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Maurício Bijarta Ferraioli

Recognição visuográfica realizada pelo oficial presidente do IPM em delito de resistência com morte

1. Introdução


Cabe a Polícia Judiciária Militar (PJM) a apuração dos crimes de homicídio doloso (art. 205 do CPM), não só nos crimes entre militares, mas também quando a vítima seja civil (art. 82, § 2º, do CPPM). Nessa linha dispõe o Código de Processo Penal Militar (CPPM), em seu artigo 234, que o uso da força só é permitido quando indispensável no caso de desobediência, resistência ou tentativa de fuga, sendo que a força necessita ser proporcional, ou seja, quando ocorre um resultado morte em resistência, o agente ou autoridade que fez o uso do poder letal do Estado tem que estar motivado pela proporcionalidade do delinquente.


Já está sacramentado em decisões judiciais a competência da PJM quanto a instauração do devido Inquérito Policial Militar (IPM) referente aos , conforme Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 1.494-DF do Supremo Tribunal Federal (STF), sendo decidido a constitucionalidade do § 2ºart. 82 do CPPM, que , decisão esta que foi corroborada pelas decisões monocráticas do RE nº 804269/SP – Rel. Min. Roberto Barroso – J. 24.03.15 e RE nº 1062591/SP – Rel. Min. Dias Toffoli – J. 23.08.17. Essas aliás é, também, a jurisprudência pacífica do TJM/SP, onde há o reconhecimento desse delito ser um delito militar (TJM/SP – ADI 001/10 – Rel. Juiz Paulo Adib Casseb – J. 03.12.10).


Observa-se que para este IPM ser encaminhado à justiça comum, entende-se Tribunal do Júri, a Justiça Militar Estadual necessita realizar uma série de análise ao fato, como por exemplo verificar os elementos objetivos e subjetivos do crime (dolo/culpa), se há excludente de ilicitude e principalmente a classificação do tipo penal, verificando se ocorreu um crime doloso contra a vida ou algum outro crime com resultado morte que não caracterize crime contra a vida.


Nesse sentido, o voto vencedor do Ministro Carlos Velloso na mencionada ADI 1.494:


(...) posta esta questão em tais termos, força é concluir que a Polícia Civil não pode instaurar, no caso, inquérito. O inquérito correrá por conta da Polícia Judiciária Militar, mediante inquérito policial militar. Concluído o IPM, a Justiça Militar decidirá, remetendo os autos à Justiça Comum, se reconhecer que se trata de crime doloso praticado contra civil.[1]


Daí que em casos como crimes de homicídio culposo, lesão corporal seguida de morte, roubo seguido de morte (latrocínio) e extorsão seguida de morte, os autos do IPM ao serem reconhecidos nestes crimes na Justiça Militar, ali devem permanecer, pois a Justiça Especializada é a competente nessas matérias.


Para tal análise é necessário que os trabalhos de Polícia Judiciária Militar (PJM) estejam encerrados e a verdade dos fatos estejam materializados no relatório e solução do IPM. Nos casos deste tipo de crime o momento mais importante a ser revelado pelo oficial delegado é a demonstração do momento exato em que o militar fez uso de seu armamento e acionou o gatilho da arma.


O oficial delegado é obrigado a elaborar seu relatório de acordo com todas as provas juntadas aos autos, mencionando também todas as diligências feitas durante a investigação, conforme art. 22 do CPPM, e os elementos de convicção, sendo nesse mister a Recognição Visuográfica, que é um meio de prova, de extrema importância para o conjunto probatório, pois ela deve ser comparada com todas as demais provas juntadas e traz visualmente o cenário real dos fatos.


A Recognição Visuográfica tem largo emprego no Estado de São Paulo, nos inquéritos policiais, desde 1995, na Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), quando ali foi adotado, sendo de responsabilidade do Delegado de Polícia.


É de se trazer a lição de Ronaldo Roth[2] que, , assevera que:


A atividade de Polícia Judiciária e a apuração e infrações penais são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas ao Estado (art. 1º da Lei 12.830/13) (...) e no relatório do IPM deverá espelhar o resumo dos principais atos praticados na instrução e subdividido em parte expositiva e parte conclusiva. Na primeira parte (....) Na segunda parte, o relatório deve articular a fundamentação dos resultados obtidos na investigação policial, devendo ser dado um destaque para o confronto e discussão das provas, ocasião em que o encarregado, após demonstrar a logicidade do seu raciocínio no apego às provas determinantes para a solução do caso investigado, diz o porquê da preponderância das provas selecionadas e o porquê do afastamento das demais provas, e, ao final, conclui e emite sua opinião mediante o juízo de valor correspondente se houve ou não indícios de crime (...)


Seguindo as lições doutrinárias de Ronaldo Roth, Magistrado da Justiça Militar Paulista, deve o encarregado do IPM, quando ficar comprovada no IPM, explicitar que a conduta do investigado foi acobertada da excludente de ilicitude, como por exemplo, a legítima defesa, ou, de modo contrário, afastá-la explicitamente no relatório da investigação.[3]



2. Da Execução Recognição Visuográfica



A Recognição Visuográfica traz para os autos a realidade do exato momento que o fato ocorreu, como descreve Desgualdo[4]:


No palco do evento, “continuum” temporo-espacial, vivencia-se o crime sob análise das condições que tornaram possível. Tudo é considerado, desde os fatores mesológicos a fatores meteorológicos como chuva e sol, noite ou dia, dados que sob associação poderão delinear maior segurança ao intérprete.


Um mero trabalho fotográfico em local preservado de crime não caracteriza um trabalho de Recognição. Para que este trabalho seja produzido com qualidade outras informações já necessitam ser de conhecimento do oficial delegado que o irá produzir, sendo que para que se possa executar um bom trabalho de Recognição Visuográfica são necessárias as seguintes ações:



2.1 Análise do Corpo (exame perinecroscópico):


Assim que toma conhecimento de uma resistência que resultou morte o oficial delegado, como primeiro ato de investigação, necessita deslocar-se com sua equipe de Polícia Judiciária Militar (PJM) ao local onde está o corpo da pessoa envolvida (art. 12, alínea “a”, do CPPM).


Caso o corpo já esteja em algum hospital ou necrotério, a equipe deverá realizar um exame externo (exame perinecroscópico) no cadáver, sendo possível, identificar todos os Ferimentos de Arma de Fogo (FAF) de entrada e saída, além de outros ferimentos visíveis que são de interesse ao IPM, não tendo restrição ou receio de movimentar o cadáver, tomando o cuidado de não prejudicar o trabalho futuro do médico legista.


Através deste exame prévio, é possível verificar a existência de zona de tatuagem no FAF que indica a proximidade do disparo em relação ao corpo, podendo caracterizar alguma ilegalidade da ação.


Neste momento, já é importante, na diligência de PJM, a presença dos militares investigados, pois enquanto o oficial realiza este trabalho, o militar pode esclarecer alguns detalhes de como a ação ocorreu, facilitando a compreensão da autoridade de PJM.


Algumas vezes a equipe de PJM necessitará movimentar o corpo, esticando os membros superiores, alternando em decúbito ventral ou dorsal, sentando-o na maca, etc. Para que se posso examinar todo o corpo e tentar chegar na posição que o indivíduo estava no momento que foi alvejado.


Todos os detalhes necessitam ser anotados e fotografados, pois estas imagens e informações já fazem parte da recognição.



2.2 Reconhecimento do Local Preservado:


O local, obrigatoriamente, necessita estar completamente preservado, não se alterando nenhum objeto, mesmo que a primeira análise possa parecer irrelevante ao fato, pois no transcorrer da investigação, aquele detalhe que parecia ser irrelevante pode comprovar a legalidade ou ilegalidade da ação.


A equipe de PJM deverá realizar uma varredura minuciosa no local, identificando manchas de sangue de gravidade velocidade, marcas de disparos de arma de fogo, barreiras físicas, objetos relacionados ao crime, relação de nível entre autor e vítima, marcas de frenagem automotivas, marcas de pegadas, localização dos estojos da munição, etc.


Um dos principais objetos que devem ser preservados é a arma utilizada pelo criminoso, sendo que não deve ser tocada e nem recolhida por qualquer pessoa a não ser pelo perito criminal (art. 339 do CPPM), que utilizará de meios adequados para preservar digitais, DNA e outras substâncias ou marcas pertinentes ao trabalho técnico especializado.


Outro fator primordial, é o de que fotografar o local da localização da arma e dos estojos de munição, possibilita uma análise mais detalhada frente às alegações dos envolvidos.


O local não deve ser alterado de forma alguma antes dos trabalhos de PJM e de perícia, podendo esta conduta ser interpretada como o crime militar por extensão de Fraude Processual, art. 347 do Código Penal (CP), conforme Lei 13.491 de 13 de outubro de 2017.


2.3 Entrevista com os envolvidos


Este ato não se deve confundir com o depoimento que posterior será elaborado, mas tem como finalidade de esclarecer para o oficial delegado a dinâmica do fato, com isso poderá dar plausividade ao fato e identificar as inconformidades aparentes.


As informações trazidas pelos envolvidos devem ser analisadas de acordo com o que já foi observado no corpo da vítima e da análise do local, sendo que se a verdade está sendo dita, as provas e as alegações irão se complementar, não gerando dúvidas para o oficial delegado ou para a equipe de PJM.


Neste instante, é importante questionar aos envolvidos se aceitariam realizar uma Reprodução Simulada dos Fatos, a pergunta é importante, pois lembro o direito de não produzir prova contrária (art. 296, § 2º, do CPPM).


Uma vez que os militares estão alegando que a ação está ungida de legalidade, amparada nas excludentes de ilicitude, não existe um melhor momento melhor para que os averiguados possam apresentar a versão verdadeira, pois estão no cenário real e com as provas físicas na posição original.


Esta reprodução simulada, preliminar, será realizada e fotografada de acordo com a versão apresentada pelos militares averiguados, tudo sob a presidência do oficial delegado do inquérito policial militar (IPM), contudo não terá o mesmo formalismo dogmático que existe na Reprodução Simulada efetuada por peritos dos Institutos de Criminalística.



2.4. Confecção do Auto de Recognição Visuográfica


No auto de recognição é importante uma descrição dos fatos ocorridos e indicação dos envolvidos, além de apontar os objetivos do trabalho realizado e identificar as autoridades ou agentes de PJM que participaram dos feitos.

Deverá constar um croqui do local, podendo usar ferramentas gratuitas de internet, além de juntar todas as fotografias registradas, não sendo vedada a utilização de programas de computador para sobrepor as imagens com formas indicativas, como inserir setas, círculos indicativos e textos, contudo, não alterando a imagem principal da fotografia.

As fotografias devem ser descritas e no final dos trabalhos deve ser elaborado uma conclusão do que foi constatado. Caso tenha ocorrido uma reprodução simulada junto com a recognição, a autoridade deverá mencionar a versão apresentada e indicar na conclusão do auto a plausividade da versão com as demais provas encontradas.



3. Da legalidade da Recognição Visuográfica


O CPPM nos artigos 12 e 13 traz expressamente as obrigações que autoridade de PJM deve adotar de imediato quando da instauração de um IPM, sendo que a primeira medida do artigo 12 é dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado das coisas enquanto necessário, além de colher todas as provas que sirvam de esclarecimento do fato, este último pode se observar que a produção das fotografias se enquadram com exatidão a esta obrigação, garantindo que provas não se percam e eternizando o registro.


Quanto a reprodução simulada, o parágrafo único do artigo 13 do CPPM autoriza expressamente a autoridade do IPM realizar tal fato, lembrando que devemos sempre respeitar a vontade dos investigados.


Vemos que essas ações estão respaldadas na legislação processual vigente, portanto não há que se falar em ilegalidade nas ações mencionadas acima quando executadas por autoridade competente de PJM, cito nesse sentido a decisão interlocutória da Primeira Auditoria Militar da Justiça Militar do Estado de São Paulo, no Processo-crime nº 86.614/18, onde o Exmº Juiz de Direito, Dr Ronaldo João Roth, reconhecendo aquele meio de prova realizado pelo Delegado de Polícia Judiciária Militar, e, assim, indeferindo o pedido de reconstituição simulada dos fatos devido a existência nos autos de Recognição Visuográfica:


Ademais, se já existe nos autos o Laudo Pericial de Local do Crime, realizado pelo IC, e se há nos autos o Relatório de Recognição Fotográfica, realizado pelo Encarregado do IPM (fls. 254/265), pormenorizando e apontando toda a dinâmica dos fatos, isso com base no depoimento das testemunhas, em especial, da vítima sobrevivente, torna-se totalmente despicienda a diligência requerida pela defesa para a realização da reconstituição simulada dos fatos, medida está procrastinatória e que pouca ou nenhuma utilidade acrescentaria à farta prova existente nos autos (...)


Logo, se já existe o Relatório de Recognição Fotográfica nos autos (fls. 254/265), realizada licita e regularmente pelo Encarregado do IPM, de maneira válida, isso afasta o requerimento da defesa para que o Instituto de Criminalística realize novamente tal diligência, pois, como se demonstrou, esse meio de prova é atribuição do Delegado de Polícia Judiciária Militar, não devendo ser confundido, como fez a defesa, com perícia.” (Processo nº 0005093-03.2018.9.26.0010)


O trabalho de captação de provas do Oficial Delegado de Polícia Judiciária Militar não está restrito em um trilho procedimental, sendo que o Código Processual Castrense indica nos artigos 12 e 13 as ações que não podem ser desprezadas, contudo, sua forma de execução deve ser livre, de acordo com a especificidade de cada investigação



4. Recognição Visuográfica e a Perícia de Local


A Recognição Visuográfica não deve ser confundida com Laudo Pericial, pois a recognição será feita pela autoridade policial que avaliará os objetos do crime de acordo com seu conhecimento técnico profissional, adquirido na sua formação e ao longo de sua carreira. Assim, podemos dar o exemplo do currículo da Academia de Polícia Militar do Barro Branco no Curso de Bacharelado em Segurança Pública que possui matérias como: medicina legal, criminologia, criminalística, tiro defensivo na preservação da vida, procedimentos operacionais, entre outras matérias necessárias para atividade de Autoridade de PJM. Logo, esses conhecimentos permitirão ao oficial delegado realizar no IPM, enriquecendo-o, o auto de Recognição visuográfica do local crime.


Já os laudos periciais são relatórios técnicos que para serem produzidos necessitam de um conhecimento específico e, em algumas vezes, equipamentos especiais para cada matéria. Nos laudos devem contar as respostas dos quesitos elaborados pelas autoridades do processo.


A prova pericial é dispensável quando não se necessita de um conhecimento especial de técnico e for desnecessário em vista de outras provas (art. 464, I e II da Lei 13.105, Código de Processo Civil).



Conclusão


A autoridade delegada de Polícia Judiciária Militar possui um conhecimento técnico-operacional das atividades exercida pelo militar quando agiu e provocou o resultado morte, portanto, é capaz de analisar a maioria das provas existentes no sítio da ocorrência.


Cabe ao Delegado de PJM entrar no mérito da investigação, conforme expressamente estabelece o CPPM (art. 22), nada melhor do que o IPM conter variada prova que o leve a opinar, de forma imparcial, se houve ou não excludente de ilicitude na ação do militar subordinado investigado.


A recognição visuográfica que não tiver qualquer divergência com as demais provas (testemunhais, necroscópico, balístico, etc.) se torna a melhor peça instrutória para o Ministério Público e o Poder Judiciário compreender o que ocorreu e como estavam as condições ambientais quando o militar tomou a decisão de agir.


As ocorrências de resistência com resultado morte são fatos de extrema importância de investigação para as instituições militares, pois o militar exerce o poder letal do Estado por decisão própria e isolada, usando do seu subjetivismo para poder tomar a decisão extrema do uso da violência.


Obs: Este artigo foi publicado na Revista Direito Militar, da AMAJME, nº132, Novembro/Dezembro de 2018, pp. 29/32.




NOTAS


[1] Transcrição no acórdão do TJM/SP, 2ª Câm., no Recurso em Sentido Estrito nº 1.237/17 – Rel. Juiz Cel Avivaldi Nogueira Junior – J. 6.7.17.


[2] ROTH, Ronaldo João. A conclusão do IPM e o reconhecimento da excludente de ilicitude e da coisa julgada. Florianópolis: Revista “Direito Militar”, 114, jul./ago., 2015, p. 7.


[3] ROTH, Ronaldo João. Op. Cit. pp. 10/11.


[4] DESGUALDO, Marco Antônio. Recognição Visuográfica e a Lógica na Investigação Criminal, São Paulo,2006, p.8 Disponível em: http://tmp.mpce.mp.br/orgaos/CAOCRIM/pcriminal/ Acesso em: 20 de novembro de 2018.



Maurício Bijarta Ferraioli é Capitão da Polícia Militar, Chefe da Polícia Judiciária Militar do 3º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano do Estado de São Paulo; títulos (bacharel em Segurança Pública pela Academia de Polícia Militar do Barro Branco; bacharel em Direito pela Universidade Cruzeiro do Sul, UNICSUL; pós-graduado lato senso em Ciências Jurídicas na UNICSUL).

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