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  • Rodrigo Foureaux

Posição do STF sobre processos de perda de posto e graduação

Supremo Tribunal Federal pacifica que cabe ao tribunal competente, mediante processo específico, julgar a perda do posto dos oficiais ou da graduação das praças nos crimes militares e que não cabe a concessão de reforma a militar julgado inapto a permanecer nas fileiras da corporação.


Em 08 de junho de 2020 o Supremo Tribunal Federal apreciou o tema 358 da repercussão geral e fixou a seguinte tese:


A competência constitucional do tribunal para decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças é específica, nos termos do artigo 125, § 4º, não autorizando a concessão de reforma de policial militar julgado inapto a permanecer nas fileiras da corporação.


As teses fixadas pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento de Recurso Extraordinário repetitivo vinculam os juízes e os tribunais, isto é, todo o Poder Judiciário fica obrigado a decidir de acordo o entendimento fixado pela Suprema Corte (art. 927, III, do CPC).


O descumprimento das teses fixadas pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento de Recurso Extraordinário repetitivo enseja a reclamação prevista no art. 988, IV, do Código de Processo Civil, após o esgotamento dos recursos cabíveis perante as instâncias ordinárias (art. 988, § 5º, II, do CPC).


Essa tese foi fixada na análise de um caso em que um militar do Mato Grosso do Sul foi condenado em primeira instância à perda do cargo público, por ter praticado concussão e prevaricação e a decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul. Contudo, no Supremo Tribunal Federal1 o recurso foi parcialmente provido para determinar que o militar fosse submetido a um julgamento perante o tribunal de justiça em um procedimento próprio, em razão do disposto no art. 125, § 4º, da Constituição Federal.


Em razão disso, a Procuradoria-Geral de Justiça do Mato Grosso do Sul representou perante o Tribunal de Justiça do Estado pela perda da graduação da praça e sua exclusão dos quadros da Polícia Militar Sul Mato-grossense, sendo a representação julgada parcialmente procedente para reformar o militar com proventos proporcionais ao tempo de serviço, uma vez que a conduta do militar ofendeu o decoro da classe e o pundonor policial militar, mas, por mais de vinte anos de atividade na corporação não registrava sanções disciplinares e constavam em favor dos militares inúmeros elogios e medalhas em razão dos serviços prestados.


Para conceder a reforma à praça o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul aplicou analogicamente o art. 16, II, da Lei Estadual n. 105, de 1º de julho de 1980, que prevê a possibilidade de determinar a reforma de oficial que for condenado criminalmente e o art. 13, IV, “b”, do Decreto Estadual n. 1.261/81, que dispõe sobre a reforma da praça a bem da disciplina pelo Comandante-Geral da Corporação.


A Constituição Federal assegura que nos crimes militares, a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças, será julgada pelo tribunal competente, o que deve ocorrer mediante processo específico que se destina a esse fim e não no bojo do processo judicial.2


Em se tratando de condenação por crime comum, ainda assim, para os oficiais, a perda do posto e da patente deve ser julgada por tribunal militar onde houver (MG, SP e RS) e pelo tribunal de justiça comum nos demais estados. Para as praças, nos crimes comuns, é possível a decretação da perda do cargo e da graduação pelo juiz de primeira instância.3


Para maiores aprofundamentos sugiro a leitura dos seguintes textos de nossa autoria: “A impossibilidade de juízes condenarem Oficiais das Instituições Militares à perda do posto e da patente” e “Juiz de primeira instância pode condenar militares estaduais que sejam praças à perda do cargo público?”.


Feita essa explanação inicial, passamos a explicar o que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal ao fixar a tese de que “A competência constitucional do tribunal para decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças é específica, nos termos do artigo 125, § 4º, não autorizando a concessão de reforma de policial militar julgado inapto a permanecer nas fileiras da corporação”.


O primeiro ponto refere-se à competência constitucional específica do tribunal em decidir pela perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças nos crimes militares, nos termos do art. 125, § 4º, da Constituição Federal.


No inteiro teor do voto vencedor do Ministro Alexandre de Moraes no Recurso Extraordinário n. 601.146, julgado em 08/06/2020, consta que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu a possibilidade de perda de graduação das praças das policias militares em virtude de decisão do Tribunal competente, mediante procedimento específico.


A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a possibilidade de perda de graduação dos praças das policias militares em virtude de decisão do Tribunal competente, MEDIANTE PROCEDIMENTO ESPECÍFICO, conforme já definido por esta CORTE:


EMENTA: Praças da Polícia Militar estadual: perda de graduação: exigência de processo específico pelo art. 125, § 4º, parte final, da Constituição, não revogado pela Emenda Constitucional 18/98: caducidade do art. 102 do Código Penal Militar. O artigo 125, § 4º, in fine, da Constituição, de eficácia plena e imediata, subordina a perda de graduação dos praças das policias militares à decisão do Tribunal competente, mediante procedimento específico, não subsistindo, em conseqüência, em relação aos referidos graduados o artigo 102 do Código Penal Militar, que a impunha como pena acessória da condenação criminal a prisão superior a dois anos. A EC 18/98, ao cuidar exclusivamente da perda do posto e da patente do oficial (CF, art. 142, VII), não revogou o art. 125, § 4º, do texto constitucional originário, regra especial nela atinente à situação das praças. (RE 358.961, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, DJ de 12 /3/2004)


No voto consta ainda que:


A previsão constitucional do art. 125, § 4º, da Constituição Federal, portanto, afastou a incidência do artigo 102 do CPM em relação aos policiais militares, pois definiu a competência do Poder Judiciário Estadual, especificamente, para decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças no campo judicial, não alterando ou substituindo as demais competências administrativas.


O art. 102 do Código Penal Militar prevê que “A condenação da praça a pena privativa de liberdade, por tempo superior a dois anos, importa sua exclusão das fôrças armadas.”


Uma simples leitura do dispositivo permite afirmar que não se aplica às forças militares estaduais, por não serem mencionadas no art. 102 do CPM e por ser vedada analogia em prejuízo do réu no direito penal.


Independentemente, dessa discussão, o Supremo Tribunal Federal pacificou que o art. 102 do Código Penal Militar não foi recepcionado pela Constituição em relação aos militares estaduais, por ser necessário, em vista do disposto no art. 125, § 4º, da Constituição Federal, um procedimento próprio.


É no procedimento próprio para a perda do posto ou da graduação que será analisado todo o histórico funcional do militar, o número de recompensas e punições durante toda a vida profissional, as circunstâncias em que o crime que foi praticado ocorreu, a repercussão disso em âmbito institucional e perante a sociedade. Há uma série de análises que são impróprias para serem decididas no bojo do processo judicial, razão pela qual exige-se, nos crimes militares, em razão de previsão constitucional, que seja instaurado um procedimento próprio.


Quando a Constituição Federal menciona que cabe ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças diz que essa perda deve ser analisada em procedimento próprio, pois a finalidade é realizar toda uma análise, conforme acima explicado, e se fosse possível condenar em segunda instância sem que houvesse um procedimento próprio criaria uma situação inusitada e absurda de exigência de recurso da sentença para que o tribunal decida sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. A instauração de um procedimento próprio pode ocorrer ainda que não haja recurso da sentença, mediante representação do Ministério Público perante o tribunal competente.


Portanto, o primeiro ponto pacificado consiste na necessidade de um procedimento próprio perante o tribunal competente para que oficiais e praças, nas condenações perante a justiça militar, percam o posto e a graduação. Vejamos, novamente, a tese fixada pelo STF no Recurso Extraordinário n. 601.146, julgado em 08/06/2020.


A COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL DO TRIBUNAL PARA DECIDIR SOBRE A PERDA DO POSTO E DA PATENTE DOS OFICIAIS E DA GRADUAÇÃO DAS PRAÇAS É ESPECÍFICA, NOS TERMOS DO ARTIGO 125, § 4º, não autorizando a concessão de reforma de policial militar julgado inapto a permanecer nas fileiras da corporação”.


O segundo ponto trata dos limites que podem ser decididos em ação autônoma de perda do posto ou da graduação perante o tribunal competente.


O Supremo Tribunal Federal definiu que não é possível decidir, no procedimento próprio e específico que analisa a perda do posto ou da graduação, questões administrativas e previdenciárias, tais como a reforma do militar.


O fato de ao Poder Judiciário competir, em ação autônoma, a determinação da perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças da Polícia Militar Estadual (CF, art. 125, § 4º) não autoriza a deliberação, nesse mesmo processo, sobre questões administrativas e previdenciárias, tais como a reforma do militar (Recurso Extraordinário n. 601.146, julgado em 08/06/2020).


A Suprema Corte4 assentou que na análise da perda do posto ou da graduação, em ação autônoma, a Constituição não conferiu aos tribunais competência para dispor sobre outras penas arroladas no Código Penal Militar, ou sobre questões administrativas e previdenciárias, que seguem sendo afeitas ao âmbito da corporação.


Dessa maneira, a Constituição não conferiu aos Tribunais competência para dispor sobre outras penas arroladas no Código Penal Militar, ou sobre questões administrativas e previdenciárias, que seguem sendo afeitas ao âmbito da corporação.


O Plenário deste SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL já teve a oportunidade de se pronunciar sobre o art. 125 § 4º, da Constituição Federal, consignando que ele (a) não restringiu a competência da Administração Pública de gerir seu corpo de pessoal; (b) não outorga ao Poder Judiciário a aplicação de sanções disciplinares administrativas. Nesse sentido:


Ementa: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. JURISPRUDÊNCIA PACIFICADA NO SENTIDO DO ACÓRDÃO PARADIGMA. PRAÇA DA POLÍCIA MILITAR. PERDA DA GRADUAÇÃO. SANÇÃO ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL. ART. 125, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA CONHECIDOS E PROVIDOS PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. I – A jurisprudência deste Tribunal acerca da interpretação do art. 125, § 4º, da Constituição pacificou-se no sentido do aresto paradigma indicado pelo embargante – RE 197.649/SP, Plenário –, segundo o qual o aludido dispositivo constitucional não restringiu a tarefa da Administração Pública de gerir o seu próprio corpo de funcionários; desse modo, não afastou a competência administrativa do Comandante da Polícia Militar para repreender, advertir ou expulsar os policiais militares incursos em falta grave. II – A Justiça Militar estadual tem competência para decidir a respeito da perda da graduação dos praças apenas como pena acessória de crime de sua respectiva competência, sendo-lhe estranha a aplicação de sanção disciplinar administrativa. III – Embargos de divergência conhecidos e providos para negar provimento ao recurso extraordinário. (RE 140.466 ED-EDv, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, DJ de 25/11/2015)


A reforma do militar, por ser questão estranha ao processo autônomo de perda de posto ou graduação do militar, está fora do âmbito de competência atribuído pela Constituição Federal, no art. 125, § 4º, ao Poder Judiciário.


Na hipótese em que o tribunal competente decide por questão diversa da perda do posto ou da graduação, como a reforma do militar, em procedimento próprio e específico (ação autônoma) ofende o art. 125, § 4º, da Constituição Federal e o princípio da separação de poderes, por interferir em questão administrativa, que é própria da Corporação.


Vejamos, novamente, a tese fixada pelo STF no Recurso Extraordinário n. 601.146, julgado em 08/06/2020.


A competência constitucional do tribunal para decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças é específica, nos termos do artigo 125, § 4º, NÃO AUTORIZANDO A CONCESSÃO DE REFORMA DE POLICIAL MILITAR JULGADO INAPTO A PERMANECER NAS FILEIRAS DA CORPORAÇÃO.


O art. 125, § 4º, da Constituição Federal dispõe que cabe ao tribunal competente decidir, nos crimes militares, sobre a PERDA – e não reforma do militar - do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.


Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.

§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, CABENDO AO TRIBUNAL COMPETENTE DECIDIR SOBRE A PERDA DO POSTO E DA PATENTE DOS OFICIAIS E DA GRADUAÇÃO DAS PRAÇAS. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)


Em Minas Gerais, o Estatuto dos Militares – Lei n. 5.301/69 – prevê no art. 16, II, § 2º, que o Tribunal de Justiça Militar pode ao reconhecer a indignidade para o oficialato determinar a reforma do oficial.


Art. 16 – O Oficial somente perderá o posto ou patente nos seguintes casos:

I – Em virtude de sentença condenatória restritiva da liberdade individual, por mais de 2(dois) anos e passada em julgado;

II – quando declarado indigno do oficialato ou com ele incompatível, em face de incapacidade moral ou profissional, pelo Tribunal de Justiça Militar, em tempo de paz, ou por tribunal especial, em tempo de guerra;

III – quando demitido, nos termos da legislação vigente.

§ 1º – A declaração de indignidade ou incompatibilidade referida no item II do artigo proceder-se-á através de processo especial, iniciando-se pelo Conselho de Justificação, nos termos da legislação própria.

§ 2º – O tribunal referido no item II do artigo poderá determinar a reforma do oficial no posto por ele ocupado, com os vencimentos proporcionais ao seu tempo de serviço, nos termos da legislação própria.


O Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário n. 601.146, julgado em 08/06/2020 ao fixar a tese que prevê que o art.125, § 4º, não autoriza a concessão de reforma de policial militar julgado inapto a permanecer nas fileiras da corporação não distinguiu a situação de oficiais ou praças, nem se essa possibilidade existe se houver previsão expressa em lei, sem necessidade de se recorrer à analogia, contudo os fundamentos apresentados no voto vencedor permitem afirmar que a concessão de reforma para o militar não é possível em nenhuma situação, pois ofende o art. 125, § 4º, da Constituição que prevê a possibilidade do tribunal decretar a perda do posto ou da graduação, sem prever a possibilidade de decretar a reforma do militar, além de ferir o princípio da separação de poderes, por interferir em questão administrativa, que é própria da Corporação.


Portanto, todas as previsões em leis estaduais que permitam a reforma do militar, caso assim entenda o tribunal competente ao julgar processo de perda do posto ou da graduação, não foram recepcionadas pela Constituição, caso sejam anteriores à Constituição Federal (05 de outubro de 1988) ou são inconstitucionais, caso sejam posteriores à entrada em vigor da Constituição.


Conclui-se, portanto, que a Corporação poderá determinar a reforma do militar (Oficial ou Praça), desde que haja previsão em lei, sem necessidade de enviar o processo administrativo disciplinar ao tribunal competente.


Em se tratando de oficiais, a remessa do processo administrativo disciplinar para o tribunal competente somente é necessária caso a Corporação objetive a decretação da perda do posto e da patente (art. 142, § 3º, VI, da CF), pois a reforma do oficial compete, exclusivamente, à Instituição.


No tocante às praças, a Súmula 673 do Supremo Tribunal Federal dispõe que “O art. 125, § 4º, da Constituição não impede a perda da graduação de militar mediante procedimento administrativo”, ou seja, a própria Corporação pode decretar a perda da graduação sem necessidade de envio do processo administrativo ao tribunal competente.


Na hipótese em que a representação pela perda do posto ou da graduação reconhecer a inaptidão para permanecer nas fileiras da Corporação, não cabe ao tribunal reformar o militar por ele não ter mais condições de continuar trabalhando na Corporação, razão pela qual deve determinar a exclusão do militar das fileiras da Corporação.


Dessa forma, o processo de perda do posto ou da graduação perante o tribunal competente pode ter somente dois fins: 1º) procedente para decretar a perda do posto ou da graduação com a consequente demissão do militar das fileiras da Corporação; 2º) improcedente, ocasião em que não será decretada a perda do posto ou da graduação e o militar permanecerá nas fileiras da Corporação. Não é possível que seja julgada parcialmente procedente para determinar a reforma do militar.



Rodrigo Foureaux é Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Foi Juiz de Direito do TJPA e do TJPB. Aprovado para Juiz de Direito do TJAL. Oficial da Reserva Não Remunerada da PMMG. Membro da Academia de Letras João Guimarães Rosa. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva e em Ciências Militares com Ênfase em Defesa Social pela Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Mestrando em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo Instituto de Direito Público. Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes. Autor de livros jurídicos. Foi Professor na Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Palestrante.

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