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  • Jorge Cesar de Assis

A Lei 14.688/2023 e a ação penal militar dependente de requisição

Conforme o art. 122, do Código Penal Militar – com a redação dada pela Lei 14.688/2023, nos crimes previstos nos artigos 136 a 141 do CPM [crimes contra a segurança externa do país[1]], a ação penal, quando o agente for militar, depende da requisição do Comando da Força a que aquele estiver subordinado, observado que, no caso do art. 141, quando o agente for civil e não houver coautor militar, a requisição será do Ministério da Justiça. Antes da alteração legal procedida, o dispositivo se referia ao Ministro da Força Armada.


Sendo sempre pública a ação penal militar, em regra incondicionada, em alguns casos ela depende (está condicionada) da requisição [melhor dizer representação] da autoridade competente.


Se o réu for civil, e no único caso do art. 141 (entendimento para gerar conflito ou divergência com o Brasil), a dita requisição é do Ministro da Justiça.


Assim, nos termos do art. 122 do CPM e do art. 31 do CPPM – rubricados de dependência de requisição – a ação penal militar dependerá de requisição, feita pelo Comando da Força Armada a que estiver subordinado o agente, dirigida ao Procurador-Geral da Justiça Militar. Na redação anterior, o termo requisição sempre nos pareceu mal colocado em face da norma do art. 129, inc. I, da CF/1988, consagradora da condição de dominus litis do Ministério Público, devendo ser entendida como representação, mera notitia criminis, sem vincular o Ministério Público Militar. A nova redação do artigo manteve a impropriedade do termo.


Mas é, com certeza, condição de procedibilidade para o processo penal militar, que sem ela não poderá ser iniciado.


A requisição [notitia crimininis] deve ser dirigida inicialmente ao Procurador-Geral da Justiça Militar por uma questão unicamente protocolar. Recebida a requisição [notitia crimininis] deve o Procurador-Geral encaminhá-la ao membro do Ministério Público Militar com atribuições para a análise do fato e oferecimento de eventual denúncia. Se o crime for cometido fora do território brasileiro o promotor natural será aquele que estiver atuando junto a uma das auditorias da 11ª Circunscrição Militar, na Capital Federal. Se for em território nacional, o promotor natural será o que estiver atuando junto à Auditoria competente para o processo e julgamento do feito. Se o agente for oficial general, aí sim, a avaliação da oportunidade e conveniência do oferecimento da denúncia será do Procurador-Geral da Justiça Militar. Os oficiais generais estão submetidos à jurisdição do Superior Tribunal Militar, como aliás, preceitua o art. 6º, inciso I, alínea ‘a, da Lei 8.457, de 04.09.1992[2].


Com o advento da Lei Complementar 97, de 09.06.1999 (que dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas), cada Ministro de Força Armada de então, passou a ser considerado como Comandante do Exército, Marinha e Aeronáutica (art. 19), e subordinado ao Ministro de Estado da Defesa (art. 3º), dentro da reformulação operada pela Emenda Constitucional 23, de 02.02.1999, que criou o Ministério da Defesa.


Em que pese a previsão legal em favor do Comandante da Força trazida pela Lei 14.688/2023, entendemos que a subordinação das Forças Armadas ao Ministério da Defesa deve ser observada. Assim, a requisição [notitia crimininis] prevista no art. 31 do CPPM será, quando o agente for militar, do Ministro de Estado da Defesa, e envolve uma questão política. O Ministro da Defesa, sob a orientação do Presidente da República é quem irá avaliar inicialmente o prejuízo (perigo) para a soberania do Brasil, e a conveniência de se representar ou não pela instauração da ação penal militar. Conosco, estão Coimbra Neves e Streifinger, enquanto Nelson Colbibelli e Cláudio Amim, Célio Lobão e Alexandre Saraiva entendem que a requisição deve partir do Comandante da Força a que pertencer o agente.


A questão da divergência doutrinária quanto ao emitente da representação não interfere na questão proposta já que existe unanimidade quanto ao fato de que a requisição referida deve ser entendida como “representação”, notitia criminis.


Não se olvide que existe uma diferença enorme entre a “representação” e a “requisição”. Esta não admite juízo de conveniência e oportunidade do requisitado que está obrigado a cumpri-la sob pena de responsabilidade. Da mesma forma, o CPM foi editado durante o Regime Militar, onde a expressão “requisição” tinha com certeza caráter cogente. A própria posição constitucional do Ministério Público não era lá tão confortável, pois, conforme lembrado anteriormente, o Parquet havia saído do capítulo do Poder Judiciário, sendo que a “a Lei Fundamental de 1969 altera a disciplina anterior, e apresenta o Ministério Público como pertencente ao Poder Executivo, na esteira do que dispõem os artigos 94 a 96 daquele diploma legal, em âmbito federal acoplado ao Ministério da Justiça e em sede estadual, às Secretarias de Justiça[3].


Atualmente, em face da dignificação da instituição ministerial trazida pela Carta Política de 1988, fundamentada principalmente na autonomia funcional de seus membros e na condição de promotor exclusivo da ação penal pública (e a militar é pública por excelência), não há que se falar em “requisição governamental dirigida ao Ministério Público”, sendo totalmente inapropriada a previsão mantida na nova redação, trazida à lume pela Lei 14.688/2023.


Para concluir, nos crimes previstos entre os arts. 136 a 141 do CPM, a lei não estabelece prazo para a requisição da ação penal, o que poderá ser feito enquanto não estiver extinta a punibilidade do agente. Nem o CPM, nem o CPPM estabelecem prazo para a oferta da requisição [notitia crimininis] ao órgão ministerial, como ocorre em relação à requisição do Ministro da Justiça, no CPP comum (art. 24). Assim, não havendo prazo estabelecido para a dita requisição, está poderá ser feita enquanto não estiver extinta a punibilidade do agente, nos termos do art. 122, do CPM[4].


Jorge Cesar de Assis é Advogado inscrito na OAB-PR. Membro aposentado do Ministério Público Militar da União. Integrou o Ministério Público paranaense. Oficial da Reserva Não Remunerada da Polícia Militar do Paraná. Sócio Fundador da Associação Internacional das Justiças Militares – AIJM. Membro correspondente da Academia Mineira de Direito Militar e da Academia de Letras dos Militares Estaduais do Paraná – ALMEPAR. Coordenador da Biblioteca de Estudos de Direito Militar da Editora Juruá. Administrador do site JUS MILITARIS - www.jusmilitaris.com.br.


NOTAS

[1] Art. 136 – Hostilidade contra país estrangeiro; art. 137 – provocação a país estrangeiro; art. 138 – Ato de jurisdição indevida; art.139 – Violação de território estrangeiro; art. 140 – Entendimento para empenhar o Brasil à neutralidade ou à guerra; art. 141 – Entendimento para gerar conflito ou divergência com o Brasil.

[2] Organiza a Justiça Militar da União e regula o funcionamento de seus Serviços Auxiliares.

[3] 7 ASSIS, Jorge Cesar de; ARPINI, Soel; ZANCHET, Dalila Maria. Legitimidade do Ministério Público Militar para interposição da ação civil pública. Curitiba: Juruá, 2011. p. 43.

[4]     É a opinião de ROMEIRO, Jorge Alberto. Curso de Direito Penal Militar – Parte Geral. p. 261; no mesmo sentido, NEVES, Cícero Robson Coimbra; STREIFINGER, Marcello. Manual de Direito Penal Militar. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 576.

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