na manifestação em eventuais recursos será de atribuição dos Promotores de Justiça da 9ª Promotoria de Justiça da Comarca da Capital, com atuação junto àquele órgão jurisdicional.


Art. 3º A 18ª Promotoria de Justiça da Comarca de Belo Horizonte, no que concerne ao controle externo da atividade policial e defesa dos direitos humanos, além do exercício das atividades pré-processuais elencadas no art. 1º desta Resolução, também acompanhará os inquéritos policiais, processos judiciais, procedimentos investigatórios criminais e outros procedimentos administrativos similares junto ao Juízo da Auditoria Militar, ao Juizado Especial Criminal e ao Juízo das Varas Criminais da Capital, incluindo participação em audiências e prolação de manifestações processuais respectivas.


O acerto da decisão é evidente. Espera-se que a medida tomada no âmbito do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, que preserva as atribuições de garantia do cidadão conferida aos membros do Ministério Público, se reproduza nos estados que apresentem as mesmas características de Minas Gerais.



NOTA


1 - Conforme o anexo II a que se refere o § 2º – do art. 3º da Lei Complementar nº 59, de 2001, consolidado com as alterações promovidas pelos arts. 52 e 53 da Lei Complementar nº 105, de 2008.


2 - A publicação da decisão pode ser acessada no Diário Oficial Eletrônico do Ministério Público do Estado de Minas Gerais - DOMP/MG, p. 09-11. (aqui)

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