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Jorge Cesar de Assis

Um caso a se pensar: a revogação dos arts. 64 e 65 do CPM, e os reflexos nos artigos que previam a pena revogada


Dentre os ajustes procedidos em vários artigos do CPM realizados pela Lei 14.688/2023, merece uma atenção mais cuidadosa a substituição da pena de suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função[1], e a de reforma[2] pela pena de detenção [que é privativa de liberdade]. Isso foi decorrente da revogação dos artigos 64 e 65 do Código Penal Militar, fazendo com que vários crimes militares tivessem sua pena sensivelmente alterada, levando o intérprete a questionar – resguardados os princípios da ultratividade e da irretroatividade da lei penal, qual seria a melhor situação para o réu.


Relembremos por necessário alguns conceitos: posto é o grau hierárquico do oficial (art. 16, § 1º, da Lei 6.880/1980 - Estatuto dos Militares); graduação é o grau hierárquico da praça (art. 16, § 3º, do Estatuto)[3]; cargo militar é um conjunto de atribuições, deveres e responsabilidades cometidos a um militar em serviço ativo, e que se encontra especificado nos Quadros de Efetivo ou Tabelas de Lotação das Forças Armadas (art. 20 e § 1º, do Estatuto)[4]; função militar é o exercício das obrigações inerentes ao cargo militar (art. 23 do Estatuto); reforma é a condição de inatividade em que os militares das Forças Armadas, estão dispensados definitivamente, da prestação de serviço na ativa, mas continuem a perceber remuneração da União (art. 3º, § 1º, alínea b, II, do Estatuto).


Ademais, nos termos do art. 82, inciso XI, do Estatuto dos Militares, o militar das Forças Armadas será agregado quando for afastado temporariamente do serviço ativo, por ter sido condenado à pena de suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função prevista no Código Penal Militar, e sua agregação é contada a partir da data indicada no ato que tornar público o respectivo evento (art. 82, § 2º, do Estatuto). O dispositivo apontado, ao que parece perdeu sentido pois a hipótese específica daquela agregação não mais existe. De um modo geral, o militar agregado ficará adido, para efeito de alterações e remuneração, à organização militar que lhe for designada, continuando a figurar no respectivo registro, sem número, no lugar que até então ocupava (art. 84 do Estatuto).


Existe ainda agregação temporária do desertor (art. 82, VII); do condenado à pena restritiva de liberdade superior a 6 (seis) meses, em sentença transitada em julgado, enquanto durar a execução, excluído o período de sua suspensão condicional, se concedida esta, ou até ser declarado indigno de pertencer às Forças Armadas ou com elas incompatível (art. 82, X).


O quadro abaixo mostra os tipos penais que previam pena de suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função e, cujas penas foram substituídas pela pena de detenção.


Art. 170 - ordem arbitrária de invasão, a pena original era suspensão do exercício do posto, de um a três anos, ou reforma, com a Lei 14.688/2023 passou a ser Detenção de 1 a 2 anos;


Art. 174 – rigor excessivo, a pena original era suspensão do exercício do posto, por dois a seis meses, se o fato não constitui crime mais grave, com a Lei 14.688/2023 passou a ser Detenção de 1 a 2 anos, se o fato não constitui crime mais grave;


Art. 197 – retenção indevida, a pena original era suspensão do exercício do posto, de três a seis meses, se o fato não constitui crime mais grave. Com a Lei 14.688/2023 passou a ser Detenção de 1 a 2 anos, se o fato não constitui crime mais grave;


Art. 198 – omissão de eficiência da força, a pena original era suspensão do exercício do posto, de três meses a um ano, suspensão do exercício do posto, de três meses a um ano. Com a Lei 14.688/2023 passou a ser Detenção de 3 meses a 1 ano;


Art. 201 – omissão de socorro, a pena original era suspensão do exercício do posto, de um a três anos ou reforma. Com a Lei 14.688/2023 passou a ser Detenção, de 1 a 2 anos;


Art. 204 – exercício de comércio por oficial, a pena original era suspensão do exercício do posto, de seis meses a dois anos, ou reforma. Com a Lei 14.688/2023 passou a ser Detenção de 1 a 2 anos;


Art. 266 – modalidades culposas, a pena original era se o crime dos arts. 262, 263, 264 e 265 é culposo, a pena é de detenção de seis meses a dois anos; ou, se o agente é oficial, suspensão do exercício do posto de um a três anos, ou reforma; se resulta lesão corporal ou morte, aplica-se também a pena cominada ao crime culposo contra a pessoa, podendo ainda, se o agente é oficial, ser imposta a pena de reforma Com a Lei 14.688/2023 passou a ser Art. 266. Se o crime dos arts. 262, 263, 264 e 265 deste Código é culposo, a pena é de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e, se dele resulta lesão corporal ou morte, aplica-se também a pena cominada ao crime culposo contra a pessoa.


Importa em verificar qual a natureza das penas revogada e alterada nos dispositivos acima.


O Código Penal Militar, previu originariamente em seu art. 55 o rol das penas principais, a saber:  a) morte; b) reclusão; c) detenção; d) prisão; e) impedimento; f) suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função; g) reforma. As penas previstas nas alíneas ‘f’ e ‘g’ foram revogadas pela Lei 14.688/2023.

           

Cotejando-se com o Código Penal comum, iremos verificar que a previsão das penas [com a redação que lhe deu a Lei 7.209/1984], se encontra no art. 32, que as diz serem privativas de liberdade (I), restritivas de direito (II) e, multa (III). Por sua vez, o    art. 33 assevera que a pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto. A de detenção, em regime semiaberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado. Os §§ 1º e 2º, do art. 33, do CP detalham as regras do regime de cumprimento da pena aplicada.


Conquanto o CPM não tenha previsto tratamento semelhante ao CP, seu art. 59 previu que a pena de reclusão ou de detenção até 2 (dois) anos, aplicada a militar, é convertida em pena de prisão e cumprida, quando não cabível a suspensão condicional[5]:  I - pelo oficial, em recinto de estabelecimento militar; II - pela praça, em estabelecimento penal militar, onde ficará separada de presos que estejam cumprindo pena disciplinar ou pena privativa de liberdade por tempo superior a dois anos.


Conforme já foi dito anteriormente, aspecto relevante e que deve ser mencionado é que o militar, mesmo antes de uma sentença condenatória na Justiça Comum ou na Especializada, é recolhido a estabelecimento prisional militar em três hipóteses: a) por força do artigo 595, alínea “a”, do Código de Processo Penal Militar que dispõe que o militar condenado a pena até dois anos irá cumpri-la em estabelecimento militar; b) por força da Lei 6.880/80, artigo 73, letra “c”, que dispõe que o militar tem a prerrogativa de permanecer preso em estabelecimento militar, em decorrência de prisão provisória mesmo que seja por crime de natureza comum; c) por cumprimento de pena de prisão, em face de transgressão disciplinar[6].


Ora, também não há dúvida que a pena de detenção é da natureza privativa de liberdade, ao passo que a revogada pena de suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função tinha natureza restritiva de direitos[7], à semelhança do que está previsto no Código Penal comum, em seu art.  43, V - interdição temporária de direitos, e especificado no art. 47, I - proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo.

Já a antiga pena criminal de reforma iria encontrar semelhança na pena disciplinar de aposentadoria compulsória dos magistrados (art. 42, V, da LC 35/1979), se bem que os militares também podem sofrer pena disciplinar de reforma, ex vi dos artigos, 16, II, da Lei 5.836/1972[8] se oficial ou; art. 13, IV, do Decreto 71.500/1972[9] se praça especial ou com estabilidade assegurada.

 

A Lei 14.688/2023 e a análise da ultratividade da pena de suspensão ou retroatividade da pena de detenção no caso concreto  


Imaginemos que um oficial tenha sido processado [caso concreto] pelo crime de Exercício de comércio por oficial, previsto no art. 204, do Código Penal Militar[10] e condenado à pena mínima de 6 (seis) meses de suspensão do exercício do posto.


Ele apela para a Superior Instância e, antes do julgamento da apelação veio a lei 14.688/2023, e com ela a alteração da pena do art. 204, que passou a ser de 1 (um) a 2 (dois) anos de detenção. No tribunal, pode ocorrer a absolvição do crime – e aí não há o que discutir. Mas, em se mantendo a condenação, é necessário perquirir qual a pena a ser aplicada, já que tendo sido condenado originariamente a uma pena restritiva de direitos, a mudança legal alterou-a para uma pena privativa de liberdade.


Trata-se da análise da lei penal no tempo e, conforme já dissemos anteriormente[11], é o caso em que a lei posterior, mantendo a ilicitude do fato, de qualquer forma prejudica o agente (novatio legis in pejus). É a hipótese de ocorrência da chamada lex gravior e, por isso mesmo ela não é dotada de retroatividade. A ultratividade da norma penal mais benéfica – sob cuja égide foi praticado o fato delituoso – deve prevalecer por efeito do que prescreve o art. 5º, XL da Constituição, sempre que ocorrendo suspensão de leis penais no tempo, constatar-se que o diploma legislativo anterior se qualificava como estatuto legal mais favorável ao agente[12].


Apontamos, ainda, nos termos do § 2º do art. 2º do Código Penal Militar, para se reconhecer qual a mais favorável, a lei posterior e a anterior, devem ser consideradas separadamente, cada qual no conjunto de suas normas aplicáveis ao fato.


E que, para Alexandre Saraiva, nem sempre é tarefa fácil aferir qual das normas em conflito é realmente a mais benigna e, por conseguinte, deve ser a aplicada. Destarte, é certo que a lei mais benigna deve ser determinada em face do caso concreto. O juiz deve considerar qual seria o resultado, aplicando hipoteticamente uma e outra destas, tal qual dispõe o art. 2º, § 2º, do CPM, vedada, portanto, a conjugação de normas tão habitualmente defendida e aplicada no direito penal comum[13].


Mostramos ser esta também é a opinião de Guilherme de Souza Nucci, para quem o Código Penal Militar trata com esmero esse assunto, optando pela linha correta no entendimento do autor. No confronto entre duas leis, não se deve combiná-las, mas extrair, pelo seu conjunto individual, qual é a mais favorável ao réu. Houve expressa opção por este caminho pela lei militar, diversamente do que ocorreu no tocante ao Código Penal comum[14].


Esta aplicação, no entanto, sugere, forçosamente que se indague da fase em que se encontra o processo.


Se a condenação já transitou em julgado, a aplicação da lei posterior compete ao juiz da execução, estando inclusive sumulada a questão[15].


Vejam que tratando-se de crime militar a execução da sentença e os incidentes de sua execução devem ser resolvidos pelo juiz federal da justiça militar (juiz de direito) da Auditoria, por onde correu o processo, ou nos casos de competência originária do Superior Tribunal Militar, pelo seu Presidente[16].


Porém, se o processo ainda está em andamento, dependendo da fase em que se encontra, caberá ao juiz ou ao tribunal a aplicação da lei nova mais benéfica.


Para Celso Delmanto, há casos em que a opção entre a lei nova e a velha só pode ser decidida por uma apreciação subjetiva e não objetiva. Em tais hipóteses, pode-se e deve-se aceitar que o próprio réu, por intermédio do seu defensor, aponte qual das duas leis aplicáveis lhe parece ser a mais favorável[17].


O professor Cícero Coimbra, comentando a Lei 14.688/2023 com a perspicácia que lhe é peculiar, aduz que a pena privativa de liberdade, em tese, é mais gravosa que a pena restritiva de direitos de suspensão de exercício do posto, o que permitiria, no que se refere ao direito intertemporal, sustentar a ultratividade da lei penal militar em relação à redação pós reforma de 2023. O bem jurídico “liberdade”, ao menos em abstrato em uma análise fria da Constituição Federal, possui grandeza maior que o exercício do posto e de suas prerrogativas. 


Todavia, na análise de uma situação prática, evidentemente, a aplicação do direito ao caso concreto pode trazer outros elementos que influenciarão na aferição da situação mais benéfica, como por exemplo, o fato de a suspensão privar o condenado de vencimentos, em razão da agregação decorrente, a não contagem de tempo de serviço, que pode influenciar na promoção, o não cabimento de sursis, o maior cômputo prescricional diante da aplicação da pena concreta, que na matriz antiga da lei para a pena de suspensão seria de 4 anos etc."[18]


Esta análise prática diante do caso concreto, implica em definir quais são os efeitos administrativos que são aplicados aos militares das Forças Armadas e Forças Auxiliares, que foram condenados por pena privativa de liberdade e à pena de suspensão do exercício do posto ou graduação, cargo ou função, especificamente em relação ao tempo de serviço, agregação ou suspensão da remuneração durante o tempo de cumprimento da pena.


Esta análise já foi feita pelo Advogado e jurista Diógenes Gomes Vieira em 2015, e, em que pese ser anterior à alteração promovida pela Lei 14.688/2023, os ensinamentos nela contida são perfeitamente válidos, razão pela qual, pede-se vênia para sua transcrição com as devidas referências de atualizações quando necessárias:

 

CONSIDERAÇÕES INICIAIS


Inicialmente, entendo oportuno destacar que, diferentemente da punição disciplinar de suspensão com prejuízo da remuneração a que estão submetidos os servidores públicos federais civis subordinados à Lei nº 8.112/90, na Lei nº 6.880/80 não há qualquer previsão de que o militar punido com “suspensão do exercício funcional”, seja por punição disciplinar ou pena criminal sem exclusão da ativa, possa sofrer prejuízos na sua remuneração. Lembrando-se que há penas disciplinares restritivas de liberdade em que o militar permanece fazendo serviço, ou seja, cumprindo seu expediente, e penas com restrição total da liberdade, conhecidas como “sem fazer serviço”.


O RDAER (Regulamento Disciplinar da Aeronáutica), por exemplo, prevê que o militar poderá cumprir, no máximo, 30 (trinta) dias contínuos de detenção ou prisão disciplinar, e nem por isso, as Forças Armadas deixam de remunerar este militar, pois não há previsão normativa.


Nem a Constituição Federal de 1988 e nem o Código Penal Militar, especialmente seus arts. 98 (penas acessórias) e 109 (efeitos da condenação), preveem que militares sofrerão prejuízos nas remunerações quando condenados nas penas criminais em discussão.


O militar que, após condenação penal transitada em julgado, não for excluído automaticamente (art. 102 do CPM: praças) da Força Armada; ou se for oficial[19], após decisão definitiva do STM em sede de Conselho de Justificação, não perder o posto e a patente (arts. 99 e 100 do CPM), mesmo cumprindo pena privativa de liberdade, continuará na condição jurídica de militar da ativa com vínculo “empregatício” estatutário. E da mesma forma ocorre com o militar que cumpre pena de suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função. Porém, em ambos os casos, os militares nestas situações especiais permanecerão afastados do serviço ativo por imposição estatutária, conforme será devidamente explanado a seguir.


A questão a ser respondida nesta consultoria é informar quais são os efeitos administrativos oriundos dessas penas criminais principais e, em especial, concluir se estes militares receberão ou não suas remunerações durante o período do cumprimento das respectivas penas.


EFEITOS ADMINISTRATIVOS DA REMUNERAÇÃO, DA AGREGAÇÃO E DO TEMPO DE SERVIÇO


A letra “d” do art. 50 da Lei nº 6.880/80[20] informa o seguinte:

 

Art. 50. São direitos dos militares:

(...)

d) a percepção de remuneração;

(...)

 

Refletindo-se sobre esta alínea, pode-se, a princípio, afirmar que caso o legislador tivesse a intenção de suspender a remuneração do militar enquanto estivesse cumprindo pena privativa de liberdade ou de suspensão do exercício funcional, teria feito ressalvas no corpo do texto desta alínea. Todavia, não havendo ressalvas no referido dispositivo castrense, faz-se necessário procurar alguma exceção no decorrer das normas desta lei e de outras correlacionadas.


Porém, antes, temos os incisos X e XI do art. 82 da Lei nº 6.880/80 que preveem a agregação do militar que estiver cumprindo estas penas, então vejamos:


 Art. 82. O militar será agregado quando for afastado temporariamente do serviço ativo (grifei) por motivo de:

(...)

X - ter sido condenado à pena restritiva de liberdade superior a 6 (seis) meses, em sentença transitada em julgado, enquanto durar a execução, excluído o período de sua suspensão condicional, se concedida esta, ou até ser declarado indigno de pertencer às Forças Armadas ou com elas incompatível;

XI - ter sido condenado à pena de suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função prevista no Código Penal Militar;

(...)

           

Já o art. 84 da mesma lei prevê o seguinte:


Art. 84. O militar agregado ficará adido, para efeito de alterações e remuneração, à organização militar que lhe for designada, continuando a figurar no respectivo registro, sem número, no lugar que até então ocupava.

           

A princípio, poder-se-ia afirmar que o militar incluso nos incisos acima transcritos, continuariam a receber remuneração normalmente com base no art. 84. Entretanto, isso não é possível, pois nem todos os militares agregados[21] com suporte no art. 82 recebem remuneração, como é o caso do militar em licença para tratar de interesse particular[22] (inciso III).

           

Assim, em virtude do teor do caput do seu art. 53[23], faz-se necessário verificar se há alguma ressalva à letra “d” do art. 50 da Lei nº 6.880/80, e para isso é obrigatório a análise da Medida Provisória nº 2.215-10/2001 que trata da remuneração dos militares.

           

O art. 6º desta MP elenca as situações em que haverá a suspensão temporária do direito de o militar receber sua remuneração, então vejamos:


Art. 6º  Suspende-se temporariamente o direito do militar à remuneração (grifei) quando:

I - em licença para tratar de interesse particular;

II - na situação de desertor; ou

III - agregado, para exercer atividades estranhas às Forças Armadas, estiver em cargo, emprego ou função pública temporária não eletiva, ainda que na Administração Pública Federal indireta, respeitado o direito de opção pela remuneração correspondente ao posto ou graduação.

Parágrafo único.  O militar que usar do direito de opção pela remuneração faz jus à representação mensal do cargo, emprego ou função pública temporária.

           

A interpretação hermenêutica a ser realizada em relação a este artigo é restritiva e não ampliativa, sob pena de vício de legalidade, logo, pode-se afirmar que não há previsão legal de suspensão da remuneração do militar que estiver cumprindo pena privativa de liberdade ou pena de suspensão do exercício “funcional”.

           

Quanto ao tempo de serviço, haverá a suspensão de sua contagem durante o cumprimento destas penas em decorrência de previsão estatutária: alíneas “d” e “e” do § 4º do art. 137[24] da Lei nº 6.880/80.


DA TRANSFERÊNCIA PARA A RESERVA REMUNERADA E DA PROMOÇÃO NA CARREIRA

           

O militar em cumprimento da pena privativa de liberdade ou da pena de suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função não poderá ser transferido para a reserva remunerada a pedido, somente sendo possível após o cumprimento da respectiva pena ou, ainda, ex officio.

           

Este impedimento está previsto na letra “b” do art. 97 da Lei nº 6.880/80:


Art. 97. A transferência para a reserva remunerada, a pedido, será concedida mediante requerimento, ao militar que contar, no mínimo, 30 (trinta) anos de serviço.[25]

(...)

§ 4º Não será concedida transferência para a reserva remunerada, a pedido, ao militar que:

a) estiver respondendo a inquérito ou processo em qualquer jurisdição; e

b) estiver cumprindo pena de qualquer natureza (grifei)[26].

           

Em relação à promoção na carreira, existem proibições de ingresso no quadro de acesso, podendo-se destacar as letras “g” e “i” do art. 35[27] da Lei nº 5.821/72 (Promoções de Oficiais da Ativa das Forças Armadas).


Conclusão

           

A condenação do militar com aplicação da pena privativa de liberdade ou da pena de suspensão do posto, graduação, cargo ou função vai interferir, significativamente, na carreira deste militar. Entretanto o pagamento mensal da remuneração não sofrerá prejuízo, logo, pode-se afirmar que é inconstitucional e ilegal a suspensão do pagamento mensal da remuneração do militar das Forças Armadas durante o cumprimento destas penas principais, haja vista não haver previsão constitucional e nem legal, conforme fundamentação”.[28]

 

Da conclusão sobre a alteração legal procedida aplicada ao caso concreto

           

Após o que foi exposto anteriormente – e sempre ressalvado entendimento contrário e de todo respeitado, a revogação de penas na Parte Geral e sua consequente substituição por outra modalidade na Parte Especial do Código Penal Militar, é tema de lei penal no tempo e, no caso em que a lei posterior, mantendo a ilicitude do fato, de qualquer forma prejudica o agente (novatio legis in pejus), insere-se na hipótese de ocorrência da chamada lex gravior e, por isso mesmo ela não é dotada de retroatividade.

           

No confronto entre duas leis, não se deve combiná-las, mas extrair, pelo seu conjunto individual, qual é a mais favorável ao réu.


Se a condenação já transitou em julgado, a aplicação da lei posterior compete ao juiz da execução, a teor da Súmula 611, do Supremo Tribunal Federal.


Tratando-se de crime militar a execução da sentença e os incidentes de sua execução devem ser resolvidos pelo juiz federal da justiça militar (juiz de direito) da Auditoria, por onde correu o processo, ou nos casos de competência originária do Superior Tribunal Militar, pelo seu Presidente [arts. 588 e 590, do CPPM].


Porém, se o processo ainda está em andamento, dependendo da fase em que se encontra, caberá ao juiz de primeiro grau ou ao tribunal a aplicação da lei nova mais benéfica, sendo de todo aceitável que o próprio réu se manifeste nesse sentido.


No exemplo trazido para o artigo - condenação de oficial em primeiro grau pelo crime do art. 204 do CPM, a uma pena de 6 (seis) meses de suspensão do exercício do posto, em que subindo a apelação à Superior Instância, ocorreu a alteração da Lei 14.688/2023, mantendo íntegro o tipo penal, mas alterando a pena que era restritiva de direitos para privativa de liberdade (detenção de 1 a 2 anos), deve ser considerado o seguinte:


- existe a possibilidade de o réu ser absolvido pelo tribunal, e nesse caso descabe qualquer consideração;


- em sendo mantida a condenação, em princípio a lei nova não deve retroagir posto que mais severa que a anterior, a privação da liberdade é mais grave que a restrição de um direito, mesmo porque em primeiro grau o réu foi condenado a 6 (seis) meses de suspensão, carecendo de sentido aceitar-se que a pena possa ser substituída por um lapso temporal dobrado, 01 ano de detenção;


- em nenhuma hipótese haverá interrupção do recebimento da remuneração, que é direito do militar. As restrições em relação à contagem de tempo de serviço e ao Quadro de Acesso de promoção haveriam em qualquer uma das situações, mas seriam mais graves na pena de detenção, a qual, mesmo que fixada no seu mínimo, implicaria um lapso temporal dobrado em relação à antiga suspensão do exercício do posto.


- o Réu, por seu Defensor, sempre pode opinar nesse caso, se verificada alguma vantagem pessoal na substituição, e a opção pela retroação da lei nova se torna personalíssima.


Jorge Cesar de Assis é Advogado inscrito na OAB-PR. Membro aposentado do Ministério Público Militar da União. Integrou o Ministério Público paranaense. Oficial da reserva não remunerada da Polícia Militar do Paraná. Sócio - Fundador da Associação Internacional de Justiças Militares - AIJM. Membro correspondente da Academia Mineira de Direito Militar e da Academia de Letras dos Militares Estaduais do Paraná - ALMEPAR. Coordenador da Biblioteca de Estudos de Direito Militar da Editora Juruá. Administrador do site www.jusmilitaris.com.br .


NOTAS


[1]  Art. 64. A pena de suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função consiste na agregação, no afastamento, no licenciamento ou na disponibilidade do condenado, pelo tempo fixado na sentença, sem prejuízo do seu comparecimento regular à sede do serviço. Não será contado como tempo de serviço, para qualquer efeito, o do cumprimento da pena.     (Revogado pela Lei nº 14.688, de 2023)  Caso de reserva, reforma ou aposentadoria     (Revogado pela Lei nº 14.688, de 2023)   Parágrafo único. Se o condenado, quando proferida a sentença, já estiver na reserva, ou reformado ou aposentado, a pena prevista neste artigo será convertida em pena de detenção, de três meses a um ano.

[2]  Art. 65. A pena de reforma sujeita o condenado à situação de inatividade, não podendo perceber mais de um vinte e cinco avos do soldo, por ano de serviço, nem receber importância superior à do soldo.     (Revogado pela Lei nº 14.688, de 2023).

[3] Conceito semelhante de posto e graduação tem o art. 23, da Lei 1.943, de 05 de julho de 1.954 – Código da Polícia Militar do Paraná.

[4] Vide art. 304, alínea ‘g’, da Lei 1.943, de 05 de julho de 1.954 – Código da Polícia Militar do Paraná.

[6] ASSIS, Jorge Cesar de; LAMAS, Cláudia Rocha. A Execução da sentença na Justiça Militar, 3ª edição, revista e atualizada, Curitiba: Juruá, 2011, p. 57.

[7] A Lei 9.714, de 25 de novembro de 1998, alterou dispositivos do Código Penal para instituir as penas restritivas de diretos.

[8] Dispõe sobre o processo do Conselho de Justificação e dá outras providências.

[9] Dispõe sobre o processo do Conselho de Disciplina e dá outras providências.

[10]  Exercício de comércio por oficial Art. 204. Comerciar o oficial da ativa, ou tomar parte na administração ou gerência de sociedade comercial, ou dela ser sócio ou participar, exceto como acionista ou cotista em sociedade anônima, ou por cotas de responsabilidade limitada

[11] ASSIS, Comentários ao Código Penal Militar, 11ª edição, Curitiba: Juruá, 2022, pp. 81-83.

[12] STF, 2ª T., HC 79.571-4, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 26.10.1999.

[13] SARAIVA, Alexandre J. B. L. Comentários à Parte Geral do Código Penal Militar. Fortaleza: ABC, 2007. p. 18.

[14] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Militar Comentado. p. 26-27.

[15] STF, Súmula 611: “transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação da lei mais benigna”.

[16] Vide arts. 588 e 590, do Código de Processo Penal Militar.

[17] DELMANTO, Celso. Código Penal Anotado. São Paulo: _____, 1986. p. 6.

[18] NEVES, Cícero Robson Coimbra, referindo-se à alteração do art. 170 do CPM. Direito Penal Militar: Comentários à Lei n. 14.688/2023, São Paulo: Jus Podivm [no prelo].

[19] Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. (...) § 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998) (...) VI - o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998) VII - o oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento previsto no inciso anterior; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

[20] Atualmente, art. 50, inciso IV (redação dada pela Lei 13.954/2019), letra ‘d’.

[21]  Art. 80. Agregação é a situação na qual o militar da ativa deixa de ocupar vaga na escala hierárquica de seu Corpo, Quadro, Arma ou Serviço, nela permanecendo sem número.

[22]  Art. 69. Licença para tratar de interesse particular é a autorização para o afastamento total do serviço, concedida ao militar, com mais de 10 (dez) anos de efetivo serviço, que a requeira com aquela finalidade. Parágrafo único. A licença de que trata este artigo será sempre concedida com prejuízo da remuneração e da contagem de tempo de efetivo serviço, exceto, quanto a este último, para fins de indicação para a quota compulsória.

[23] Art. 53.  A remuneração dos militares será estabelecida em legislação específica, comum às Forças Armadas.

[24] Art. 137. Anos de serviço é a expressão que designa o tempo de efetivo serviço a que se refere o artigo anterior, com os seguintes acréscimos: (...) § 4º Não é computável para efeito algum, salvo para fins de indicação para a quota compulsória, o tempo: (...) d) decorrido em cumprimento de pena de suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função por sentença transitada em julgado; e e) decorrido em cumprimento de pena restritiva da liberdade, por sentença transitada em julgado, desde que não tenha sido concedida suspensão condicional de pena, quando, então, o tempo correspondente ao período da pena será computado apenas para fins de indicação para a quota compulsória e o que dele exceder, para todos os efeitos, caso as condições estipuladas na sentença não o impeçam.

[25] Nota: art. 97. A transferência para a reserva remunerada, a pedido, será concedida, por meio de requerimento, ao militar de carreira que contar, no mínimo, 35 (trinta e cinco) anos de serviço, dos quais: (Redação dada pela Lei nº 13.954, de 2019)

[26][26] Nota: o § 4º, e suas alíneas ‘a’ e ‘b’, do art. 97 do Estatuto foram revogados pela Lei 13.954, de 2019.

[27] Art 35. O oficial não poderá constar de qualquer Quadro de Acesso e Lista de Escolha quando: (...); g) for condenado, enquanto durar o cumprimento da pena, inclusive no caso de suspensão condicional da pena, não se computando o tempo acrescido à pena original para fins de sua suspensão condicional; (...); i) for condenado à pena de suspensão do exercício do posto, cargo ou função prevista no Código Penal Militar, durante o prazo dessa suspensão; (...)

[28] Parecer do Advogado especialista em Direito Militar DIÓGENES GOMES VIEIRA, datado em 19 de outubro de 2015, em Camaçari/BA. Enviado ao autor do artigo por mensagem eletrônica em 19 de outubro de 2015.

 

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