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  • Marcos Luiz Nery Filho

Aplicabilidade do juiz das garantias no Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais: o critério da dupla distribuição automática

1. Introdução

 

Nos primórdios da justiça brasileira, os juízes assumiam uma postura inquisitória com amplos poderes de investigação. No entanto, em 1871, com a efetiva separação entre as funções, trazida pela Lei 2.033, uma nova realidade se instalou no judiciário brasileiro.


Implementou-se o inquérito policial e a divisão estrutural que vige até a atualidade. Impende destacar que, apesar do juiz não mais participar ativamente das investigações, ainda lhe são permitidos certos poderes que são próprios de sistema inquisitorial, como exemplo (art. 156, I, do CPP) a determinação, de ofício, da produção antecipada de provas.


Entretanto, o pacote anticrime promoveu uma verdadeira virada linguística no sistema processual e a instituição do juiz das garantias mudou sensivelmente a atual estrutura do judiciário. Agora tem-se um juiz que não tem competência para o julgamento da causa e que atua eminentemente na fase investigatória (ANDRADE, 2020).


A figura do juiz das garantias não atua na instrução e julgamento, sob pena de nulidade absoluta. A lei determina que o juiz, ao atuar na fase de investigação, se torna impedido de  se manifestar  na  fase  processual. Assim, hoje, competirá aos Tribunais a tarefa homérica de criar um sistema de rodízio de magistrados e adequá-lo à realidade dos tribunais brasileiros.


A principal função é de zelar pela legalidade da investigação e garantir o cumprimento dos direitos fundamentais do acusado. Nesse contexto, após as alterações do Código de Processo Penal, o Supremo Tribunal Federal (STF), nas ADINs 6298, 6299, 6300, 6305, reconheceu a constitucionalidade do juiz das garantias e que os Tribunais devem implementá-lo em até dois anos.


Inicialmente, nesse artigo, será explanada a importância do juiz de garantias no sistema judiciário brasileiro, em seguida a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o tema - ADIs 6298, 6299, 6300, 6305. No quarto tópico esmiuçaremos os desafios dos Tribunais brasileiros para concretizar o juiz das garantias, e por derradeiro traremos propostas para implementação do juiz das garantias na Justiça Militar Estadual de Minas Gerais com a apresentação do critério da dupla distribuição automática, e as conclusões do trabalho.

 

2. A importância do juiz das garantias no sistema judiciário brasileiro.

 

A base teórica para a criação do juiz das garantias é evitar que, o magistrado seja influenciado quando da análise dos requisitos de medidas cautelares, por exemplo, em sua posterior sentença. Assim, a legislação processual penal atual exige que diferentes juízes atuem em uma demanda, um para a fase de investigação e outro para a fase processual. (LOPES JR, 2021).


Outrossim, nos termos da nova lei, o juiz das garantias, tem como função controle da legalidade da investigação criminal e vigilância dos direitos individuais do investigado. De acordo com o Código de Processo Penal, o juiz das garantias possui as seguintes funções:

 

Art. 3º-B. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente

I - receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do caput do art. 5º da Constituição Federal

II - receber o auto da prisão em flagrante para o controle da legalidade da prisão, observado o disposto no art. 310 deste Código

III - zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido à sua presença, a qualquer tempo

IV - ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal

V - decidir sobre o requerimento de prisão provisória ou outra medida cautelar, observado o disposto no § 1º deste artigo

VI - prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las, assegurado, no primeiro caso, o exercício do contraditório em audiência pública e oral, na forma do disposto neste Código ou em legislação especial pertinente

VII - decidir sobre o requerimento de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa em audiência pública e oral

VIII - prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em vista das razões apresentadas pela autoridade policial e observado o disposto no § 2º deste artigo

IX - determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento

X - requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação;     

XI - decidir sobre os requerimentos de:    

a) interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática ou de outras formas de comunicação;     

b) afastamento dos sigilos fiscal, bancário, de dados e telefônico

c) busca e apreensão domiciliar

d) acesso a informações sigilosas;    

e) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado;    

XII - julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia

XIII - determinar a instauração de incidente de insanidade mental;    

XIV - decidir sobre o recebimento da denúncia ou queixa, nos termos do art. 399 deste Código

XV - assegurar prontamente, quando se fizer necessário, o direito outorgado ao investigado e ao seu defensor de acesso a todos os elementos informativos e provas produzidos no âmbito da investigação criminal, salvo no que concerne, estritamente, às diligências em andamento

XVI - deferir pedido de admissão de assistente técnico para acompanhar a produção da perícia

XVII - decidir sobre a homologação de acordo de não persecução penal ou os de colaboração premiada, quando formalizados durante a investigação

XVIII - outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste artigo

 

Dessa forma, a separação de funções é extremamente importante para a garantia da imparcialidade do juiz. O juiz da instrução não deve imiscuir-se na investigação (NÓBREGA, 2020).


Ao juiz das garantias imputa-se um novo papel, o de garantidor dos direitos fundamentais do acusado, de controle da legalidade da prisão, controle de legalidade da investigação, análise de medidas cautelares, juízo de admissibilidade da acusação. O papel do juiz que atua no inquérito policial não é de investigador, mas de garantidor, não atua como parte não se intromete nas funções da polícia, mas é um protetor dos direitos fundamentais (ARAÚJO, 2012).


O magistrado deve realizar uma análise minuciosa dos autos de inquérito policial, visando a legitimidade e os pressupostos para concessão de cautelares por exemplo. A separação das funções judicantes no inquérito policial e na instrução processual penal é adotada na justiça alienígena com grande êxito como Portugal e Chile (SILVEIRA, 2009).


Nas lições de Giacomolli, a opção legislativa brasileira se resolve em opção política, inserido num modelo democrático, com base na Constituição Federal e nos tratados internacionais.


Portanto, o ordenamento jurídico precisava se adequar aos diplomas internacionais e a carta constitucional brasileira, inserindo o juiz das garantias ao seu diploma processual penal e incorporando novas garantias processuais penais aos investigados.

 

3. Decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o tema - ADIS 6298, 6299, 6300, 6305.

 

Após a alteração do Código Processo Penal pelo pacote anticrime, foram interpostas no Supremo Tribunal Federal as ações diretas de inconstitucionalidade (ADI's: 6298, 6299, 6300 e 6305) questionando a constitucionalidade de vários artigos.


O Ministro Luiz Fux suspendeu a validade dos artigos confrontados e, em 24.08.2023, o Tribunal Pleno dirimiu o conflito e decidiu que: quanto ao sistema acusatório quando a lei permitir o juiz poderá promover diligências suplementares que influenciem no julgamento de mérito.


Declarou o STF constitucional o Juiz das garantias, com prazo de 12 meses para ser implantado com uma possibilidade de prorrogação de mais 12 meses e atribuiu interpretação no sentido de que todos os atos do Ministério Público na investigação penal, sejam submetidos ao controle do judiciário.


Após a decisão do Pleno do STF, o juiz poderá deixar de fazer a audiência na produção antecipada de provas, quando houver risco para o processo; ainda determinou que a competência do Juiz das garantias termina com o oferecimento da denúnciaapesar da lei determinar que cessa com o recebimento. Também, determinou a realização da audiência de custódia no prazo de 24 horas, salvo, impossibilidade fática, e que, excepcionalmente poderá ser realizada por videoconferência.


 Ademais, ainda quanto ao Juiz das garantias tema desse artigo, o STF entendeu que não se aplica o instituto nos seguintes casos: (I) competência originárias de tribunais; (II) tribunal do júri; (III) violência doméstica e familiar; (IV) infrações de menor potencial ofensivo.


Os autos devem ser remetidos ao Juiz da instrução, não ficando acautelados na secretaria do Juízo, conforme determina o Código de Processo Penal. Atribuiu interpretação ao parágrafo único, para compatibilizar informações com a mídia sobre o preso, sem ferir sua dignidade.


O promotor de justiça ao decidir pelo arquivamento, tem o dever de comunicar a vítima e o delegado de polícia. Ao magistrado cabe analisar esse arquivamento.


Verifica-se que são regras de direito processual, as modificações realizadas pelo pacote anticrime, e portanto, terão efeitos imediatos após sua implantação.

 

4. Os desafios dos Tribunais brasileiros para concretizar o juiz das garantias.

 

 Dentre os desafios que o judiciário terá que enfrentar para aplicar a inovação legislativa, cita-se os seguintes: escassez de recursos humanos e materiais, risco na imparcialidade do juiz ao se aproximar da polícia judiciária, contaminação subjetiva nas instâncias recursais e cessação da competência do juiz das garantias com o recebimento da ação penal (Após a decisão do STF com o oferecimento).


Impende trabalhar um pouco de cada uma dessas questões nesse tópico em razão de suas particularidades e importância. Quanto aos recursos financeiros, parte da doutrina considera que o juiz das garantias impactará o judiciário com gastos excessivos na contratação de novos juízes. Sustentam, ainda, que o juiz das garantias deixará o judiciário mais moroso (FREITAS, 2019).


Em reportagem para o jornal “O Antagonista”, o Ministro Luiz Fux afirmou que o Estado de São Paulo gastará, aproximadamente, 40 milhões de reais por ano para a implementação do juízo das garantias (O ANTAGONISTA, 2023)


No mesmo sentido, a AMB estimou que o custo para a introdução do juiz das garantias será de mais de 1 bilhão de reais por ano no Brasil. (UOL, 2021)


Além da questão financeira, como compatibilizar a imparcialidade congênita do juiz das garantias com a existência de comarcas de vara única espalhadas pelo Brasil?


 No sudeste brasileiro, o Estado de Minas Gerais, por exemplo, possui diversas comarcas com vara única. Nesse caso, poderia até se adotar como solução convocar o juiz de outra comarca próxima para exercer a função de juiz das garantias, mas isso custará tempo e recursos financeiros, o que gera o seguinte problema: quando esse juiz das garantias se ausentar, como ficarão esses processos?


Além disso, quando o juiz que atuou no inquérito policial fica impedido de atuar na instrução, como encontrar uma solução para a realização de substituição ou designação com um número escasso de magistrados (REALE JR.,   2011). Vale ressaltar, que segundo um estudo publicado pela Revista Conjur, desde 2020, vem crescendo exponencialmente o número de juízes que têm abandonado a carreira. (CONJUR, 2021)


Estudos pormenorizados também estão sendo realizados pelo Judiciário para resolver essas questões apresentadas. As deficiências estruturais e financeiras precisarão ser resolvidas urgentemente já que os tribunais possuem prazo para a instauração do novo procedimento, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal.


Em outro giro, a aproximação do juiz das garantias com o órgão de investigação é situação suscitada na doutrina. Esse perene contato, pode ocasionar problemas na imparcialidade do magistrado, o que para alguns doutrinadores poderia ser resolvido com a limitação temporal da atuação do juiz nessa atividade (REALE JR., 2011).


Outra situação conflituosa seria a do juiz das garantias nos tribunais, quanto a esse fato temos a lição de GOMES (2010, p. 105):

 

Quanto aos tribunais recursais deve-se evitar que o juiz que tomou conhecimento dos fatos por meio do juízo de admissibilidade de cautelares e elementos prévios do processo, venha a julgar o mérito posteriormente como desembargador.

 

Uma solução para esse caso de acordo com (ANDRADE, 2011) seria designar desembargadores e ministros das garantias nos tribunais em segundo grau. Por fim, percebe-se que muitos são os questionamento e enfrentamentos que os tribunais enfrentaram para se estruturar o instituto do juiz das garantias no Brasil. No próximo tópico selecionamos algumas propostas para a Justiça Militar Estadual de Minas Gerais.

 

 5. Propostas para implementação do juiz das garantias na Justiça Militar Estadual de Minas Gerais.

 

 Inicialmente, necessário o seguinte questionamento: Aplica-se o juiz das garantias na Justiça Militar? Para fundamentarmos essa resposta precisamos salientar que essa Justiça tem Código de Processo Penal próprio.


O legislador esqueceu o Código de Processo Penal Militar em suas alterações legislativas por diversas vezes, e não foi diferente no caso estudado.


A Lei 13.964/2019, foi omissa quanto a Justiça Militar.


No entanto, o jurisdicionado da Justiça Militar com algumas ressalvas, possui os mesmos direitos do jurisdicionado da Justiça Comum. O artigo 03ª, ‘a’, do CPPM, prevê que em razão da omissão do Processo Penal Militar, deve-se aplicar a Justiça Comum.

 

Art. 3º Os casos omissos neste Código serão supridos:

a) pela legislação de processo penal comum, quando aplicável ao caso concreto e sem prejuízo da índole do processo penal militar.

 

Além disso, o entendimento do julgamento do HC 127.900, pela aplicação da norma processual penal militar em harmonia com a Constituição Federal juntamente com a Convenção Interamericana de Direitos Humanos vem reforçar a tese da aplicabilidade do juiz das garantias.


Deve-se observar, a linha do voto do Ministro Edson Fachin no HC 127900/AM, ao decidir que:

 

o interrogatório deve ser o último ato no processo penal militar, que a implementação  do  juiz  das  garantias  no  âmbito  da  Justiça  Militar  decorre  de  uma interpretação   evolutiva   da   Constituição   Federal,   pois   não   se   pode   dizer,   pela sistemática  atual,  que  os  direitos  da  defesa não  estão  resguardados,  sendo  que  a adoção  do  juiz  das  garantias  somente  dará  uma  maior  amplitude  aos  direitos fundamentais.

 

Portanto, o juiz das garantias deve ser aplicado e implementado na Justiça Militar da União e nas Justiças Militares Estaduais.


Outro questionamento importante que se deve fazer é: como será aplicado o juiz das garantias em regiões que há somente uma auditoria? A solução que recomendamos seria que cada Auditoria Militar tenha um juiz titular e um substituto. Outra solução seria o juiz das garantias itinerante, ou a implementação de um juiz por regionais.


No Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais há 5 auditorias cada uma com um juiz titular e um substituto.


Dentre os modelos adotados por outros Tribunais, poderia se adotar o sistema de designação de uma auditoria específica, o da distribuição para cada auditoria com rodízio entre o juiz titular e o substituto, ou então, o da dupla distribuição, primeiro se distribuiria para qualquer dos juízes das cinco auditorias e posteriormente uma nova distribuição no caso de oferecimento de denúncia.


A alternativa de se criar uma auditoria especifica não nos parece acertada por excesso e concentração de poder que isso poderia causar. A do rodízio entre o juiz titular e o substituto também não parece o adequado, em virtude do alto risco de contaminação e por dificuldades de gestão, como nos casos de impedimento ou afastamento de um dos juízes por férias, licenças, entre outras hipóteses. Por outro lado, os sistemas de dupla distribuição seria uma alternativa, nesse caso, uma auditoria seria a de garantia e a outra responsável pela instrução, ou de forma cruzada entre as auditorias ou em uma segunda distribuição para as demais auditorias, com a exclusão da que atuou como juiz de garantia.


Portanto, apesar do juiz das garantias, ser uma evolução no sistema acusatório, os Tribunais estão com certas dificuldades para colocá-lo em prática devido aos fatores citados nesse artigo. As soluções rodeiam o que foi exposto, e o que ainda está sendo estudado, certo é que o sistema judiciário possui tempo exíguo para se adequar as novas regras.

 

 

6. A dupla distribuição automática

 

A implementação do juiz das garantias representou um avanço significativo na dogmática jurídica e buscou assegurar a imparcialidade, celeridade e a eficiência dos processos judiciais. O novo modelo visa garantir um julgamento justo, separando as funções de investigação e julgamento em prol do fortalecimento da imparcialidade congênita do magistrado.


Introduzir o juiz das garantias na esfera militar, a princípio, poderia ser um desafio, dada a natureza específica e hierárquica do próprio sistema castrense. A Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, por exemplo, atualmente conta apenas com 5 auditorias, todas elas compostas por um juiz militar e outro juiz substituto, ou seja, a pergunta é: como seria equacionar, de fato, o trinômio juiz das garantias, imparcialidade e a vedação à contaminação do julgado?


Logo, para responder o questionamento, a primeira abordagem será realizar uma análise comparativa dos outros sistemas já inaugurados por outros estados e, na sequência, introduzir um modelo único que leva em consideração a composição atual da instituição militar mineira.


Em relação ao tema, o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, no ano de 2022, através da Resolução n. 01 do seu Tribunal Pleno, adotou o modelo dos Núcleos de Custódia, ou seja, houve a designação específica de magistrados para atuarem exclusivamente como juízes de garantia.


Da mesma forma, o Tribunal de Justiça Militar de São Paulo, nos termos da Resolução n.º 105 de 2024, também determinou a designação de uma única Auditoria para exercer as funções de juiz de garantias.


O grande problema é que, de fato, a atribuição privativa de juízes de garantia fere a imparcialidade do magistrado, já que se cria um personagem processual com superpoderes únicos na esfera da investigação, ou seja, nas palavras de Ronald Dworking, cria-se um juiz Hércules investigativo-inquisidor.


Além disso, o entendimento desse único magistrado certamente vinculará o entendimento de todos os demais, sendo possível, por exemplo, que esse Juiz aplique institutos despenalizadores previstos na Lei n.º 9.099/95, como transação penal e suspenção condicional do processo, entendimento bastante polêmico e que encontra grande resistência dentre os magistrados da Justiça Militar da União e dos Estados.


O TRF3, por sua vez, através da Resolução CJF3R n. 117, de 2024, apresentou um modelo específico através do qual a designação dos juízes de garantia levaria em consideração as regras de distribuição vigentes para os feitos criminais, ou seja, a função de juiz de garantia será realizada de forma alternativa perante os juízes titulares e substitutos de uma mesma Seção Judiciária. As regras iriam variar caso a Seção seja de vara única ou não. 


Entretanto, a grande questão que, certamente será enfrentada como um problema no decorrer da implementação da medida e que, possivelmente, irá macular a celeridade e eficiência processual é: se a distribuição é alternativa e aleatória perante os juízes titulares e substitutos, como agir, por exemplo, quando na Seção Judiciária houver apenas dois juízes e um deles estiver impedido ou até mesmo afastado por motivos de saúde?


A crítica é válida e pertinente porque, se adotarmos o modelo federal, a mesma situação poderá fatalmente ocorrer no Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais em razão da sua natureza específica. Explica-se.


O TJMMG conta com 5 (cinco) auditorias militares, cada qual com um único juiz titular e outro substituto. Atualmente, através da Resolução n. 291, as auditorias passaram a ter competência dual, ou seja, tanto cível quanto criminal. Logo, se adotássemos o modelo do TRF3 e um dos juízes de garantias, por exemplo, entrasse de licença para tratamento médico por longo período, o outro não poderia proferir decisões de forma legítima, porque já não haverá a alternatividade necessária para se preservar a sua imparcialidade.


Assim, a sugestão de modelo de minha autoria propõe o critério da dupla distribuição automática que será explanado a seguir.


No primeiro momento, a distribuição seria feita inicialmente de forma alternativa, por sorteio, perante todas as 5 auditorias militares. A fase pré-processual seguirá o curso natural e, em um segundo momento, após a análise do arquivamento ou até mesmo de eventual ANPP, o processo, ao retornar, sofreria outra distribuição, excluindo-se automaticamente a auditoria primeva, isto é, em nome da imparcialidade e do princípio da vedação à contaminação do julgado, a auditoria que realizou toda a fase pré-processual estaria automaticamente excluída da redistribuição.


A intenção da dupla distribuição é fortalecer, de fato, além da imparcialidade, também a eficiência, já que seria um procedimento automático e rotativo. É o sistema que atenderia de forma mais satisfatória a realidade da Justiça Militar de Minas Gerais. Explico.


O novo instituto não implicaria a criação de nova atividade, mas sim a concepção de uma nova estrutura no âmbito do Poder Judiciário, eis que reclama, tão somente, a redistribuição de competências e de uma adequação que pode ser alcançada com a simples reorganização da estrutura já existente.


De acordo com o sistema da Justiça Militar em números (PAINEL DE MONITORAMENTO, 2023) a Justiça Militar do Estado de Minas Gerais tem uma meta específica de que, em 180 dias, 70% dos processos originários e em grau recursal sejam julgados na Justiça Militar Estadual. A aplicação do modelo proposto viabilizaria, ainda mais, o cumprimento da referida meta, eis que a dupla redistribuição já aconteceria automática e rotativa.


Ao contrário, se adotássemos, por exemplo, o sistema criado pelo TRF3 e, levando em consideração a atual composição das auditorias militares mineiras (um juiz titular e um juiz substituto), caso um magistrado se afastasse temporariamente de suas atribuições, o processo seguiria suspenso até o seu retorno em razão imparcialidade necessária do juízo das garantias, o que atrasaria o cumprimento das metas do Tribunal.


Além disso, outro benefício do sistema proposto é que, de acordo com o Relatório Justiça em Números de 2019, estima-se que o percentual de adesão ao processo eletrônico hoje já atinge 83,8% das comarcas brasileiras, ou seja, a dupla distribuição automática em estudo não oneraria sequer a dinâmica das auditorias militares já que estas contam com amplo acesso ao mundo digital.


As questões ora apresentadas não tratam da edição de novas regras de organização judiciária e sequer influenciam na competência de cada ente federado. Trata-se de uma mera repartição de atribuições, apartando da forma mais adequada funções que já são existentes.


De fato, a instituição do juiz das garantias buscou promover uma verdadeira virada linguística no Processo Penal brasileiro. Ao aprofundar as leituras sobre a temática do juiz das garantias, observou-se praticamente um “mantra” de que juiz que atua na investigação estaria contaminado para atuar na fase processual. E é verdade. A implementação do instituto garante que um juiz seja encarregado de zelar pelas garantias individuais do acusado durante o julgamento, de forma independente ao magistrado responsável pela condução da fase de investigação.


Essa separação de funções contribui substancialmente para o fortalecimento da imparcialidade judiciária, ao mesmo tempo em que assegura uma defesa plena e robusta, condizente com os valores democráticos que norteiam a sociedade brasileira.


O critério da dupla distribuição automática surge como uma forma coerente de se garantir a razão incipiente da criação do instituto – a garantia da segurança jurídica, a imparcialidade e a sua adequação à realidade dos Tribunais brasileiros.

 

7. Conclusão 

 

A implementação do juiz das garantias na Justiça Militar traz consigo desafios significativos, incluindo custos adicionais e possíveis atrasos nos processos judiciais. A principal tarefa é compatibilizar o instituto garantindo-se também a imparcialidade judicial e a vedação à contaminação do julgado.


Embora busque fortalecer a proteção dos direitos individuais, em especial a segurança jurídica, é crucial considerar cuidadosamente os impactos financeiros e operacionais antes de sua adoção plena.


Especialmente na Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, a questão da especificidade da Justiça Castrense mineira deve ser estudada profundamente, já que existem somente 5 auditorias, todas elas com dupla atribuição e com somente dois juízes em cada uma delas.


Logo, o critério da dupla distribuição automática parece ser boa opção para se minimizar eventual atraso processual no caso, por exemplo, de eventuais afastamentos legais.


A verdade é: a implementação do juiz das garantias representa um avanço significativo no sistema judicial, promovendo a imparcialidade e a proteção dos direitos individuais.


Ao separar as fases de investigação e julgamento, este modelo contribui para evitar influências externas e garantir um processo justo. Além disso, fortalece a confiança na justiça, promovendo transparência e equidade.


Em termos de benefícios, o juiz das garantias proporciona uma melhor gestão dos casos, reduzindo possíveis conflitos de interesse e assegurando uma aplicação mais eficaz da lei. Isso, por sua vez, contribui para uma maior segurança jurídica, onde os cidadãos têm a certeza de que serão tratados de forma justa e imparcial perante a lei.

 

Marcos Luiz Nery Filho é Juiz de Direito do Juízo Militar do Estado de Minas Gerais.


 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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ARAUJO, Fabio Roque. A investigação criminal no projeto do novo código de processo penal. Salvador, editora Juspodium, 2012.

 

BORGES, Edinaldo de Holanda. O sistema processual acusatório e o juizado de instrução. Boletim Científico da Escola Superior do Ministério Público da União. Brasília, a. II – n. 6, p. 47-56, jan./mar. 2003.

 

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FREITAS, Wladimir Passos de. Reflexos e reflexões sobre o juiz das garantias na Justiça. Conjur. Boletim de notícias.  2019.  Disponível em:http//www. Reflexos e reflexões sobre o juiz das garantias na Justiça (conjur.com.br). Acesso em 23/fev/2024.

 

GIACOMOLLI, Nereu José. Juiz de garantias.um nascituro estigmatizado. Rio de janeiro. Lumen Juris, 2011.

 

GOMES, Abel Fernandes. Juiz das garantias: inconsistência científica. Revista Cej Brasilia, 2010.

 

LOPES JR., Aury; GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Investigação Preliminar no Processo Penal. 5ªed., São Paulo: Saraiva, 2021.

 

NÓBREGA, Gabriel Bulhões Dias. Manual Prático de Investigação Defensiva Editora Emais, 2020.

 

REALE JR, Miguel. O juiz das garantias. Revista da OAB, 2011

 

SILVEIRA, Fabiano Augusto Martins. O juiz das garantias: entre os caminhos da reforma do código de processo penal. Rio de Janeiro. Lume Iuris, 2011.

 

 

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