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  • Roberto Botelho

A extinção da prisão aos militares estaduais (Lei federal n.º 13.967, de 26-12-2019): a impossibilid

Pois bem. Pela oportunidade, nós iremos desenvolver o assunto, que está inserido no título deste artigo, respeitando e apresentando, logicamente, as minhas mais sinceras homenagens a todos os demais Cultores e Cientistas do Direito, que, de repente, se posicionem de forma diversa.


No entanto, registre-se que nós bem sabemos ser um assunto extremamente palpitante e de fôlego, haja vista que, n’um primeiro momento, sói se tem um frio e curto texto d’uma novel lei federal ordinária - a Lei federal n.º 13.967, de 26-12-2019 -, d’entre alguns outros comentos, que, em princípio, não atenderam aos critérios mínimos hermenêuticos, pois que não fizeram uma análise circunstanciada e, nem mesmo, os efeitos nefastos de sua integral execução.


Nada obstante, foi a norma federal retrorreferida que introduziu sérias modificações n’outra lei, também federal - o Decreto-Lei federal n.º 667, de 2-7-1969 -, e que desaguou, por consequência, nas Polícias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares estaduais e distrital; sem dúvidas, estremecendo e colocando sob questão as suas bases sólidas de sustentação, ou seja, a hierarquia e a disciplina, que são muito mais evidentes e presentes nas Instituições Militares brasileiras.


É fato inconteste que a lei federal ordinária, sancionada pelo nosso Presidente da República, tratou de extinguir, sumariamente, a possibilidade de a Administração Pública militar, mesmo após ter observado e cumprido todos os princípios constitucionais, infraconstitucionais e doutrinários, especialmente o do contraditório e o da ampla defesa, poder materializar a aplicação d’uma das sanções administrativo-disciplinares, que já estavam devidamente plasmadas em seus Regulamentos Disciplinares.


Ademais, eis que ela ainda insere a necessidade de criação d’um Código de Ética e Disciplina, que nada mais é do que os seus próprios Regulamentos Disciplinares; d’um tal Conselho de Ética e Disciplina Militar, que poderão ser entendidos como sendo as próprias Comissões Processantes: a Permanente e a Especial, além de prever uma exemplificação de princípios, que deverão ser os observados, tudo como se já não houvesse legislações estaduais e distritais específicas, que cuidam de regular todos os assuntos por ela articulados.


Insere, não menos, a vedação da possibilidade de imposição de medidas que privem ou restrinjam a liberdade dos Militares Estaduais e/ou Distritais.


Ainda não contente, em que pese ela ter entrado em vigor na data de sua publicação, eis que o legislador infraconstitucional fixa um prazo para a sua regulamentação e a sua implementação, que, na forma prescrita pelo caput, do seu art. 3º, estará ao cargo dos respectivos Estados-Membros e do próprio Distrito Federal, cremos que, por intermédio de decreto regulamentar, na pessoa de seus respectivos Governadores.


Sabemos que o decreto regulamentar é um ato administrativo, que Maria Sylvia Zanella di Pietro, em seu Direito Administrativo, 11ª ed., São Paulo: Atlas, 1999, pp. 214-215, o define como sendo:


“... a forma de que se revestem os atos individuais ou gerais, emanados do Chefe do Poder Executivo (Presidente da República, Governador e Prefeito).

Ele pode conter, da mesma forma que a lei, regras gerais e abstratas que se dirigem a todas as pessoas que se encontram na mesma situação (decreto geral) ou pode dirigir-se a pessoa ou grupo de pessoas determinadas. Neste caso, ele constitui decreto de efeito concreto (decreto individual). É o caso de um decreto de desapropriação, de nomeação, de demissão.


Mas, n’um primeiro momento, nós ainda chamamos a atenção de todos os envolvidos com os comportamentos que foram os criados, e que, mesmo de forma meteórica, já estão acima expostos, tendo em vista que a infeliz lei federal ordinária invadiu a competência dos retrorreferidos Estados-Membros e do Distrito Federal, vedando a possibilidade deles se auto-organizarem, indo, por consequência, de encontro ao que está plasmado pelo nosso atual Ordenamento Jurídico constitucional, conforme ainda será exposto, mais à frente.


Portanto, tendo em vista o comportamento que fora o adotado, no que diz respeito à sanção da dita lei federal ordinária que está sob comento, seguramente afirmamos que houve a materialização do rompimento do pacto federativo, este que, doutrinariamente, é reconhecido como sendo o acordo constitucional, administrativo e político, firmado entre os Entes-Federados, e que determina o respeito à autonomia dos mesmos, além de delimitar, constitucionalmente, os campos de atuação, estabelecendo ainda as suas prerrogativas, os seus recursos e as suas responsabilidades para com o cumprimento das funções de Estado, especialmente no que se refere à busca e o atingimento do interesse público federal, estadual, distrital e municipal.


Registre-se, por conseguinte, e como será demonstrado neste artigo, que se não tivesse ocorrido o flagrante vício de inconstitucionalidade, por conta de alteração de cláusula pétrea, por intermédio d’uma mera lei ordinária, tendo em vista que há uma vedação constitucional, ainda ocorreu, sim, uma severa subversão de competência, pois que toda matéria relacionada ao sub-ramo do Direito Administrativo, logicamente que respeitando e atendendo a previsão e a força constitucional, estará sempre distribuída aos Entes-Federados - aos Estados-Membros, ao Distrito Federal e aos Municípios -; portanto, não cabe à União se arvorar e cuidar de legislar sobre estas questões, pois que se tratam, ou seja, dizem respeito mesmo às especificidades regionais.


Sendo assim, este nosso artigo terá a finalidade de discutir e de oferecer seguro aporte e substrato a todos aqueles que se interessem pelo assunto e, especialmente, aos verdadeiros Cultores e Cientistas do Direito, quando estes estiverem tratando de assuntos que possam repercutir e envolver os integrantes das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares do Brasil.


Inclusive, há de se destacar que, quando se tratar de assunto que coloque sob questão o Estado Democrático de Direito, bem como a sua aplicação, ou não, do que está inserto n’uma determinada lei federal ordinária, como é o caso sub análise, eis que ela deverá ser efetivamente espancada e, ato contínuo, fulminada de nosso Ordenamento Jurídico.


Registre-se, também, que este nosso artigo será constitucional, científico e doutrinário.


De qualquer molde, há de se pontuar e registrar que o Brasil possui uma estrutura e uma roupagem d’um Estado federal, e quando se trata de repartição de competência legislativa, todo o Ordenamento Jurídico pátrio, que regular e disser respeito aos Entes-Federados, terá sempre de estar compatibilizado com o que já estiver plasmado na Constituição da República Federativa do Brasil, de 5-10-1988, e, não menos, em suas possíveis alterações, especialmente quando eles estiverem envolvendo os seus fundamentos principiológicos.


Portanto, vamos nós ao desenvolvimento do artigo ora proposto.


Aqui, necessariamente, já há de ser inserido os dispositivos que estão na CRFB-1988, bem como em suas possíveis alterações constitucionais.


Em sendo assim, nós já começaremos pelo caput, do art. 5º, e seu inc. LXI, ambos da CRFB:


Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

...

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;.


Por este atual comando constitucional, vê-se que está devidamente excepcionada, e inserida, a possibilidade de prisão nos casos de transgressão militar, que é exatamente a que nos interessará neste nosso artigo.


Nada obstante, e como a nossa atual CRFB é, ao mesmo tempo, rígida e super-rígida, pois que, independentemente dela poder ser modificada por intermédio d’um processo legislativo específico, ou seja, por tramitação de Emendas Constitucionais, nela nós ainda temos e encontramos certas e específicas situações, que são realmente imutáveis, e que são as doutrinariamente reconhecidas como sendo cláusulas pétreas, que, inclusive, estão previstas pelo caput, do art. 60, § 4º, e incs., todos da mesma CRFB.


No presente momento nos interessa, para o fiel desenvolvimento deste artigo, apenas o inserto no § 4º, e no seu inc. IV, do art. 60, ambos da CRFB:


§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

...

IV - os direitos e garantias individuais.


Neste sentido, e reforçando o nosso entendimento, é André Ramos Tavares, em seu Curso de direito constitucional, 2ª ed., rev. e ampl., São Paulo: Saraiva, 2003, pp. 68-69, quem expõe, e afirma que:


Rigorosamente falando, a Constituição brasileira de 1988 seria exemplo de Constituição super-rígida e rígida, concomitantemente. A ‘super-rigidez’ caracteriza-se pela pretensão de eternidade, pela impossibilidade de alteração. A norma constitucional super-rígida é imutável, perene. A ‘super-rigidez’, contudo, pode ser absoluta (super-rigidez verdadeira) ou temporária (falsa super-rigidez). Exemplo desta última foi a Constituição de 1824, que em seu art. 174 determinou: ‘Se passados quatro anos, depois de jurada a Constituição do Brasil, se conhecer, que algum dos seus artigos merece reforma, se fará a proposição por escrito, a qual deve ter origem na Câmara dos Deputados, e ser apoiada pela terça parte deles’. Sendo a Constituição brasileira rígida, cresce a importância da hermenêutica, já que todas as demais normas jurídicas devem respeito ao disposto nas normas constitucionais (e, portanto, deve-se compreender o que estas determinam). Por isso, no confronto da norma constitucional com as demais espécies normativas, sempre prevalece a norma constitucional. Não prevalece aqui o princípio de que a lei posterior revoga a lei anterior (estatuído, entre nós, pela Lei de Introdução ao Código Civil, que é, nas palavras de MARIA HELENA DINIZ, uma Lei de Introdução às Leis, ou seja, Direito sobre Direito, um conjunto de regras de superdireito). Pelo contrário, lei posterior em confronto com a Constituição será eliminada do ordenamento, pelo vício supremo da inconstitucionalidade.


Ora, veja que foi o próprio legislador constituinte quem decidiu inserir, na atual CRFB, como sendo uma cláusula pétrea, “os direitos e garantias individuais”; portanto, eles são considerados insuscetíveis de Emenda Constitucional.


Destarte, eis que está aqui a demonstração da primeira inconstitucionalidade, tendo em vista que uma lei ordinária, in thesis, de abrangência nacional, vem e ingressa no Ordenamento Jurídico, com o condão de realizar modificações em clausula pétrea, o que realmente é impossível; é, sem dúvida, uma lei federal ordinária inconstitucional.


De qualquer molde, ainda nós teremos de trazer o caput, do art. 22, e o inc. XXI, ambos da CRFB, na forma da redação introduzida pela Emenda Constitucional n.º 103, de 12-11-2019:


Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

...

XXI - normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação, mobilização, inatividades e pensões das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares;.


Ora, está deveras cristalino o comando constitucional, ou seja, é privativa a competência da União para legislar sobre normas gerais, não havendo, em princípio e grosso modo, qualquer possibilidade d’outros Entes-Federados tracejarem as preditas normas gerais.


Contudo, nós registramos que poderá até ser que haja algum entendimento diverso, no que diga respeito e se refira a serem ou não normas gerais.


No entanto, nós bem entendemos que as normas gerais sempre terão de apresentar um conteúdo mínimo, a fim de que a União, n’um ou n’outro caso específico, como está efetivamente ocorrendo com a predita lei federal ordinária, e que é o objeto de estudo neste nosso artigo, não invada as competências que estejam reservadas aos demais Entes-Federados, ou seja, aos Estados-Membros, ao Distrito Federal e aos Municípios.


Aproveitando da oportunidade, nós trazemos e apresentamos os ensinos de Celso Antônio Bandeira de Mello, em seu artigo O conceito de normas gerais no direito constitucional brasileiro, que está no Interesse Público ‐ IP, Belo Horizonte, ano 13, n.º 66, mar./abr. de 2011, tendo em vista que ele discorre, ainda com clara precisão, que:


Ninguém duvida que são normas gerais as que estabelecem diretrizes, que firmam princípios, que modelam apenas o suficiente para identificar a tipicidade de um instituto jurídico ou de um objeto legislado, conferindo-lhe um tratamento apenas delineador da compostura de seu regime, sem entrar em particularidades, minúcias ou especificações peculiarizadoras. Deveras, tanto é claro que a mera fixação de um perfil normativo lato responde a uma norma geral quanto é claro que qualquer especialização regulatória includente de situações particulares em princípio refoge ao caráter de norma geral. A consideração casuística, o tratamento individualizador, a nominação personalizadora, constituem-se na antítese da norma geral.


Para podermos firmar o entendimento, e esclarecer os possíveis questionamentos, nós já afiançamos que, dentro das competências constitucionais da União, estarão sempre presentes as competências legislativas exclusivas e, também, as competências legislativas privativas.


As primeiras - as competências legislativas exclusivas -, que estão previstas no art. 21, incs. e alíneas, todos da CRFB, não poderão, de molde algum, ser delegadas, ou seja, são elas todas realmente indelegáveis.


Já as segundas - as competências legislativas privativas -, que estão contempladas no art. 22, incs. e parágrafo único, todos da CRFB, poderão ser delegadas aos Estados-Membros, desde que haja autorização legislativa específica, e que a predita autorização se concretize, ou seja, se materialize por intermédio d’uma lei complementar.


Continuando, é José Afonso da Silva, em seu Curso de direito constitucional positivo, 22ª ed., rev., e atual., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 477, quem nos ensina que:


A nossa Constituição adota esse sistema complexo que busca realizar o equilíbrio federativo, por meio de uma repartição de competências que se fundamenta na técnica da enumeração dos poderes da União (arts. 21 e 22), com poderes remanescentes para os Estados (art. 25, § 1°) e poderes definidos indicativamente para os Municípios (art. 30), mas combina, com essa reserva de campos específicos (nem sempre exclusivos, mas apenas privativos), possibilidades de delegação (art. 22, parágrafo único), áreas comuns em que se prevêem atuações paralelas da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 23) e setores concorrentes entre União e Estados em que a competência para estabelecer políticas gerais, diretrizes gerais ou normas gerais cabe à União, enquanto se defere aos Estados e até aos Municípios a competência suplementar.


Ressalte-se que, caso contrário, o exercício desta competência, pelos Estados-Membros, será mesmo declarada inconstitucional.


Prosseguindo, e para oferecer uma estrutura didático-legal ao nosso artigo, há de ser inserido, também, o caput, do art. 42, e seu § 1º, ambos da CRFB, com as redações oferecidas pelas Emendas Constitucionais n.ºs 18, de 5-2-1998 e 20, de 15-12-1998, respectivamente:


Art. 42. Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

§ 1º Aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14, § 8º; do art. 40, § 9º; e do art. 142, §§ 2º e 3º, cabendo a lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3º, inciso X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelos respectivos governadores.


Vê-se que o legislador constitucional derivado, quando da alteração do retrorreferido § 1º, do art. 42, da CRFB, já deixou muito bem clara a competência para o exercício da atividade legislativa, inclusive, com extrema tranquilidade, que até nos salta aos olhos, tendo em vista que caberá à legislação estadual cuidar de tracejar os ditos comandos, especialmente no que disser respeito ao previsto pelo inc. X, do § 3º, do art. 142, da CRFB, ele que fora incluído por intermédio da Emenda Constitucional n.º 18, de 5-2-1998:


..a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra.


Ora, nós bem sabemos que o Decreto-Lei federal n.º 667, de 2-7-1969, que “Reorganiza as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, dos Território e do Distrito Federal, e dá outras providências”, foi e está devidamente recepcionado pela nossa CRFB/1988, e recebeu, presentemente, o status d’uma lei complementar, posto tratar sobre a competência, a estrutura e a organização, a instrução e o armamento, a justiça e a disciplina, os direitos e as obrigações dos integrantes das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares estaduais e distrital.


No entanto, nós ainda temos de afirmar, diga-se que, de forma categórica, mesmo que neste brevíssimo artigo, que a redação conferida pela Lei federal n.º 13.967, de 26-12-2019, que “Altera o art. 18 do Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969, para extinguir a pena de prisão disciplinar para as polícias militares e os corpos de bombeiros militares dos Estados, dos Territórios e do Distrito Federal, e dá outras providências”, extrapolou, e muito, em todos os seus possíveis limites, ou seja, d’uma determinada norma geral.


Ela invade, sem quaisquer composturas, certas e específicas nuanças, afastando, assim, toda e qualquer espécime de possibilidade de cada uma das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares estaduais e distrital se auto-organizar, logicamente que por intermédio de suas competentes legislações estaduais e distrital.


Vejam que, conforme está inserido no aporte deste artigo e, em especial, pelo disposto no caput, do art. 18, e seu inc. VII, do alterado Decreto-Lei federal n.º 667, de 2-7-1969, ainda terá de ser criado, também, um certo Código de Ética e Disciplina, e um tal Conselho de Ética e Disciplina Militar, sendo certo que ainda está vedada qualquer possibilidade de imposição de sanções administrativo-disciplinares, que tenham e/ou que possuam a característica de ser ou de ter a privação e/ou a restrição de liberdade.


É fato que nós acompanhamos a tramitação, e sabemos que a novel lei federal ordinária, por si só, que altera o Decreto-Lei federal n.º 667, de 2-7-1969, teve origem no Projeto de Lei n.º 7.645, apresentado em 3-6-2014, sendo de iniciativa dos deputados federais Subtenente Gonzaga, do PDT/MG, e Jorginho Mello, do PR/SC, e que foi transformado no Projeto de Lei da Câmara n.º 148, em 1º-10-2015.


Também há de se registrar que, desde o início, a proposta já visava a extinção de sanções administrativo-disciplinares, ou seja, de penalidades que resultassem em privação e/ou em restrição de liberdade.


Aqui, e apenas para facilitar a consulta, nós cuidaremos de inserir o texto legal, que está sob comento:


Art. 1º Esta Lei altera o Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969, que reorganiza as polícias militares e os corpos de bombeiros militares dos Estados, dos Territórios e do Distrito Federal.


Art. 2º O art. 18 do Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969, passa a vigorar com a seguinte redação:


Art. 18. As polícias militares e os corpos de bombeiros militares serão regidos por Código de Ética e Disciplina, aprovado por lei estadual ou federal para o Distrito Federal, específica, que tem por finalidade definir, especificar e classificar as transgressões disciplinares e estabelecer normas relativas a sanções disciplinares, conceitos, recursos, recompensas, bem como regulamentar o processo administrativo disciplinar e o funcionamento do Conselho de Ética e Disciplina Militares, observados, dentre outros, os seguintes princípios:

I - dignidade da pessoa humana;

II - legalidade;

III - presunção de inocência;

IV - devido processo legal;

V - contraditório e ampla defesa;

VI - razoabilidade e proporcionalidade;

VII - vedação de medida privativa e restritiva de liberdade’.


Art. 3º Os Estados e o Distrito Federal têm o prazo de doze meses para regulamentar e implementar esta Lei.


Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.


Aproveitando o desenvolvimento do assunto e, ainda, dentro do que vamos discorrer, nós buscamos Friedrich Carl von Savigny, conceituado jurista alemão do século XIX, pois que foi ele quem cuidou de estabelecer um sistema interpretativo, sendo certo que deles, aqui e pela oportunidade, há de ser trazer à colação o método teleológico ou finalista, tendo em vista ser ele mesmo quem está diretamente envolvido da busca da finalidade específica da norma, superando-se, por consequência, a realidade escrita da norma, baseando-se por certos e específicos princípios.


Sendo assim, e fixando-se n’uma análise teleológica ou finalista, sói se poderá concluir, pelo que foi nela inserido, que está presente uma tremenda carga pessoal e, notadamente, com o mais expressivo e rigoroso viés político-eleiçoeiro, que não poderá e nem mesmo deverá prosperar, sob pena de causar gravames irreversíveis para as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares estaduais e distrital.


Além disso tudo, ainda é o caput, do art. 142, e seu § 2º, ambos da CRFB, que assim dispõem:


Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

...

§ 2º Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares.


Ainda aqui, vê-se que há extrema clareza no inserido § 2º, do art. 142, da CRFB, devendo ser destacado que o retro inserido dispositivo constitucional cuidou de suprir, no caso dos Militares Federais, Estaduais e Distritais, a omissão presente e que havida no inc. LXVIII, do art. 5º, da CRFB:


“conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;


Temos de destacar que o objetivo central deste nosso artigo é sempre a garantia absoluta de respeito a hierarquia e a disciplina, pois que são eles institutos e valores reconhecidamente inafastáveis das Organizações Militares, federais, estaduais e distritais.


Registre-se, também pela oportunidade, o disposto pelo caput, do art. 144, inc. V, e §§ 5º e 6º, todos da CRFB, com todas as alterações que foram as introduzidas pela Emenda Constitucional n.º 104, de 4-12-2019:


Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

...

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

...

§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

...

§ 6º As polícias militares e os corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército subordinam-se, juntamente com as polícias civis e as polícias penais estaduais e distrital, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.


Nada obstante, e com a extinção sumária da possibilidade de aplicação das sanções administrativo-disciplinares, que possuíam a finalidade de privar ou de restringir a liberdade de seus integrantes e, ainda, com a extinção dos atuais Regulamentos Disciplinares, das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares estaduais e distrital, inexoravelmente já podemos afirmar que estão sendo criadas 2 (duas) categorias distintas de Militares, ou seja, nós teremos os Militares Federais e os Militares Estaduais/Distritais, o que vai mesmo de encontro ao previsto na CRFB/1988.


Note-se que os Militares Federais e os Militares Estaduais/Distritais estão sob o mesmo regime disciplinar; no entanto, para as Forças Armadas vigem as penas privativas e restritivas de liberdade e, também, os seus Regulamentos Disciplinares; mas para as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares estaduais/distrital, elas já foram e estão extintas, ou seja, não há mais qualquer possibilidade de ocorrer as suas aplicações, além de ter sido criado, conforme inserido algures, um denominado Código de Ética e Disciplina, além d’um tal Conselho de Ética e Disciplina Militar.


Nós temos o conhecimento de que, no Estado de Minas Gerais, já está criado o malfadado Código.


Ora, nós ainda cuidamos de indicar o tracejado pelo § 6º, do art. 144, da CRFB, posto ser ele mesmo quem nos resolve a questão, ou seja, é ele quem impõe a real impossibilidade de sobrevida da predita lei federal ordinária, tendo em vista fixar, tranquilamente e com todas as letras, que as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares estaduais/distrital são forças auxiliares e reserva do Exército e, ainda, que eles se subordinam aos seus respectivos Governadores dos Estados, e do Distrito Federal.


Portanto, aqui está a segunda inconstitucionalidade, tendo em vista que uma lei federal ordinária, in thesis nacional, já ingressou no Ordenamento Jurídico, contrariando o princípio da legalidade, e materializou as mais sérias modificações em institutos que são de competência dos Estados-Membros e do Distrito Federal, o que realmente é impossível, pois que ela somente poderia, se fosse o caso, cuidar de tracejar as normas gerais, e não as normas específico-procedimentais.


Aqui, e sobre o princípio da legalidade, trazemos Diogenes Gasparini, que, em seu Direito administrativo, 11ª ed., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 8, assim o conceitua:


O princípio da legalidade significa estar a Administração Pública, em toda a sua atividade, presa aos mandamentos da lei, deles não se podendo afastar, sob pena de invalidade do ato e responsabilidade de seu autor. Qualquer ação estatal sem o correspondente calço legal, ou que exceda ao âmbito demarcado pela lei, é injurídica e expõe-se a anulação. Seu campo de ação, como se vê, é bem menor que o do particular.


Também sobre o princípio da legalidade, ainda é Hely Lopes Meirelles, em seu Direito administrativo brasileiro, 36ª ed., São Paulo: Malheiros, 2010, p. 89, quem o conceitua do seguinte molde:


A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.


De qualquer molde, e conforme já apontamos, eis que estão presentes os mais nítidos vícios de inconstitucionalidade na Lei federal n.º 13.967, de 26-12-2019, sendo certo que os seus destinatários finais são mesmo os Estados-Membros e o Distrito Federal.


Entretanto, ainda é a própria CRFB/1988 quem colaciona as autoridades que poderão propor a Ação Direta de Inconstitucionalidade, na forma do caput, do art. 103, inc. V, ambos da CRFB, na redação dada pela Emenda Constitucional n. 45, de 8-12-2004:


Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:

...

V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;


A Ação Direta de Inconstitucionalidade tem por finalidade específica fazer com que o Supremo Tribunal Federal declare que uma determinada lei, ou até mesmo parte dela, é inconstitucional, ou seja, que ela está em desconformidade com a própria Constituição, aqui, com a nossa CRFB.


No caso específico, e que está sub exame, ou seja, com referência a flagrante inconstitucionalidade da Lei federal n.º 13.967, de 26-12-2019, que além de modificar cláusula pétrea, ainda desceu a detalhes específico-procedimentais, deixando de lado a possibilidade constitucional de tracejar comandos, apenas e tão somente, sobre as normas gerais e, portanto, invadindo as competências d’outros Entes-Federados - dos Estados-Membros e do Distrito Federal -; por consequência, vemos que terá de ser utilizado o controle concentrado de constitucionalidade, ou seja, deverá ser atacada, diretamente, o próprio texto integral da lei federal ordinária.


Deverá ser buscada, também, a imediata suspensão de sua aplicação, pois que os gravames de sua plena execução serão realmente desastrosos para as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares estaduais/distrital, causando o comprometimento de suas vigas mestras de sustentação, ou seja, a hierarquia e a disciplina, conforme já tratamos alhures.


Ademais, ainda que pela oportunidade, há de se trazer Jorge Miranda, que em seu Manual de direito constitucional, Coimbra: Coimbra Ed., 2001, pp. 273-274, sempre com extrema precisão, discorre sobre a constitucionalidade e sobre a inconstitucionalidade, asseverando que elas sempre estarão atreladas aos conceitos de relação, do seguinte molde:


... a relação que se estabelece entre uma coisa - a Constituição - e outra coisa - um comportamento - que lhe está ou não conforme, que com ela é ou não compatível, que cabe ou não no seu sentido.


É de se afirmar, também pela oportunidade, que a ideia de conformidade ou desconformidade é realmente incompleta.


Mas nós ainda destacamos que a constitucionalidade poderá não estar ligada, apenas e tão somente, aos critérios materiais, ou seja, se ela está ou não em conflito com determinados artigos da Constituição; mas, ainda aos critérios formais, ou seja, se uma determinada norma foi ou não editada por autoridade competente, e respeitando o que a própria Constituição determina, o que é o caso sub exame, em nosso artigo.


Para Paulo Bonavides, em seu Curso de direito constitucional, 13ª ed., rev., e atual., São Paulo: Malheiros, 2003, pp. 297-299, os controles formais e os controles materiais serão, respectivamente:


O controle formal é, por excelência, um controle estritamente jurídico. Confere ao órgão que o exerce a competência de examinar se as lei foram elaboradas de conformidade com a Constituição, se houve correta observância das formalidades estatuídas, se a regra normativa não fere uma competência deferida constitucionalmente a um dos poderes, enfim, se a obra do legislador ordinário não contravém preceitos constitucionais pertinentes à organização técnica dos poderes ou às relações horizontais e verticais desses poderes, bem como dos ordenamentos estatais respectivos, como sói acontecer nos sistemas de organização federativa do Estado.

...

O controle material de constitucionalidade é delicadíssimo em razão do elevado teor de politicidade de que se reveste, pois incide sobre o conteúdo da norma. Desce ao fundo da lei, outorga a quem o exerce competência com que decidir sobre o teor e a matéria da regra jurídica, busca acomodá-la aos cânones da Constituição, ao seu espírito, à sua filosofia, aos seus princípios políticos fundamentais.


Realmente a lei federal ordinária está eivada de nulidade, posto a sua inconstitucionalidade formal e material e, portanto, terá de ser fulminada, diga-se que, imediatamente, e por decisão que venha do Supremo Tribunal Federal.


Mas, ainda continuando, nós também nos permitimos em chamar a cátedra de Celso Seixas Ribeiro Bastos, pois que, em seu Curso de direito constitucional, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 1986, p. 51, ele expõe que:


... o controle de constitucionalidade das leis consiste no exame da adequação das mesmas à Constituição, tanto de um ponto de vista formal quanto material.


Por fim, neste nosso meteórico artigo, eis que ainda nos vem Alexandre de Moraes, com o seu Direito constitucional, 9ª ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 559, e faz a apresentação do seguinte entendimento sobre a questão sub exame:


... controlar a constitucionalidade significa verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou ato normativo com a Constituição, verificando seus requisitos formais e materiais.


Apenas para cuidar de facilitar a consulta e robustecer o nosso artigo, há de ser ainda inserido o caput, do art. 102, inc. I, e alínea “a”, todos de nossa CRFB, com a redação introduzida pela Emenda Constitucional n.º 3, de 17-3-1993, tendo em vista ser exatamente aqui que encontra assento a Ação Direta de Inconstitucionalidade:


Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;


Como não poderia deixar de fazê-lo, ainda há de ser citada a Lei federal n.º 9.868, de 10-11-1999, pois, em sua ementa, está expressa que é ela mesma quem “Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.


Ademais, também a título de registro, nós apontamos que são os arts. 169 ao 178, do atual Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, que regem a tramitação da declaração de inconstitucionalidade de lei.


Por todo o exposto, nós cremos que tenha ficado claro o desenvolvimento do tema, que foi o proposto no aporte deste artigo.


De qualquer molde, nós ainda bem sabemos que é necessária a imediata arguição de inconstitucionalidade da Lei federal n.º 13.967, de 26-12-2019, e que ela estará ao cargo, n’um primeiro momento, dos Governadores dos Estados e do Distrito Federal, tendo em vista as modificações que foram por ela introduzidas.


Está presente, e é premente as razões para ser proposta a Ação Direta de Inconstitucionalidade, buscando a paralização da aplicação dos termos da predita lei federal ordinária, haja vista não se prender, apenas e tão somente, no excesso de exercício de competência para legislar sobre as questões regionais, pois que elas são mesmo dos Estados-Membros e do Distrito Federal, mas, também, sobre o fato dela, ao seu bel prazer, ter adentrado e modificado o que já está devidamente petrificado pela nossa CRFB, o que consideramos ser gravíssimo.


Houve, portanto, o comprometimento do Ordenamento Jurídico, por se tratar de cláusula pétrea e pela invasão de competência, sendo certo que, por consequência, não há qualquer possibilidade d’uma sobrevida da já retrorreferida lei federal ordinária, que é o objeto deste nosso artigo.


Sendo assim, nós efetivamente desenvolvemos ao que nos propusemos, e atendemos ao teor constitucional, científico e doutrinário do artigo.


E é exatamente como entendemos.



Roberto Botelho é Tenente-Coronel na Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo - PMESP; Advogado inscrito na Seccional de São Paulo; Mestre e Doutor em Direito do Estado - sub-ramo: Direito Constitucional -, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP; Professor nos Cursos de pós-graduação lato sensu na Escola Paulista de Direito - EPD -, e na Faculdade Autônoma de Direito - FADISP -, que integra o Centro de Ensino Nossa Senhora de Fátima - CENSFA -, pertencente ao Grupo José Alves - GJA -, ambas localizadas na Cidade de São Paulo/SP, e Professor em Cursos de Especialização em Administração Pública no Instituto Brasil de Inteligência em Administração Pública - IBRAP -, localizado na Cidade de Ribeirão Preto/SP; autor de trabalhos publicados e, presentemente, para a obtenção do Título de Livre-Docente, desenvolve Tese com o tema “A intervenção da autoridade de polícia administrativa no contexto do estado democrático de direito, com os seus reflexos na ordem econômica, em face do princípio da reprovabilidade social”, que será apresentada e defendida perante a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP.

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