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A Marinha, o uso de celular em organização militar e as prerrogativas do advogado no exercício da profissão

Jorge Cesar de Assis

A guisa de introdução ao tema em discussão


Recentemente ganhou repercussão nacional no cenário jurídico, o caso de um Advogado[1] que foi preso no Comando do 1º Distrito Naval da Marinha, localizado na Zona Portuária do Rio de Janeiro, no final da tarde da segunda-feira, 13 de janeiro. Em linhas gerais, a acusação contra ele refere-se ao desrespeito à regra interna da Marinha que proíbe o uso de celulares em suas dependências. Enquanto protocolava um documento relacionado à defesa de um cliente (portanto no exercício de sua atividade profissional), o Advogado teria discutido com dois agentes e utilizou o celular para filmar a situação, ato que foi considerado crime pela autoridade militar, em violação aos artigos, 301[2] (por não interromper a filmagem após advertido) e 147[3] (pela filmagem em si da instalação militar), todos do Código Penal Militar. No vídeo, publicado em sua rede social, que conta com 7,7 mil seguidores, o advogado afirmou que suas prerrogativas estavam sendo violadas, ocorrendo então a pronta intervenção da Comissão de Prerrogativas da OAB/RJ no local, com acalorada discussão em defesa do Advogado preso que foi autuado em flagrante e apresentado de imediato para audiência de custódia onde a pedido do Ministério Público Militar, foi concedida liberdade provisória ao Advogado[4].


A repercussão deste caso pode ser medida, inclusive, pelo fato de ter sido interposto, simultaneamente à prisão, um pedido de habeas corpus em favor do Advogado, pelo Conselheiro Distrital de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos[5].

           

Tanto o Auto de prisão em flagrante lavrado pela Marinha Brasileira como o pedido de habeas corpus interposto em favor do Advogado pelo Conselheiro Distrital de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, foram autuados sob número 7000046-70.2025.7.01.0001, correntes perante a 3ª Auditoria da 1ª Circunscrição Judiciária Militar (3ª Aud/1ª CJM) e constam como em segredo de justiça, permitindo-se questionar, de plano, como fez o Superior Tribunal de Justiça se a ação penal no Brasil, em regra, é pública ou sigilosa? A resposta mais simples é citar o princípio da publicidade dos atos processuais, previsto no artigo 5º, inciso LX, da Constituição Federal, segundo o qual a restrição ao caráter público dos processos só é justificável para proteção da intimidade ou em prol do interesse social.  Entretanto, o dia a dia forense mostra que, na verdade, existem tantas ações criminais em tramitação sob segredo de justiça que a exceção, às vezes, pode soar como regra.[6]

           

Em relação ao pedido de habeas corpus, o Juiz Federal da 3ª Aud/1ªdeixou de decidi-lo por considerar que o Magistrado já havia proferido decisão nos autos do APF e não verificou qualquer ilegalidade, e assim, considerando ter passado à condição de autoridade coatora, passando a competência a ser do Superior Tribunal Militar - STM, para onde, declinando, enviou o writ[7].


Por sua vez, no STM, autuado o HC sob número 7000021-87.2025.7.00.0000[8], o Presidente em Exercício[9] negou o pedido de liminar para que fosse determinado o trancamento da ação penal, inaudita altera pars em face de flagrante ilegalidade feito pelo Conselheiro Distrital de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos. A negativa com relação à liminar fundou-se no fato de que tendo sido o Advogado preso em 13 de janeiro, por volta das 18 horas, foi-lhe concedida liberdade provisória no dia seguinte, inexistindo, portanto, ameaça à liberdade do paciente e, também pelo fato de que o pedido foi destinado ao trancamento de ação penal que sequer havia sido iniciada. O processo seguiu, então, ao seu relator.

           

Outros dois pontos importantes de repercussão nacional somam-se a este caso:

           

O primeiro deles, foi a RECOMENDAÇÃO Nº 7766171 - DPGU/DNDH/1DRDH RJ[10], oriunda da Defensoria Pública da União-DPU e dirigida à Marinha do Brasil, datada de 31.01.2025, e assinada pelo Defensor Regional dos Direitos Humanos. Tal Recomendação, decorreu de denúncias, segundo as quais a Marinha tem adotado práticas para o recolhimento obrigatório de aparelhos eletrônicos, como celulares, tablets e notebooks, antes da realização de atos formais do processo militar, impedindo a gravação de audiências públicas e outros atos administrativos nas Organizações Militares.


Segundo a DPU, impedidos de portarem seus aparelhos durante os atos, os advogados também ficam impossibilitados de registrar eventuais abusos que, corriqueiramente, acontecem no âmbito dessas audiências. A partir de sucessivos eventos que importaram em violações cometidas contra advogados, foi criada a Confraria do Direito Militar, integrada por profissionais de diversas partes do país que atuam em processos militares, no âmbito dos quais já vivenciaram situações de restrições e proibições arbitrárias que colidem com as prerrogativas da advocacia.


E que além do recolhimento de celulares e da proibição de gravações, também já foram registrados episódios de intimidações diretas aos patronos. Dentre as denúncias já formalizadas por integrantes desse grupo, o que estaria a revelar práticas reiteradas por parte de agentes militares da Marinha do Brasil, que violam frontalmente as prerrogativas da advocacia, previstas na Lei nº 8.906/1994, além de regras e garantias processuais, como o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa e a transparência de atos públicos.


Em sua Recomendação, a Defensoria Pública da União recomenda à Marinha do Brasil que observe o seguinte:


1. Promova o adequado treinamento e conscientização de seus agentes acerca das prerrogativas da advocacia, em respeito à função essencial à administração da Justiça exercida pelos advogados (artigo 133, CRFB/1988);

2. Abstenha-se de recolher aparelhos eletrônicos pessoais, portados por advogados em exercício funcional, no âmbito de audiências administrativas e disciplinares;

3. Não crie empecilhos aos advogados que desejem gravar os atos públicos praticados nestas audiências, compreendendo que tal prática não viola o artigo 147 do CPM, uma vez que os enquadramentos das filmagens sejam feitos nas salas em que ocorre a instrução dos procedimentos administrativos.


Por fim, a DPU ressaltou que a RECOMENDAÇÃO busca solucionar a demanda sem judicialização, e baseia-se na orientação de solução extrajudicial dos litígios, nos termos do art. 4º, II, da Lei Complementar n° 80/1994[11].


Já o segundo ponto de repercussão a ser destacado, foi a instauração, pela Procuradoria da Justiça Militar do Rio de Janeiro, de inquérito civil público[12] destinado, em síntese:


1) Apurar, prevenir e circunstancialmente coibir a eventual violação das prerrogativas funcionais garantidas aos membros do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Advocacia Pública e da Advocacia, supostamente cometida pelos órgãos da Marinha do Brasil dispostos nas áreas sob atribuição da Procuradoria de Justiça Militar do Rio de Janeiro, sob o pretenso fundamento de se cumprir o ato normativo DGMM 540, da Marinha do Brasil;

2) Exercer, de modo difuso, na forma do art. 129, inciso VII, CF c/c art. 4º, inciso I, da Resolução nº 279/2023 do Conselho Nacional do Ministério Público, o controle externo da atividade policial em face de órgãos de Polícia Judiciária Militar que não observarem as prerrogativas de classe outorgadas pelas respectivas leis orgânicas das descritas carreiras;

3) À luz dos paradigmas de consensualidade e consequencialismo erigidos pela reforma que a Lei nº 13.655/2018 realizou na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, e consideradas as reais dificuldades dos gestores públicos na execução de políticas que garantam a segurança da informação no âmbito dos órgãos navais que estejam em área sob atribuição da PJM-RJ (art. 22 da LINDB),iniciar as tratativas que permitam uma eventual pactuação de Termo de Ajustamento de Conduta entre o MPM e a União, contemplando as demais instituições que demonstrem interesse em fazer parte de tal negócio jurídico, com fundamento no art. 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/85, c/c arts. 1º e 2º da Res. 179/2017/CNMP.


A determinação de instauração de inquérito civil pelo Ministério Público Militar foi precedida de judiciosos considerando da ilustre Promotora de Justiça que preside o feito, valendo destacar, dentre outros, que o art. 127 da Constituição da República incumbe ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis; que o direito de petição é um direito fundamental, insculpido pelo art. 5º, inciso XXXIV, da CF, que envolve a possibilidade de se apresentar reclamações dirigidas às autoridades competentes, para a defesa de direitos ou contra ilegalidades; que é ônus do administrado, via de regra, comprovar os fatos que constituem o seu direito; que o direito à produção de prova é derivado da dimensão substancial do contraditório, sendo, assim, também um direito fundamental, que permite que se alcance uma tutela justa, seja no plano administrativo, seja no jurisdicional; que o registro audiovisual em dispositivos móveis (celulares, tablets e afins) constitui prova digital, que pode, eventualmente, ser empregada em requerimentos administrativos ou judiciais; que atos administrativos são presumivelmente legítimos e verídicos, de modo que, muitas vezes, a prova digital é o único meio de se contrapor um fato controverso praticado pela administração pública; que a Advocacia é Função Essencial à Justiça e ao regime democrático, na forma do art. 133 da CF; que, no plano normativo, o Estatuto da OAB, no § 1º do art. 2º, enuncia que "no seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social"; que no § 2º do 2º da Lei nº 8906/96, previu-se que "no processo administrativo, o advogado contribui com a postulação de decisão favorável ao seu constituinte, e os seus atos constituem múnus público"; que o fato de a Advocacia ser alçada à esfera de múnus público conferiu aos causídicos um campo expressivo de prerrogativas, previstas, em regra, pelo art. 7º da Lei nº 8.906/94, dentre as quais, para os fins da presente Portaria, menciona-se: 1) a inviolabilidades dos seus instrumentos de trabalho , dentre os quais inserem-se os smartphones de tais profissionais (inciso II); 2 ) examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital (inciso XIV); que o art. 15 do CPC abre a aplicação do CPC à esfera dos processos administrativos; que o art. 369 do CPC prevê o direito geral à produção de prova; que, na forma dos §§ 5º e 6º do art. 367 do CPC, após a integração realizada pelo art. 15 daquele diploma, permite-se o registro em imagem das audiências administrativas, independentemente de prévia autorização judicial, e assim por diante. O inteiro teor da Portaria de instauração do inquérito civil pode ser consultado no Diário Oficial da União.


Registre-se a instauração de inquérito civil público destinado principalmente, a apurar, prevenir e circunstancialmente coibir a eventual violação das prerrogativas funcionais garantidas aos membros do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Advocacia Pública e da Advocacia [Funções essenciais à Justiça], supostamente cometida pelo órgãos da Marinha do Brasil reveste-se da maior importância constitucional do Parquet das Armas, sendo legítima sua atuação nesta seara, que já foi reconhecida e pacificada em face da combativa atuação da Procuradoria da Justiça Militar em Santa Maria – RS, saindo do campo restrito do processo penal militar para navegar no amplo espaço da defesa dos direitos constitucionais nas áreas sob administração militar, principalmente no período compreendido entre 2007 e 2014[13].


Desta forma, a análise a ser feita passará pelos seguintes pontos: a (in)existência de norma da Marinha regulando o uso de celulares em suas organizações e sua compatibilidade com a Constituição Federal e a Lei; a possibilidade de adequação típica da conduta em tese delituosa do Advogado aos tipos dos artigos 147 e 301 do Código Penal Militar; o direito de peticionar do Advogado e suas prerrogativas; a efetiva atuação do juiz de garantias quando do conhecimento dos fatos; a competência para julgamento do pedido de habeas corpus impetrado e; eventual responsabilidade da autoridade militar que determinou a prisão do causídico.

 

A (in)existência de norma da marinha regulando o uso de celulares em suas organizações e sua compatibilidade com a constituição federal e com a lei

           

Ao que parece, salvo engano para o qual desde logo nos penitenciamos, a norma que regula inclusive o uso de celulares nas instalações da Marinha Brasileira é a DGMM-0540 - NORMAS DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO DA MARINHA[14], diploma normativo inclusive referenciado na Portaria do MPM que determinou a instauração de inquérito civil.

           

Pois bem, um rápido passeio pela DGMM-0540, em específico ao seu Capítulo 12, que tem por finalidade  tratar da SEGURANÇA APLICADA AOS DISPOSITIVOS MÓVEIS E TELEFONES CELULARES, e por propósito (12.1) disciplinar a utilização de dispositivos móveis pessoais e funcionais do tipo dispositivo periférico de armazenamento e dispositivo móvel inteligente (“smartphone”, “tablets”, telefones celulares com recursos de câmera e gravador, e “smartwatch”), bem como as facilidades provenientes de suas plataformas de operação pelos servidores civis e militares da Marinha do Brasil (MB). Ainda nesse item, conclui que com base em todos estes recursos, torna-se fundamental regular seu uso e aplicabilidade na Marinha pelos servidores civis e militares da MB assim como seus prestadores de serviços. Não é difícil de constatar que o regramento inicial se dirige aos servidores civis e militares da Marinha e aos prestadores de serviço para a Força Naval.

           

A normativa da MB classifica os dispositivos móveis como pessoais, funcionais ou de pessoal extra-MB. Os dispositivos pessoais são aqueles de propriedade de membro da MB. Os dispositivos funcionais são aqueles de propriedade da MB. Os dispositivos de pessoal extra-MB são aqueles de propriedade de pessoas não vinculadas à MB (12.4.1). Ao mesmo tempo estabelece regramento no sentido de que os militares e servidores civis das OM devem guardar seus dispositivos móveis pessoais nos locais ou compartimentos definidos pelo Titular da OM por meio de Ordem Interna (12.4.1.1). E, que todo dispositivo móvel funcional deverá ser cadastrado e controlado pela OM, por meio do Termo de Recebimento de Estação de Trabalho (TRE), garantindo sua identificação única, bem como os responsáveis pelo seu uso. Para tanto, deverá ser gerado um TRE específico para cada usuário (ou usuários, no caso de dispositivos compartilhados), para cada dispositivo móvel funcional (12.4.1.2.). Já em relação aos dispositivos móveis de propriedade de pessoal extra-MB, ou seja, para pessoal não vinculado à MB, fica vedado o uso de dispositivos móveis nas dependências das OM, exceto em situações especiais como cerimônias militares, simpósios e eventos similares. Tais procedimentos devem estar previstos em Ordem Interna e em Ordem de Serviço. Para funcionários terceirizados serão considerados os procedimentos preconizados no item que trata de Dispositivos móveis pessoais (12.4.1.3.).

           

Em que pese a aparente vedação de uso de celular ao pessoal extra-MB, uma simples olhada no item 12.4.2 demonstra que a proibição não é absoluta, mesmo que a utilização de dispositivos móveis a bordo das OM da Marinha seja em princípio, proibida. Não obstante, cabe ao Titular da OM avaliar qualquer circunstância que fuja a esta regra, levando em consideração o local, período ou situação que justifique sua permissão de uso. Tais exceções devem ser registradas por meio de Ordem Interna ou Ordem de Serviço onde devem constar: a) as pessoas autorizadas a utilizar tais dispositivos; b) os dispositivos autorizados (número de série); c) os locais e compartimentos de utilização dos dispositivos; d) a finalidade de uso dos dispositivos; o horário. Ou seja, há que haver bom senso, já que uma normativa da autoridade militar não pode se sobrepor às prerrogativas estabelecidas pela Constituição e pela Lei.

               

Inobstante o contido no item 12.4.2, o item 12.4.4 - OM que lidam com atendimento ao público, afasta qualquer dúvida. Com efeito, ali está escrito de forma cristalina que nas OM que lidam com atendimento ao público, as restrições ao uso de dispositivos móveis não devem impactar no cumprimento de sua missão. Por isso, nessas OM, o uso destes dispositivos é permitido. Entretanto, caberá ao Titular da OM realizar uma criteriosa análise para identificação das áreas e compartimentos onde seu uso será proibido a fim de evitar o vazamento de informações sigilosas e sensíveis aos interesses da MB. Tais locais deverão receber avisos nas suas portas de acesso que os identifique como áreas de uso proibido. As proibições devem ser registradas por meio de Ordem Interna ou de Ordem de Serviço. Relembro que, segundo consta, o Advogado foi ao 1º Distrito Naval protocolar um documento de interesse de um seu cliente, no legítimo exercício de sua profissão.

           

Ora, constou da petição de Habeas Corpus interposto pelo Conselheiro Distrital de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos perante a Justiça Militar, que o prédio em questão, que atualmente abriga o Comando do 1º Distrito Naval, possui inegável relevância histórica e cultural, cuja divulgação das instalações é de autorização do IPHAN. Construído entre 1750 e 1754 pelo Abade do Mosteiro de São Bento, Frei D. Antônio de S. Bernardo, a edificação foi erguida com pedras que chegam a pesar meia tonelada e possui paredes de 1,60 metro de espessura. Originalmente utilizado como o "Armazém do Sal", foi adquirido em 1825 pelo Governo para abrigar oficinas do Arsenal de Marinha. No local, foram construídos navios encouraçados e monitores que desempenharam papel estratégico na Guerra do Paraguai, forçando e vencendo passagens fortificadas, como Humaitá. A partir de 1946, após a transferência do Arsenal para a Ilha das Cobras, o prédio passou a abrigar diversas organizações subordinadas ao Ministério da Marinha. Desde 1998, tornou-se a sede do Comando do 1º Distrito Naval. O local é reconhecido como patrimônio histórico, não apenas por sua arquitetura imponente e resistência estrutural, mas também por sua relevância no contexto histórico-militar do Brasil. A preservação de elementos como o "Cais da Bandeira", o jambeiro que embeleza a frente do edifício e as reminiscências de trilhos de bondes do século XIX reforçam sua importância como marco histórico e cultural no Centro do Rio de Janeiro. Na ocasião dos fatos, o paciente buscava protocolar documento em defesa de interesses legítimos de um cliente, tendo encontrado resistência por parte da Administração Pública, que recusou o recebimento do requerimento. Não buscava acessar informações sigilosas de segurança que colocassem em risco a Força Naval.

           

Pode-se concluir então, salvo melhor juízo, que as NORMAS DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO DA MARINHA - DGMM-0540 traduzem-se em um documento válido para que a Administração Militar, exercendo seu poder de polícia, regule a circulação, entrada, e mesmo uso de dispositivos eletrônicos móveis em suas dependências compartimentadas pelo grau de segurança que exijam, mas não tem o condão de afastar prerrogativas dos Advogados, Defensores Públicos e Membros do Ministério Público, que são garantidas pela Constituição e pela Lei.

 

Possibilidade de adequação típica da conduta em tese delituosa do advogado aos tipos dos artigos 147 e 301 do código penal militar

           

Conforme anotado alhures, a bem da verdade, o tipo penal do art. 147[15] torna criminoso o simples fato de desenhar locais sob administração militar, veículos, aeronave ou navio, ou ainda o engenho de guerra, que estejam sendo utilizados ou em construção. Ou fotografá-los ou filmá-los. Parece faltar uma circunstância importante na descrição do crime, já que não se refere a nenhum especial fim de agir. Como estamos tratando de crimes contra a segurança externa do país, é de supor-se que seja a ofensa a este bem jurídico o móvel do crime. A norma penal militar refere-se igualmente ao ato de “levantar” plano ou planta dos bens militares já referidos ao início do parágrafo. O verbo levantar, também pode significar arrecadar, ou mesmo obter, de alguma forma, a planta, desenho, fotografia ou filme capaz de gerar perigo para a segurança externa[16]

           

A questão de filmagem em área militar, se bem que em julgamento de apelação por outra tipificação – art. 302 do CPM, ingresso clandestino, já foi analisada pelo STM, quando de processo decorrente de prisão de civis, youtubers, filmando uma área militar com a utilização de um drone, como se pode ver do voto vencido do Min. Francisco Joseli Parente Camelo, revisor:


            (...) No tocante às imagens captadas pelo drone, a nobre representante do Parquet das Armas sustentou que a conduta dos agentes não se subsumiu ao tipo previsto no art. 147 do CPM (desenho ou levantamento de plano ou planta de local militar ou de engenho de guerra), na oportunidade na qual apresentou as Alegações Escritas na APM nº 7000378-47.2019.7.01.0001 (evento 177), da qual se extrai o fragmento a seguir:

            [...] O objetivo da filmagem, por estar demonstrado, livra os réus da imputação de outro delito, ainda mais grave, o do art. 147 do CPM, pois, a nosso ver, o bem jurídico por ele tutelado, qual seja, a segurança externa do país, não chegou a sofrer ofensa com o tipo de imagens produzidas, que se limitaram ao local próprio para os acampamentos de adestramento de tropa (fl. 1, evento 57, APF 7000096-09.2019.7.01.0001), muito embora tal local seja área militar, considerada sensível por dar acesso a todas as unidades de empaiolamento de munição do Depósito Central de Munição e na qual não se pode ingressar, conforme indicado na placa já referida.

Desse modo, as imagens captadas pelo drone limitaram-se à Área X-4, onde os apelantes investigavam a ocorrência de eventos paranormais, não sendo constatado qualquer prejuízo ao sigilo inerente às instalações e aos equipamentos, utilizados ou em construção, sob a Administração Militar. O aperfeiçoamento do tipo penal emoldurado no art. 302 do Código Penal Militar pressupõe a clandestinidade. Entretanto, a referida elementar do crime não se configurou, uma vez que o veículo automotivo utilizado pelos apelantes, um GM Blazer, cor vermelha, no momento dos fatos, estacionado às margens da rodovia RJ-127, visível para qualquer condutor, foi facilmente identificado pelo Tenente RLSO, o que afasta a furtividade da conduta ora em apreço”(STM, APELAÇÃO Nº 7001299-36.2019.7.00.0000 RELATORA: MINISTRA MARIA ELIZABETH GUIMARÃES TEIXEIRA ROCHA REVISOR: MINISTRO FRANCISCO JOSELI PARENTE CAMELO, julgado em sessão virtual de 22 a 25 de junho de 2020) .


O excerto do voto vencido é trazido à colação para demonstrar que, se o fato de filmagem de local sob administração militar, com o uso de um drone não configurou o delito do art. 147 do Código Penal Militar, parece óbvio que o vídeo postado pelo Advogado nas redes sociais [auto filmagem], em momento algum afetou a “segurança externa do país” [Livro I, Título I].


Da mesma forma parece não ter se consumado o delito do art. 301 do CPM[17], pois a “ordem desobedecida”, prevista no tipo penal é a “ordem legal”, ou seja, fundada na norma legal e assim, não se pode ter por válida a ordem que se contrapõe à garantia constitucional da Advocacia[18], do direito de peticionar perante as repartições públicas[19], e principalmente quando se sabe ser crime a violação das prerrogativas[20], veladas e defendidas pela Ordem dos Advogados do Brasil[21].


A forma encontrada pelo Advogado [auto filmagem na frente da OM -não de plano ou planta de fortificação, quartel, fábrica, arsenal, hangar ou aeródromo, ou de navio, aeronave ou engenho de guerra motomecanizado] para protestar contra a proibição de uso de celular na repartição da Marinha onde conforme foi noticiado teria ido protocolar um documento [e pretendia gravar esse ato] pode até não ser a melhor possível, mas ao que consta deu-se em resposta à atitude tomada pelos militares que o atenderam inicialmente dentro da Organização Militar. Ademais, conforme constou dos considerando da Portaria do Ministério Público Militar que determinou a instauração de inquérito civil público, o registro audiovisual em dispositivos móveis (celulares, tablets e afins) constitui prova digital, que pode, eventualmente, ser empregada em requerimentos administrativos ou judiciais, visto que os atos administrativos são presumivelmente legítimos e verídicos, de modo que, muitas vezes, a prova digital é o único meio de se contrapor um fato controverso praticado pela Administração Pública. Mesmo porque, a Administração Pública [incluída a Militar] rege-se pelos princípios constitucionais do art. 37: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.


Assim, ao que consta não houve a consumação do crime do art. 147 do CPM [que é crime contra a segurança externa do país], muito menos do art. 301, já que a desobediência pressupõe o não acatamento de uma ordem legal, que a toda evidência não pode ser aquela que viole prerrogativas no exercício legítimo da profissão. Não se perca de vista, que nos exatos termos do art. 5º,   inciso II, da Cara Magna,  ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Mesmo porque, nos termos do art. 9º, III, do Código Penal Militar, o civil somente comete crime quando houver ofensa às instituições militares ou à segurança externa do país, ofensa em princípio inexistente no caso concreto[22].

 

O direito de peticionar do advogado e suas prerrogativas

           

Partimos da premissa de que o direito de petição é um direito fundamental, insculpido pelo art. 5º, inciso XXXIV, da CF, que envolve a possibilidade de se apresentar reclamações dirigidas às autoridades competentes, para a defesa de direitos ou contra ilegalidades.

               

Não se perca de vista que o art. 6º, da Lei 9.784/1.999, prevê no parágrafo único de seu art. 6º, que é vedada à Administração a recusa imotivada de recebimento de documentos, devendo o servidor orientar o interessado quanto ao suprimento de eventuais falhas. E nem se diga que dita lei, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal não se aplica aos processos administrativos militares porque o art. 69 da lei[23] garante sua aplicação analógica – e fundada no bom senso, como aliás a aplicação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, que ela inaugurou em seu art. 2º[24].


Exatamente por isso torna-se desnecessário maiores ilações, sendo suficiente repisar os dispositivos que garantem ao causídico uma atuação efetiva no exercício de sua nobre profissão e que fundamentam, inclusive, a portaria instauradora do Inquérito Civil Público pelo MPM antes referido.


Ou seja, a Advocacia é Função Essencial à Justiça e ao regime democrático, na forma do art. 133 da CF,  aliado ao fato de a Advocacia ser alçada à esfera de múnus público conferindo aos causídicos um campo expressivo de prerrogativas, previstas, em regra, pelo art. 7º da Lei nº 8.906/94, dentre as quais, menciona-se a inviolabilidades dos seus instrumentos de trabalho, dentre os quais inserem-se os smartphones de tais profissionais (inciso II); o examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital (inciso XIV); que o art. 15 do CPC abre a aplicação do CPC à esfera dos processos administrativos; que o art. 369 do CPC prevê o direito geral à produção de prova  na forma dos §§ 5º e 6º do art. 367 do CPC, após a integração realizada pelo art. 15 daquele diploma, permite-se o registro em imagem das audiências administrativas, independentemente de prévia autorização judicial e; que, por isso, os artigos 369 e 367, §§ 5º e 6º do CPC, somam-se às já descritas prerrogativas garantidas à Advocacia.

 

A efetiva atuação do juiz de garantias quando do conhecimento dos fatos – competência para julgar o pedido de habeas corpus impetrado

           

Um ponto deveras importante neste caso foi trazido pelo combativo Conselheiro Distrital de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos quando da impetração do pedido de habeas corpus e favor do Advogado. Naquela oportunidade, o Conselheiro Distrital dirigiu o pedido de HC ao “Juiz das Garantias da Justiça Militar da União”. Este, tendo em vista já ter concedido liberdade ao preso considerou-se autoridade coatora, remetendo o feito ao Superior Tribunal Militar. O Conselheiro Distrital apresentou petição complementar ao STM aduzindo que o Superior Tribunal Militar não possui competência para deliberar sobre o conflito entre sua jurisdição e a do Juiz das Garantias, considerando que este não está subordinado ao STM, mas à estrutura da Justiça Militar de Primeira Instância, e requerendo fosse o HC remetido ao Superior Tribunal de Justiça, nos termos do art. 105, inciso I, alínea “d”, da Constituição Federal[25], para solução do conflito de competência, sendo que o feito, denegado pedido de liminar, aguarda julgamento de mérito[26].

           

Uma resposta adequada enseja algumas considerações sobre a figura do Juiz das Garantias.


Conforme anotado em outro espaço[27], primeiramente lembrar com João Pedro HOFFERT, que debruçando-se sobre a questão dos modelos, assinalou que em relação à aplicação do juiz das garantias no âmbito da justiça militar, é de se ressaltar que o tema não é pacífico. Por um lado, poder-se-ia defender que, como o juiz das garantias está previsto no CPP e não no Código de Processo Penal Militar (CPPM), teria havido um silêncio eloquente do legislador.


Todavia, ele lembrou que o STF, ao analisar a constitucionalidade do juiz das garantias, expressamente elencou as exceções da aplicação deste instituto, não indicando a Justiça Militar [“não aplicação da nova sistemática aos processos de competência originária dos tribunais, do Tribunal do Júri, de violência doméstica/familiar e de competência da Justiça Eleitoral”], o que sinaliza poder-se aplicar o juiz das garantias na Justiça Militar também pelo fato constituir um avanço no tocante à garantia dos princípios fundamentais do contraditório e da ampla defesa, lembrando, inclusive Rodrigo Foureaux, para quem, ainda que não haja alteração no CPPM, é possível aplicar regras introduzidas no CPP sempre que decorram da observância de direitos fundamentais e não uma mera alteração processual, sem impactos para a defesa[28].


O ilustre magistrado mineiro apontou ainda que, para a implementação do juiz das garantias, será necessário revisar as normas de organização judiciária locais, considerando que, nos termos do art. 3º-F do CPP e da decisão do STF nas ADIs nsº 6298, 6299, 6300 e 6305, caberá a cada tribunal disciplinar a implementação do juiz das garantias. Assim, no âmbito da Justiça Militar da União, a Lei nº 8.457/92 precisará ser modificada, enquanto que no âmbito da Justiça Militar dos Estados, cada norma estadual deverá ser alterada, seja por iniciativa dos próprios Tribunais de Justiça Militares nos estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, seja por iniciativa dos Tribunais de Justiça da justiça comum, nos demais casos[29].


Pois bem, nos termos do § 1º do art. 2º, da Resolução CNJ nº562, de 03 de junho de 2024, os tribunais poderão adotar os modelos descritos nos artigos 4º e 5º da Resolução[30], entre outros possíveis, resguardando-se os objetivos e limites impostos pela Lei nº 13.964/2019.


Conforme anotou  Marcos Luiz Nery Filho, o caminho a ser percorrido para a efetiva implementação do Juiz das Garantias no Brasil ainda é árduo, tendo como entraves a serem enfrentados a indispensável alteração da legislação que dispõe sobre a divisão e organização judiciária de todos os tribunais do país, assim como a questão financeira dela decorrente – maiores custos inclusive com a criação de novos cargos de magistrados e servidores – já que o orçamento dos tribunais se insere dentro da lei orçamentária de cada ente federativo e é aprovado pelo Poder Legislativo.


Tudo isso deve ser feito com a obediência às garantias e vedações constitucionais asseguradas aos juízes (art. 95), e ao respeito aos princípios insculpidos no Estatuto da Magistratura, lei complementar de iniciativa do STF, dirigida ao Poder Judiciário brasileiro como um todo (art.93).


Nery Filho apontou que em relação à Justiça Militar, verifica-se que apenas os Tribunais de Justiça Militar dos Estados de São Paulo e Minas Gerais implementaram seus modelos, o TJMSP, que possui 6 auditorias, optou pelo da especialização[31], tendo o juízo das garantias fixado na 5ª Auditoria e, o TJMMG, que tem 5 auditorias o pelo critério da dupla distribuição aleatória[32] dos feitos [uma auditoria seria a de garantia e a outra responsável pela instrução, ou de forma cruzada entre as auditorias ou em uma segunda distribuição para as demais auditorias, com a exclusão da que atuou como juiz de garantias].


E que no Tribunal de Justiça Militar do Estado do Rio Grande do Sul e no Superior Tribunal Militar, estudos nesse sentido seguem acelerado, o mesmo acontece nos demais Estados e no Distrito Federal, sendo importante destacar que tanto o Supremo Tribunal Federal no julgamento das ADIs referidas, como o Conselho Nacional de Justiça estabeleceram um prazo de 12 (doze) meses – ainda não vencido, prorrogável por mais 12 (doze) para a instalação do Juiz das Garantias.


Pois bem, o fato de ainda não estar implementado o Juiz das Garantias na Justiça Militar da União não impede que o modelo acusatório de processo penal seja desde logo aplicado na Justiça Castrense com a necessária adequação, dando-se obediência ao que já foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal e normatizado pelo Conselho Nacional de Justiça. Principalmente na 1ª Circunscrição Judiciária Militar onde existem 04 (quatro) auditorias, de modo que o Superior Tribunal Militar pode regulamentar no sentido de que uma delas seja a auditoria de garantias (modelo da especialização como ocorreu com o TJM-São Paulo), ou que uma auditoria seja a de garantias e outra a de instrução (modelo da dupla distribuição aleatória como ocorre no TJM-Minas Gerais).


Feitas estas considerações é possível afirmar que quando da apresentação do pedido de habeas corpus ao Juiz Federal da 3ª Aud/1ª CJM este deveria ter apreciado o pedido de HC, independente do remédio constitucional ter sido apresentado logo após a audiência de custódia. Neste ponto assiste razão ao Conselheiro Distrital já que cristalino que o suprimento dos casos omissos no CPPM, enseja a aplicação do art. 3º-B, do Código de Processo Penal – CPP, quando declara que o juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente: I - receber o auto da prisão em flagrante para o controle da legalidade da prisão, observado o disposto no art. 310 do CPP [devendo relaxá-la imediatamente se considerada ilegal, CF, art. 5º, LXV] e; XII - julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia.  E isso não foi feito, já que também nos termos do art. 30, I-C, da Lei 8.457/1992-LOJMU, compete ao Juiz Federal da Justiça Militar julgar os habeas corpus, habeas data e mandados de segurança contra ato de autoridade militar praticado em razão da ocorrência de crime militar. Ante a inexistência, ainda, de Resolução do STM normatizando o Juiz das Garantias na Justiça Militar da União não poderia, data vênia, o magistrado não conhecer do remédio constitucional, sob fundamento de que não havia mais restrição à liberdade, pois havia a notícia de flagrante ilegalidade com violação das prerrogativas profissionais por parte da autoridade militar; não havia ainda denúncia [mas esta é a fase de atuação privativa do Juiz das Garantias] mas o feito se encontra em andamento na Auditoria Militar, autuado e registrado sob número 7000046-70.2025.7.01.0001 e a ele distribuído inicialmente; não havia mais violência porque concedida liberdade provisória, todavia a coação [ameaça] permanece, seja porque a liberdade é provisória [e não definitiva], seja porque o Advogado continua na condição de indiciado, situação que traz em si um juízo de valor negativo perante a sociedade.


Já em relação ao Superior Tribunal Militar [autuado sem decretação de segredo de justiça é que se diga], para onde foi encaminhado o pedido de habeas corpus, o Min. Presidente em Exercício negou a liminar pretendida [por confundir-se com o próprio mérito da demanda], com base em dois pontos, a saber, a concessão da liberdade provisória e a inexistência – naquele momento de ação penal contra o paciente. 


Data máxima vênia a justificativa não convence. Aliás, em sua r. Decisão, o Min. Presidente em Exercício salientou que a concessão de liminar em habeas corpus é medida excepcional que só se torna factível pela clara demonstração da existência de flagrante ilegalidade por parte da autoridade apontada como coatora, sendo indispensável a presença dos dois requisitos autorizadores da medida cautelar, quais sejam, o periculum in mora e o fumus boni juris.


Mas foi exatamente no STM que essa possibilidade excepcional foi inaugurada. É que, conforme anotado em outro espaço[33], com perspicácia, lembrou o saudoso Ministro Jorge Alberto Romeiro, que “a liminar em habeas corpus, usada, sem lei a respeito, pela jurisprudência de todos os tribunais, foi criação do STM. O professor Heleno Fragoso, quando nos saudou em nome do Conselho Federal da OAB, em cerimônia de nossa posse como ministro do STM, em 12.11.1979, disse ter sido no referido tribunal que por primeira vez em nosso direito, um juiz militar – o Almirante José Espíndola – concedeu liminar em habeas corpus preventivo. Quando mais tarde, o STF atuou no mesmo sentido, em HC concedido a um Governador na iminência de ser deposto, invocou-se o precedente da Justiça Militar. (DJU, Seção I, 30.11.1979, p. 9.004)[34]


A ilegalidade nos pareceu ser fácil de evidenciar, violação das prerrogativas da Advocacia [função essencial à Justiça] e enquadramento penal militar inadmissível, como demonstrados linhas atrás.

           

Eventual responsabilidade da autoridade militar que determinou a prisão do causídico

           

Por fim, um ponto deveras importante que não fora apontado até agora: a verificação da responsabilidade da autoridade militar que determinou a prisão e autuou em flagrante o Advogado carioca.

           

Para tanto, e com a devida vênia porque uma análise com mais propriedade deverá ser feita pelo Ministério Público Militar, em tese ocorreram os seguintes crimes contra o Advogado, divididos em duas etapas:

  

Na primeira delas, de plano, a violação das prerrogativas profissionais, prevista Art. 7º-B, segundo o qual constitui crime violar direito ou prerrogativa de advogado previstos nos incisos II, II, IV e V do caput do art. 7º, desta Lei.


Na segunda etapa da conduta delituosa, foi efetuada a prisão do Advogado e determinado sua prisão em flagrante, caracterizando, uma hipótese de crime de abuso de autoridade, previsto no art. 9º, da Lei 13.869, de 05 de setembro de 2019, decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais, cuja Pena é de detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Ou, quem sabe o art. Art. 27, da lei de abuso de autoridade, requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa.


Por serem momentos distintos, aplica-se a regra do art. 79 do CPPM, concurso material. O delito de abuso de autoridade é crime militar por extensão (art. 9º, II, alínea ‘b’, do CPM).


Jorge Cesar de Assis é Advogado inscrito na OAB=PR, membro aposentado do Ministério Público Militar da União. Integrou o Ministério Público paranaense. Capitão da Reserva Não Remunerada da Polícia Militar do Paraná. Sócio Fundador da Associação Internacional de Justiças Militares – AIJM. Membro correspondente da Academia Mineira de Direito Militar e da Academia de Letras dos Militares do Estado do Paraná. Coordenador da Biblioteca de Estudos de Direito Militar da Editora Juruá. Administrador da página na internet JUS MILITARIS: www.jusmilitaris.com.br


NOTAS

[1] Advogado Adriano Carvalho Rocha, inscrito na OAB-RJ.

[2]  Art. 301. Desobedecer a ordem legal de autoridade militar: Pena - detenção, até seis meses

[3]  Art. 147. Fazer desenho ou levantar plano ou planta de fortificação, quartel, fábrica, arsenal, hangar ou aeródromo, ou de navio, aeronave ou engenho de guerra motomecanizado, utilizados ou em construção sob administração ou fiscalização militar, ou fotografá-los ou filmá-los: Pena - reclusão, até quatro anos, se o fato não constitui crime mais grave.

[4] A propósito, conferir o SITE MIGALHAS, Justiça Militar solta advogado preso por filmagem dentro da Marinha. Disponível em https://www.migalhas.com.br/quentes/423024/justica-militar-solta-advogado-preso-por-filmagem-dentro-da-marinha acesso em 10.02.2025.

[5] Pedido de HC assinado pelo Conselheiro Adolfo Moisés Vieira da Rocha. O Conselho Distrital de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos do Distrito Federal – CDPDDH, instituído pela Lei nº 1.175 de 29 de julho de 1996, alterado pela Lei nº 3.797, de 06 de fevereiro de 2006 é órgão paritário, que goza de plena e absoluta independência funcional e tem por finalidade atuar na proteção, promoção e garantia dos direitos humanos, bem como na fiscalização das políticas dos Direitos Humanos no Distrito Federal.

[6]  Segredo de justiça nas ações penais: o STJ entre o direito à intimidade e o interesse público na informação. Disponível em  https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2024/11082024-Segredo-de-justica-nas-acoes-penais-o-STJ-entre-o-direito-a-intimidade-e-o-interesse-publico-na-informacao.aspx acesso em 09.02.2025.

[7] Decisão datada de 16.01.2025, exarada pelo Juiz Federal Substituto Cláudio Amin Miguel.

[8] STM, Habeas Corpus Criminal nº 7000021-87.2025.7.00.0000, relator Min. Carlos Yuk de Aquino, distribuído por sorteio em 16.01.2025.

[9] Decisão de 17.01.2025, exarada pelo Ministro Presidente em Exercício José Coêlho Ferreira negando a liminar pretendida.

[10]Defensoria Pública da União – Defensor Regional dos Direitos Humanos, RECOMENDAÇÃO Nº 7766171 - DPGU/DNDH/1DRDH RJ, Referência PAJ 2024/016-1498, 31.01.2025, assinada pelo Defensor Público Federal Thales Arcoverde Treiger.

[11] LC 80/1994, art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: (...); II – promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos; (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

[12]PORTARIA Nº 1/PJM/RJ, DE 31 DE JANEIRO DE 2025, assinada pela Promotora de Justiça Militar Eliane Costa Azevedo, publicada no Diário Oficial da União em: 06/02/2025 | Edição: 26 | Seção: 1 | Página: 74.

[13] A propósito, conferir o livro decorrente dessa difícil e nobre atividade, Legitimidade do Ministério Público Militar para a Interposição da Ação Civil Pública, autoria de Jorge César de Assis, Soel Arpini e Dalila Maria Zanchet, Curitiba: Editora Juruá, 2011.

[14] NORMAS DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO DA MARINHA – DGMM-0540, 3ª Revisão, expedida pela Diretoria-Geral do Material da Marinha, 2019.

[15] Desenho ou levantamento de plano ou planta de local militar ou de engenho de guerra Art. 147. Fazer desenho ou levantar plano ou planta de fortificação, quartel, fábrica, arsenal, hangar ou aeródromo, ou de navio, aeronave ou engenho de guerra motomecanizado, utilizados ou em construção sob administração ou fiscalização militar, ou fotografá-los ou filmá-lo.  Pena - reclusão, até quatro anos, se o fato não constitui crime mais grave.

[16] ASSIS. Jorge Cesar de. Comentários ao Código Penal Militar, 12ª edição, Curitiba: Juruá, 2024, p.417.

[17] Desobediência. CPM, art. 301. Desobedecer a ordem legal de autoridade militar:

[18] CF, art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

[19] CF, art. 5º, XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;

[20] EAOAB, art. 7º-B  Constitui crime violar direito ou prerrogativa de advogado previstos nos incisos II, III, IV e V do caput do art. 7º desta Lei: (Incluído pela Lei nº 13.869. de 2019) - Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa (Redação dada pela Lei nº 14.365, de 2022).

[21] EAOAB, art.  61. Compete à Subseção, no âmbito de seu território: (...) II - velar pela dignidade, independência e valorização da advocacia, e fazer valer as prerrogativas do advogado.

[22] STF, Súmula 298: O legislador ordinário só pode sujeitar civis à justiça militar, em tempo de paz, nos crimes contra a segurança externa do país ou as instituições militares.

[23] Lei 9.784/1.999, art. 69. Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei.

[24] Lei 9.784/199, art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

[25] CF, art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - processar e julgar, originariamente: (...) d) os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art. 102, I, "o", bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos.

[26] STM, Habeas Corpus Criminal nº 7000021-87.2025.7.00.0000, relator Min. Carlos Yuk de Aquino, distribuído por sorteio em 16.01.2025.

[27] ASSIS, Jorge Cesar de. Quem recebe o aditamento da denúncia na Justiça Militar? Disponível em MIGALHAS https://www.migalhas.com.br/depeso/424090/quem-recebe-o-aditamento-da-denuncia-na-justica-militar acesso em 11.02.2013

[28] HOFFERT, João Pedro, Juiz das Garantias e Justiça Militar: Modelos para sua implantação, Revista Direito Militar nº 164, março/abril de 2024, pp. 29-30.

[29]  HOFFERT, João Pedro, Juiz das Garantias e Justiça Militar: Modelos para sua implantação .... pp. 31-32.

[30] Art. 4º No caso de comarca ou subseção judiciária com mais de uma vara, o tribunal poderá organizar o instituto do juiz das garantias por: I – especialização, por meio de Vara das Garantias ou de Núcleo ou Central das Garantias; II – regionalização, que envolverá duas ou mais comarcas ou subseções judiciárias; e III – substituição pré-definida entre juízos da mesma comarca ou subseção judiciária. Art. 5º No caso de comarca ou subseção judiciária com vara única, o tribunal poderá organizar o instituto do juiz das garantias por meio de: I – regionalização, que envolverá duas ou mais comarcas ou subseções judiciárias; e II– substituição pré-definida entre comarcas ou subseções contíguas ou próximas com somente uma vara

[31] Resolução TJMSP número 105 de 20 de março de 2024.

[32] Resolução TJMMG número 327, de 27 de agosto de 2024.

[33] ASSIS, Jorge Cesar de. Curso de Direito Disciplinar Militar – da simples transgressão ao processo administrativo, 7ª edição, Curitiba: Juruá, 2024, p. 222.

[34] ROMEIRO, Jorge Alberto. Curso de Direito Penal Militar – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 15-16.

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