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  • Ricardo de Oliveira Fiuza

Aplicação da Lei n. 9.099/95 na Justiça Militar do Estado de Minas Gerais: o panorama em curso


1. Introdução


Tem-se por objetivo demonstrar a (im)possibilidade da aplicação dos institutos despenalizadores da Lei n. 9.099/95, a qual instituiu os Juizados Especiais Criminais, nos crimes de competência da Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, como a transação penal e a suspensão condicional do processo, tendo em vista a redação do art. 90-A da referida lei.


Fatores institucionais, sociais e pessoais justificam a realização desta pesquisa.


O artigo terá como escopo a apresentação e análise dos aspectos relevantes referentes à aplicação dos institutos despenalizadores, previstos na Lei 9.099/95, especificamente a transação penal e a suspensão condicional do processo, nos crimes de competência da Justiça Militar Estadual.


A definição da metodologia de pesquisa é fundamental, haja vista que é por meio dela e suas ferramentas que se dará a organização e o norteamento do trabalho. Para elaboração do artigo foi utilizada metodologia de cunho qualitativa, sendo realizada pesquisa bibliográfica, por meio da leitura de artigos científicos que tratam do assunto, interpretação de leis, bem como obras doutrinárias. Utilizou-se, ainda, da pesquisa documental, por meio de análise de documentos institucionais, projetos de lei referentes ao tema e normativas de órgãos públicos, bem como a análise de decisões judiciais e entendimentos jurisprudenciais, o que possibilitou abranger uma vasta área de conhecimentos.


O objetivo geral deste trabalho foi verificar como é realizada a aplicação dos institutos despenalizadores na Justiça Militar Estadual. Na intenção de atingir esse objetivo, foram estabelecidos, especificamente, os seguintes objetivos específicos:


a) Analisar a Lei n. 9.099/95, apresentando seus princípios e institutos despenalizadores;

b) Descrever o histórico da Justiça Militar Estadual e sua competência;

c) Levantar os dados referentes à aplicação dos institutos despenalizadores na Justiça Militar de Minas Gerais;

d) Analisar o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) do TJMMG e projetos de lei em tramitação, relacionados ao tema.


O artigo se constitui de quatro capítulos, sendo o primeiro sobre a Lei n. 9.099/95 e da sua relação com a Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988 (CRFB/1988), bem como os princípios que orientam a atuação dos Juizados Especiais Criminais, aponta os institutos despenalizadores, aborda a inclusão do Art. 90-A e menciona projetos de lei que objetivam alterá-lo.


O segundo capítulo apresenta um breve histórico da Justiça Militar de Minas Gerais e sua competência.


No terceiro capítulo é descrito o conceito de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), sendo feita a análise do IRDR n. 0001436-80.2017.9.13.0000 (TJMMG), em tramitação.


No quarto capítulo são feitas as considerações finais sobre a pesquisa e demonstrados os resultados obtidos.



2. A Lei dos Juizados Especiais Criminai (Lei n. 9.099/95)


A Lei n. 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais Criminais, estabeleceu um marco no ordenamento jurídico brasileiro, ao criar um sistema consensual de Justiça Penal. Este capítulo trata da Lei supracitada e da sua relação com a CRFB/1988, bem como do conceito de infração de menor potencial ofensivo e princípios que norteiam a atuação dos Juizados Especiais Criminais.


O legislador constituinte inseriu na CRFB/1988 o disposto no inciso I do artigo 98:


Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:


I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau (BRASIL, 1988).


Vislumbrou-se a aproximação de uma nova ordem jurídica, diante desse mandamento constitucional, o qual obrigou a criação dos Juizados Especiais nos Estados da Federação e no Distrito Federal, de forma a desburocratizar e simplificar a Justiça Penal. Nessa perspectiva, em 27 de setembro de 1995, foi sancionada a Lei n. 9.099/95, com significativas mudanças no processo penal nacional, de modo a aplicar medidas alternativas à pena de prisão, nas infrações penais de menor potencial ofensivo.



2.1 Infrações de menor potencial ofensivo



No cumprimento ao artigo 98, inciso I, da CRFB/1988, rompeu-se a inflexibilidade da obrigatoriedade da ação penal, excepcionando a persecutio criminis nas contravenções penais e nas infrações penais de menor potencial ofensivo.

Na redação original do texto da citada Lei, tinha-se, no art. 60, que o Juizado Especial Criminal possuía “[...] competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo” e, no artigo subsequente, que estas infrações abrangiam todas as contravenções penais e os crimes cuja pena máxima não ultrapassasse um ano. Já o art. 61 excluía de sua competência os crimes em que a lei determinava procedimento especial:


Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial (BRASIL, 1995).


Para pôr fim a alguma divergência que ainda permanecesse sobre essa questão, foi promulgada a Lei n. 11.313, de 28 de junho de 2006, que alterou os artigos 60 e 61 da Lei n. 9.099/95, os quais passaram a vigorar com a seguinte redação:


Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.

Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis.


Ainda na mesma seara,


Art. 61. Consideram- se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.


Assim, a Lei n. 9.099/95 contemplou um novo papel aos operadores do Direito, os quais passaram a ser propulsores da conciliação e da transação no âmbito penal, regidos pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade.



2.2 Os princípios processuais dos Juizados Especiais e os institutos despenalizadores da Lei n. 9.099/95


Vale ressaltar a importância do disposto no artigo 2º da Lei n. 9.099/95, o qual prevê que “[...] o processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível a conciliação ou a transação”. Assim, percebe-se que o legislador denominou os princípios de “critérios”, os quais devem ser fielmente observados, de forma a atingir os objetivos da referida norma.


A Lei em estudo introduziu no processo penal brasileiro as seguintes medidas despenalizadoras: composição dos danos civis; transação penal; necessidade de representação nos casos de lesões corporais leves e culposas e suspensão condicional do processo.


No entanto, atualmente, são aplicadas na Justiça Militar de Minas Gerais duas dessas medidas: a transação penal e a suspensão condicional do processo, conforme observado no Relatório Anual das Atividades Processuais da Primeira Instância, elaborado pela Corregedoria da Justiça Militar sobre o ano de 2018.



2.3 A Lei n. 9.839/99 e a inclusão do art. 90-A à Lei n. 9.099/95


A Lei n. 9.839, de 27 de setembro de 1999, acrescentou o art. 90-A à Lei n. 9.099/95, proibindo, expressamente, a aplicação desta Lei nas Justiças Militares: “As disposições desta Lei não se aplicam no âmbito da Justiça Militar”. A Lei 9.839/99 não foi suficiente para cessar os questionamentos, haja vista que os Juízes Militares que entendem viável aplicar a Lei n. 9.099/95 ao caso concreto, fundamentam a decisão de modo a declarar a inconstitucionalidade do art. 90-A, pelo controle difuso de constitucionalidade. Necessário esclarecer que o art. 90-A não faz menção à Justiça Militar estadual.


O artigo 90-A da Lei 9.839/99 se aplica tão somente à Justiça Militar da União. O STF já se manifestou sobre a constitucionalidade do referido artigo, no entanto, quando se analisavam questões da Justiça Militar da União, conforme se verifica, igualmente, na Súmula n. 9 do STM (DJ 1 Nº 249, de 25/12/96), que possui a seguinte redação: “A Lei n. 9.099, de 26.09.95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, não se aplica à Justiça Militar da União” .


É possível verificar que os institutos despenalizadores são aplicados na Justiça Militar do Estado de Minas Gerias há vários anos. Aponta o Relatório Anual das Atividades Processuais da Primeira Instância, elaborado pela Corregedoria da Justiça Militar sobre o ano de 2018 (Anexo “A”), que as três Auditorias do Estado de Minas Gerais no ano de referência aplicaram institutos da Lei n. 9.099/95 (transação penal e suspensão do processo). Verifica-se que foram suspensos 44 (quarenta e quatro) processos em 2018 e 164 (cento e sessenta e quatro) transações penais foram homologadas, totalizando 208 (duzentos e oito) feitos com aplicação da Lei n. 9.099/95. Constata-se, ainda, que 258 (duzentos e cinquenta e oito) militares foram beneficiados com a aplicação da referida lei, sendo 48 (quarenta e oito) por suspensão e 210 (duzentos e dez) por transação penal.


A discussão que ainda existe é se a Lei n. 9.099/95 pode ser ou não aplicada na Justiça Militar dos Estados e Distrito Federal, haja vista que, aparentemente, no âmbito da União está pacificada a vedação, com a redação da Súmula n. 9 do Superior Tribunal Militar (STM). Observa-se que a referida súmula foi silente quanto à Justiça Militar Estadual.


Alves (2010) entende que o art. 90-A da Lei n. 9.099/95 merece ser modificado, haja vista ser possível a aplicação da referida lei nos crimes militares impróprios cometidos contra civis:


Pelo exposto, está o art. 90-A da Lei 9.099/99 a merecer modificações por parte do Poder Legislativo, excluindo-se a vedação da aplicabilidade dos institutos despenalizadores da Lei dos Juizados Especiais Criminais nos crimes militares impróprios cometidos contra civis (ALVES, 2010, p.46).


Santos (2013) entende que a Lei dos Juizados Especiais Criminais é aplicável aos delitos de competência da justiça castrense, a depender do caso concreto:


Não obstante a expressa vedação da Lei nº 9.099/95 à Justiça Militar, as auditorias Militares de Primeira Instância, em Minas Gerais, a têm aplicado, principalmente no tocante à transação penal, prevista no art. 76, e à suspensão do processo, capitulada no art. 89, tanto para os crimes militares impróprios quanto para os próprios. O Ministério Público Estadual, militante na Justiça Militar de Minas Gerais, tem entendido e peticionado no sentido de ser razoável e proporcional a aplicação da Lei nº 9.099/95 ao processo penal militar, por ser mais benéfica ao réu e não comprometer os princípios da justiça, hierarquia e disciplina. Caso o Juiz Militar entenda viável aplicar a Lei nº 9.099/95 ao caso concreto, deverá fundamentar a decisão, declarando a inconstitucionalidade do art. 90-A, através do controle difuso de constitucionalidade, e apontar o dispositivo que irá adotar (SANTOS, 2013, p. 138).


Em relação aos crimes militares impróprios e crimes militares por extensão (crimes previstos na legislação penal comum – nas situações previstas no inc. II do art. 9º do Decreto-Lei n. 1.001, de 21 de outubro de 1969, Código Penal Militar - CPM - alteração dada pela Lei n. 13.491/2017), como não estão em xeque a hierarquia e disciplina, não seria razoável diferenciar o tratamento para civis e militares, pois os bens jurídicos tutelados são os mesmos.



2.4 Projetos de Lei que pretendem alterar o art. 90-A da Lei n. 9.099/95

Verifica-se a existência de Projeto de Lei n. 889, de 2019 (PL 889/2019), da Câmara dos Deputados, de autoria do Deputado Guilherme Derrite – PP/SP, apresentado em 19 de fevereiro de 2019, conforme Anexo “B”, o qual possui a seguinte Ementa:


Altera o art. 90-A da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, para garantir a aplicação dos institutos da composição civil dos danos (art. 74), da transação penal (art. 76) e da suspensão condicional do processo (art. 89) no âmbito da Justiça Militar aos crimes militares impróprios e/ou por extensão.


O referido PL foi apensado ao Projeto de Lei n. 2600, de 2015 (PL 2600/2015), da Câmara dos Deputados, de autoria do Deputado Cap Augusto – PR/SP, apresentado em 11 de agosto de 2015, o qual possui a seguinte Ementa: “Altera o art. 90-A da Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, para restringir a vedação da aplicação dessa lei, no âmbito da Justiça Militar, apenas aos casos de crimes propriamente militares”. Segue trecho deste PL, o qual abordou o mesmo tema, de modo a demonstrar a atual injustiça da legislação atual em relação aos militares:


O tratamento diferenciado somente se torna legítimo se fundar-se em discrimen com acolhida constitucional. Ora, qual então a distinção entre uma lesão corporal leve praticada por um policial militar ou por um policial civil? Sem dúvidas, a resposta será a de que não há nenhuma distinção, pois ambos exercem funções policiais e devem pautar suas condutas pelo mais lídimo respeito aos direitos fundamentais. Entretanto, o policial civil poderá valer-se dos institutos da lei nº 9.099/95 e o policial militar não, o que denota incisiva afronta à isonomia constitucional (...). Tal procedimento vai mesmo contra os interesses da própria vítima e distancia-se dos princípios da justiça restaurativa, enxergando no Direito Penal Militar apenas um instrumento de reprimenda e vingança”. (PL 2600/15) .


Aguarda-se a alteração do referido artigo, tendo em vista a necessidade da observância aos princípios da isonomia e da vedação ao retrocesso, princípios constantemente ameaçados de violação, principalmente em razão da tese firmada no IRDR n. 0001436-80.2017.9.13.0000 (TJMMG), que será apresentado adiante.



3. A Justiça Militar do Estado de Minas Gerais


Este capítulo apresenta um breve histórico da Justiça Militar e apresenta a Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, fazendo considerações, especialmente, no tocante à competência.



3.1 Um breve histórico da Justiça Militar


Por se tratar do primeiro órgão do Poder Judiciário criado no Brasil, em 1808, a Justiça Militar é muito importante para a manutenção da ética, hierarquia e disciplina nas corporações militares, sendo elas essenciais à manutenção da ordem pública.


O Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais (2019, p. 6) assevera que:


A Justiça Militar sempre existiu entre todos os povos civilizados desde a mais remota antiguidade. No Brasil, a Justiça Militar da União foi o primeiro órgão do Poder Judiciário formalmente criado. E isso ocorreu por ato de D. João VI, o Príncipe-Regente, em 1º de abril de 1808. A Justiça Militar nos Estados só teve sua organização autorizada por lei federal em janeiro de 1936. Em Minas Gerais, a Justiça Militar foi criada pela Lei n. 226, de 9 de novembro de 1937. Inicialmente, compunha-se de um Juiz-Auditor e de Conselhos de Justiça, na Primeira Instância (Auditoria), e, como a Segunda Instância ainda não havia sido criada, os recursos eram julgados pela Câmara Criminal da Corte de Apelação, órgão equivalente hoje ao Tribunal de Justiça do Estado. Em 1946, a Constituição Federal posicionou a Justiça Militar como órgão do Poder Judiciário estadual, e, naquele mesmo ano, foi criado o Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais (TJMMG), com sede em Belo Horizonte, como órgão de segundo grau de jurisdição.

Várias foram as modificações sofridas pelas Auditorias e pelo TJMMG até chegarem à estrutura e composição de hoje. Em 1988, a Constituição Federal consagrou, de forma definitiva, a Justiça Militar estadual como parte constitutiva do Poder Judiciário estadual (MINAS GERAIS, 2019, p.6).


Diante da análise do histórico da Justiça Militar, fica evidente seu caráter essencial, haja vista que foi o primeiro órgão do Poder Judiciário formalmente criado no País (Justiça Militar da União). A Justiça Militar é mais transparente e ágil, o que assegura tranquilidade no desempenho das funções a quem convive na caserna, mostrando-se eficaz e justa, de forma a salvaguardar os direitos e garantias fundamentais, absolvendo quem atua conforme as normas e princípios e punindo quem fere o dever militar.



3.2 Competência


Em relação à competência da Justiça Militar Estadual, o Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais (2019, p. 9) descreve que:


Compete à Justiça Militar do Estado de Minas Gerais processar e julgar os militares da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Minas Gerais, incluídos os militares da reserva e reformados, nos crimes militares definidos no Código Penal Militar (CPM), bem como nos crimes previstos na legislação penal comum – nas situações previstas no inc. II do art. 9º do CPM (alteração dada pela Lei n. 13.491/2017) – e, ainda, as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil. Cabe a ela também julgar o militar excluído (e-militar) que tenha cometido crime militar quando ainda na ativa (MINAS GERAIS, 2019, p. 9).


A função matriz da Justiça Militar é processar e julgar os crimes militares definidos em lei, conforme dispõe a CRFB/1988. A Justiça Militar da União processa e julga os militares das Forças Armadas e, excepcionalmente, civis, nos crimes militares, enquanto a Justiça Militar Estadual processa e julga os militares dos Estados, policiais e bombeiros, inclusive os da reserva e reformados, sem julgar civis, nos crimes militares e ações judiciais contra atos disciplinares militares.


A agilidade e transparência na apuração e julgamento das infrações é essencial não só para a manutenção da base das corporações, mas também para a resposta rápida e eficaz que a sociedade exige quando os aplicadores da lei agem de forma oposta a seu dever funcional.


Necessário se faz diferenciar a competência de julgamento do Juiz de Direito do Juiz Militar, singularmente, e dos Conselhos de Justiça – Especial para Oficiais e Permanente para Praças, exceto nos crimes militares praticados contra civis:


Ao Juiz de Direito do Juízo Militar incumbe a competência de processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares, inclusive os mandados de segurança, sendo que aos Conselhos de Justiça, sejam eles Especiais ou Permanentes, incumbem o julgamento dos demais crimes militares. (MINAS GERAIS, 2019, p. 9)


Os militares, agentes do Estado, estão a serviço do povo e necessitam da garantia de serem julgados por quem conheça, realmente, os motivos e fatores que interferem em suas ações. Nesse sentido, a Justiça Militar se destaca pelas composições dos seus Conselhos Permanentes e Especiais de Justiça. Os julgamentos de inúmeros crimes, conforme previsão constitucional, são realizados pelo órgão colegiado que conta não só com o juiz togado, mas com oficiais da corporação que conhecem a fundo a atividade operacional, suas peculiaridades e circunstâncias envolvidas no momento do fato, objeto do processo.


Assim sendo, não seria razoável que Juízes que não conhecem o dia a dia da caserna, analisassem e julgassem suas ações nos crimes militares, pois só está capacitado a preservar a ética, hierarquia e disciplina quem conhece a fundo a rotina e os regulamentos próprios.


Importante ressaltar que a Justiça Militar não se trata de privilégio de uma classe ou de corporativismo, pois não é possível vislumbrar qualquer vantagem na criminalização de ações que cidadãos não militares praticam sem constituir qualquer ilícito.


As corporações militares perderiam sua força sem o respaldo da lei penal militar, o que representaria um grande risco para a sociedade.



4. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR)

Este capítulo apresenta o conceito de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), instituto jurídico (incidente processual) introduzido pelo CPC/2015, fazendo considerações, especialmente, no tocante aos pressupostos para instauração do incidente. Em seguida, será analisado o andamento do IRDR n. 0001436-80.2017.9.13.0000 (TJMMG), com enfoque na tese jurídica já firmada.


4.1 Conceito e considerações


O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) é um instituto introduzido pela Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015, Código de Processo Civil (CPC/2015), o qual é possível quando há demandas repetitivas em um órgão de julgamento. O IRDR não é um recurso, mas, sim, um incidente processual.


O IRDR está regulamentado, principalmente, do art. 976 ao art. 987, do CPC/2015, entretanto, já é previsto no art. 12, § 2º, III, do mesmo diploma legal, que assim dispõe:


Art. 12. Os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão.

[...]

§ 2º Estão excluídos da regra do caput:

[...]

III – o julgamento de recursos repetitivos ou de incidente de resolução de demandas repetitivas.


Conforme consta na publicação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no site Jus Brasil:


Previsto no artigo 976 e seguintes do CPC/2015, o IRDR é um incidente que pode ser provocado perante os tribunais de segunda instância quando houver repetição de processos com idêntica controvérsia de direito e risco de ofensa aos princípios da isonomia e da segurança jurídica. Verificados esses pressupostos, o tribunal de segundo grau pode admitir o incidente para a fixação de tese, a qual será aplicada a todos os demais casos presentes e futuros em sua jurisdição.


Ainda nesse sentido:


Havendo recurso especial contra o julgamento de mérito do IRDR, a tese fixada pelo STJ “será aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito” (artigo 987, parágrafo 2º, do CPC).


O juiz poderá julgar improcedente o pedido (improcedência liminar do pedido), caso contrarie o entendimento firmado no IRDR, independentemente da citação do réu. É o que se depreende da redação do art. 332, CPC/2015:


Art. 332. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar:

[...]

III – entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência .


O art. 976 do CPC/2015 estabelece quando o IRDR poderá ser instaurado (pressupostos para instauração do incidente, mencionados no art. 977 do CPC/2015). Enquanto o art. 987 demonstra o cabimento de recurso especial ou extraordinário, conforme a situação fática, com efeito suspensivo, presumida a repercussão geral:


Art. 976. É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente:

I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito;

II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

[...]

Art. 987. Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial, conforme o caso.

§ 1º O recurso tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de questão constitucional eventualmente discutida.


Assim, o IRDR pode ser visto como instrumento para ampliar a segurança jurídica, ficando evidente a crescente valorização dos precedentes no ordenamento jurídico.



4.2 IRDR n. 0001436-80.2017.9.13.0000 (TJMMG)


Faz-se necessário analisar o andamento processual do IRDR n. 0001436-80.2017.9.13.0000 (TJMMG), precipuamente a tese jurídica já firmada, objetivando evidenciar se ocorrerá, pelo menos inicialmente, a manutenção ou não da aplicabilidade dos institutos. Seguem dados de referência para consulta processual e posterior acompanhamento pelos interessados:


Referência: Autos n. 0000712-67.2017.9.13.0003

Relator para o acórdão: Juiz Sócrates Edgar dos Anjos

Relator: Juiz Osmar Duarte Marcelino

Suscitante: Juiz de Direito Substituto do Juízo Militar da 3ª AJME

Suscitado: Tribunal Pleno


No dia 15/05/2019 (Acórdão publicado em 28/05/2019), no mérito do IRDR 0001436-80.2017.9.13.0000, por maioria, os juízes fixaram a tese jurídica de inaplicabilidade dos institutos despenalizadores previstos na Lei n. 9.099/95 na Justiça Castrense, aos crimes tipificados na parte especial do Código Penal Militar, da seguinte forma:


INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS – FIXAÇÃO DE TESE JURÍDICA – INSTITUTOS DESPENALIZADORES PREVISTOS NA LEI N. 9.099/95 – INAPLICABILIDADE NA JUSTIÇA MILITAR DO ESTADO DE MINAS GERAIS – CRIMES PREVISTOS NA PARTE ESPECIALDO DECRETO-LEI N. 1.001/69 – CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 90-A DA LEI N. 9.099/95 RECONHECIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – SÚMULA N. 9 DO SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR – INCOMPATIBILIDADE DOS INSTITUTOS DESPENALIZADORES DA LEI N. 9.099/95 COM OS PRECEITOS QUE REGEM AS INSTITUIÇÕES MILITARES – HIERARQUIA E DISCIPLINA MILITARES – ART. 42 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

- Os institutos despenalizadores previstos na Lei n. 9.099/95 não são aplicáveis no âmbito da Justiça Militar do Estado de Minas Gerais aos crimes tipificados na Parte Especial do Decreto Lei n. 1001/69 – Código Penal Militar. (MINAS GERAIS, 2019. Processo: 0001436-80.2017.9.13.0000, Relator: Juiz Sócrates Edgard dos Anjos).


Importante esclarecer as seguintes questões, interpretando-se o teor do Acórdão:


a) o Acórdão abrange todos os crimes do Código Penal Militar;

b) o Acórdão não abrange os crimes militares por extensão;

c) o Acórdão somente será aplicado após o trânsito em julgado, que, se for mantido, proibirá a aceitação de transação penal e suspensão do processo para os militares em crimes militares previstos no Código Penal Militar.


Importante rememorar o teor da Súmula n. 9 do Superior Tribunal Militar (STM), haja vista sua menção no IRDR: "A Lei n. 9.099, de 26.09.95, que dispõe sobre os Juízos Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, não se aplica à Justiça Militar da União." (DJ 1 Nº 249, de 24/12/96).


Por meio da consulta processual, verifica-se que, no dia 11 de junho de 2019, houve a juntada de embargos de declaração, opostos pela Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais. No dia 29 de julho de 2019, foi protocolizada petição, também de embargos de declaração, pelo Ministério Público de Minas Gerais, objetivando a manutenção da aplicabilidade dos institutos.



5. Considerações finais


Há quem entenda que obstar a aplicação dos institutos despenalizadores nos crimes militares impróprios cometidos por policiais e bombeiros militares contra civis afigura-se uma possível inconstitucionalidade, por violação ao princípio da isonomia, haja vista que não há tutela da hierarquia e disciplina militares nesses delitos.


Vislumbrou-se que o entendimento dos juízes militares da Justiça Militar de Minas Gerais tem sido no sentido de que para a concessão dos institutos despenalizadores deverá analisar-se cada caso concreto, de modo a verificar se o crime praticado provoca violação aos princípios basilares.


No Relatório Anual das Atividades Processuais da Primeira Instância, elaborado pela Corregedoria da Justiça Militar sobre o ano de 2018, se observa que as três Auditorias do Estado de Minas Gerais, no ano de referência, aplicaram institutos da Lei n. 9.099/95 (transação penal e suspensão do processo).


Há projetos de Lei com o intuito de alterar o art. 90-A da Lei n. 9.099/95, para garantir a aplicação dos institutos da composição civil dos danos (art. 74), da transação penal (art. 76) e da suspensão condicional do processo (art. 89) no âmbito da Justiça Militar aos crimes militares impróprios e/ou por extensão, de modo a solucionar as divergências.


Verificou-se que no mérito do IRDR 0001436-80.2017.9.13.0000, por maioria, os juízes fixaram a tese jurídica de inaplicabilidade dos institutos despenalizadores, previstos na Lei n. 9.099/95 na Justiça Castrense, no entanto o Acórdão somente será aplicado após o trânsito em julgado, que, se for mantido, proibirá a aceitação de transação penal e suspensão do processo para os militares em crimes militares previstos no Código Penal Militar.


A discussão que ainda existe é se a Lei n. 9.099/95 pode ser ou não aplicada na Justiça Militar dos Estados e Distrito Federal, haja vista que, aparentemente, no âmbito da União está pacificada a vedação, com a redação da Súmula n. 9 do Superior Tribunal Militar.


Os crimes militares próprios é que justificam a necessidade de um tratamento jurídico distinto, posto que tais infrações penais efetivamente se destinam à tutela dos valores peculiares à vida castrense.


Dessa forma, considera-se pertinente o entendimento segundo o qual se se veda a aplicação da Lei n. 9.099/95 apenas aos crimes militares próprios, considerando o art. 90-A da referida lei inconstitucional, pelo controle constitucional difuso, se aplicado aos crimes militares impróprios e aos crimes militares por extensão. Ou seja, percebe-se como ideal a continuidade da aplicação de transação penal e suspensão condicional do processo em relação aos crimes militares impróprios e por extensão, com exceção, somente, aos crimes militares próprios.



REFERÊNCIAS


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Ricardo de Oliveira Fiuza é 2º Sgt da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais.



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