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  • Rodrigo Iennaco

A revisão do arquivamento do inquérito policial na nova estrutura processual penal brasileira – prim

No dia 23 de janeiro de 2020, entrarão em vigor as normas penais e processuais penais introduzidas e alteradas pela Lei 13.964/2019. Como já consignamos em abordagem inicial sobre tema correlato[1], haverá impactos significativos no cotidiano forense, e também na metodologia e instrumentos de administração da justiça criminal, além dos reflexos próprios da sucessão de leis penais e processuais no tempo. Questão relevantíssima, no plano teórico e na praxe forense, é a referente ao arquivamento do inquérito policial (e de outros procedimentos de investigação criminal), inclusive para se definir a situação dos expedientes investigatórios em curso, com registro inicial nos sistemas do Poder Judiciário e pendentes de conclusão em prazo dilatado, mercê de eventual irregularidade passível da sanção de nulidade, e ora prevista no art. 3º-D, do CPP, com referência expressa aos atos disciplinados nos arts. 4º e 5º do CPP.


Isso porque o exercício da função de garantia, na fase investigativa que incorpora inclusive o juízo de recebimento/rejeição da denúncia, afasta o magistrado que controla a legalidade da investigação do juízo de mérito, próprio da instrução, como causa de impedimento apta a excepcionar a regra de competência que define o juiz natural.


No modelo brasileiro por inaugurar-se, não temos um juízo de instrução preliminar, nem a figura de um juiz presidente da investigação. Ao contrário, o texto faz referência expressa à estrutura acusatória (art. 3º-A, do CPP) da persecução penal e aproxima a polícia investigativa do titular da ação penal, abolindo o controle anômalo do direcionamento e do resultado negativo da atividade investigativa, notadamente quanto ao controle substancial do arquivamento do inquérito policial. Por outro lado, ao Juiz de Garantias, como controlador da legalidade da investigação – controle este realizado, difusamente, no momento da rejeição ou do recebimento da denúncia – atribui-se a salvaguarda de direitos individuais alçados à condição de inviolabilidades constitucionais, que só admitam restrição pela via da reserva de jurisdição, nos termos da competência legalmente prevista nos incisos do art. 3º-B – aqui sim, na concomitância temporal da realização dos atos típicos de investigação, tendentes à reunião de provas sobre infração penal verificada.


Não obstante o estabelecimento dessa função de controle da legalidade da investigação, conferida, em termos gerais, ao Juiz de Garantias, deve-se observar que o inciso VIII do art. 3º-B do CPP limita o controle da dilação de prazo da investigação aos inquéritos policiais “estando o investigado preso”, havendo, portanto, a implementação da tramitação direta de inquéritos policiais nos casos de investigado solto, e até mesmo nos casos de investigado preso em que a investigação prescinda de dilação de prazo, porque concluída no tempo regular. Com efeito, é a análise sistemática dos parágrafos 2º e 3º do art. 3º-C, em confronto com o art. 3º-B, em especial o seu inciso VIII, revela que os autos de inquéritos policiais com investigado solto (bem assim dos de investigado preso, porém na vigência do prazo regular para conclusão, sem necessidade de dilação judicial) não se submetem ao Judiciário para fins de dilação, tramitando, portanto, diretamente entre Polícia e Ministério Público (razão pela qual a instauração de qualquer investigação criminal é simplesmente comunicada ao Juiz de Garantias, nos termos do art. 3º-B, inciso , do CPP. Se não houver necessidade de dilação de prazo, ou se se tratar de inquérito com investigado solto, em qualquer hipótese, os autos do procedimento investigatório criminal (inquérito ou PIC) irão ao Judiciário apenas quando do oferecimento da denúncia (ou para fins de homologação de acordo de não persecução penal, conforme o caso). Se a hipótese for de arquivamento da investigação, doravante o Judiciário está excluído de sua apreciação, atividade de fiscalização que até então desenvolvera de maneira anômala, para alguns em violação à estrutura acusatória que se pretende, agora expressamente e com maior ênfase, implantar para o pretenso aperfeiçoamento do nosso sistema de persecução penal (é o objetivo declarado da lei nova, aliás).


É o que diz a nova redação do art. 28 do CPP, cujo par. 1º ainda prevê a possibilidade de o ofendido, discordando do arquivamento, submeter as razões de seu inconformismo, via recurso administrativo, ao órgão ministerial de revisão:


Art. 28. Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o órgão do Ministério Público comunicará à vítima, ao investigado e à autoridade policial e encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial para fins de homologação, na forma da lei.


A análise das competências do Juiz de Garantias reforça a tese de que o controle da legalidade da investigação criminal é feito pelo juiz (art. 3º-B, CPP): a) a posteriori e ex officio, em caso de denúncia, para deliberar sobre sua rejeição ou recebimento, podendo inclusive determinar a invalidação e o desentranhamento de provas produzidas em desconformidade com a lei; b) mediante provocação do interessado para b’) determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para a sua instauração ou prosseguimento; b’’) decidir sobre matérias relativas à prisão ou atos de obtenção de provas sujeitos à reserva de jurisdição (notadamente inviolabilidades constitucionais); b’’’) assegurar as prerrogativas da defesa (do investigado e do seu advogado) observadas as normas próprias da investigação criminal; c) para eventual dilação do prazo de conclusão de inquérito, quando o investigado estiver preso.


Para tanto, entendemos que permanece com o Judiciário, posto que de forma mitigada, a gestão do registro da instauração dos autos de inquérito policial, por força do art. 3º-B, IV, que estabelece a competência do Juiz de Garantias para “ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal.” Em termos práticos, pode-se garantir a observância da determinação de comunicação da instauração com a remessa (pelo presidente do inquérito policial), para registro inaugural, no sistema judiciário, dos autos de inquérito policial, que, a partir de então, tramitarão diretamente entre o Ministério Público e a Polícia, até a conclusão das investigações, salvo se houver pedido de dilação de prazo em inquérito com investigado preso, ou necessidade de deliberação judicial sobre qualquer das matérias de competência legal do Juiz de Garantias (notadamente nos casos que, durante a investigação, dependem de autorização judicial). Entretanto, quando o Ministério Público ordenar o arquivamento do inquérito policial, deverá comunicá-lo ao ofendido (com informação da possibilidade de impugnação perante o órgão ministerial de revisão no prazo de 30 dias), ao investigado, ao Delegado de Polícia e ao próprio Juiz de Garantias (para baixa no sistema de registros do Judiciário)[2]. Esta última comunicação não consta de previsão expressa da lei, mas em termos práticos é uma decorrência lógica da previsão de comunicação da instauração, como única providência capaz de viabilizar o controle formal de legalidade (com a respectiva baixa no sistema de registro judicial).


Deve-se consignar que a intervenção judicial no exercício dessas funções, na fase da investigação (arts. 4º e 5º), equipara-se aos demais atos jurisdicionais próprios da competência do Juiz de Garantias, previstos nos incisos do art. 3º-B, quanto ao efeito de impedimento para funcionar como Juiz do Processo (leia-se, juiz da instrução e julgamento), por força do art. 3º-D, todos do CPP.


Mas a grande questão que decorre da supressão do controle anômalo do arquivamento, até então de competência do Poder Judiciário, é a seguinte: qual é o órgão ministerial com atribuições legais para a revisão/homologação do arquivamento do inquérito policial, que ratifica, com a nova redação do art. 28, do CPP, a progressiva adesão do sistema processual penal brasileiro à estrutura acusatória?


Uma resposta intuitiva e analógica indicaria, no âmbito do Ministério Público dos Estados, o Conselho Superior do Ministério Público, órgão colegiado ao qual a legislação ordinária incumbe a revisão do arquivamento do inquérito civil público. Porém, essa não nos parece a solução adequada.


Temos, na Lei n. 8.625/93, que institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, dispondo sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados:


Art. 1º O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Parágrafo único. São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.


Art. 2º Lei complementar, denominada Lei Orgânica do Ministério Público, cuja iniciativa é facultada aos Procuradores-Gerais de Justiça dos Estados, estabelecerá, no âmbito de cada uma dessas unidades federativas, normas específicas de organização, atribuições e estatuto do respectivo Ministério Público.


Art. 7º São órgãos de execução do Ministério Público:

I - o Procurador-Geral de Justiça;

II - o Conselho Superior do Ministério Público;

III - os Procuradores de Justiça;

IV - os Promotores de Justiça.


Art. 10. Compete ao Procurador-Geral de Justiça:

[...]

IX - designar membros do Ministério Público para:

[...]

d) oferecer denúncia ou propor ação civil pública nas hipóteses de não confirmação de arquivamento de inquérito policial ou civil, bem como de quaisquer peças de informações;

e) acompanhar inquérito policial ou diligência investigatória, devendo recair a escolha sobre o membro do Ministério Público com atribuição para, em tese, oficiar no feito, segundo as regras ordinárias de distribuição de serviços;

f) assegurar a continuidade dos serviços, em caso de vacância, afastamento temporário, ausência, impedimento ou suspeição de titular de cargo, ou com consentimento deste;

g) por ato excepcional e fundamentado, exercer as funções processuais afetas a outro membro da instituição, submetendo sua decisão previamente ao Conselho Superior do Ministério Público;

[...]

XIV - exercer outras atribuições previstas em lei.


Art. 14. Lei Orgânica de cada Ministério Público disporá sobre a composição, inelegibilidade e prazos de sua cessação, posse e duração do mandato dos integrantes do Conselho Superior do Ministério Público, respeitadas as seguintes disposições:

[...]


Art. 15. Ao Conselho Superior do Ministério Público compete:

I - elaborar as listas sêxtuplas a que se referem os arts. 94, caput e 104, parágrafo único, II, da Constituição Federal;

II - indicar ao Procurador-Geral de Justiça, em lista tríplice, os candidatos a remoção ou promoção por merecimento;

III - eleger, na forma da Lei Orgânica, os membros do Ministério Público que integrarão a Comissão de Concurso de ingresso na carreira;

IV - indicar o nome do mais antigo membro do Ministério Público para remoção ou promoção por antigüidade;

V - indicar ao Procurador-Geral de Justiça Promotores de Justiça para substituição por convocação;

VI - aprovar os pedidos de remoção por permuta entre membros do Ministério Público;

VII - decidir sobre vitaliciamento de membros do Ministério Público;

VIII - determinar por voto de dois terços de seus integrantes a disponibilidade ou remoção de membros do Ministério Público, por interesse público, assegurada ampla defesa;

IX - aprovar o quadro geral de antigüidade do Ministério Público e decidir sobre reclamações formuladas a esse respeito;

X - sugerir ao Procurador-Geral a edição de recomendações, sem caráter vinculativo, aos órgãos do Ministério Público para o desempenho de suas funções e a adoção de medidas convenientes ao aprimoramento dos serviços;

XI - autorizar o afastamento de membro do Ministério Público para freqüentar curso ou seminário de aperfeiçoamento e estudo, no País ou no exterior;

XII - elaborar seu regimento interno;

XIII - exercer outras atribuições previstas em lei.


Art. 29. Além das atribuições previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, compete ao Procurador-Geral de Justiça:

I - representar aos Tribunais locais por inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais, em face da Constituição Estadual;

II - representar para fins de intervenção do Estado no Município, com o objetivo de assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual ou prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial;

III - representar o Ministério Público nas sessões plenárias dos Tribunais;

V - ajuizar ação penal de competência originária dos Tribunais, nela oficiando;

[...]

VII - determinar o arquivamento de representação, notícia de crime, peças de informação, conclusão de comissões parlamentares de inquérito ou inquérito policial, nas hipóteses de suas atribuições legais;

VIII - exercer as atribuições do art. 129, II e III, da Constituição Federal, quando a autoridade reclamada for o Governador do Estado, o Presidente da Assembléia Legislativa ou os Presidentes de Tribunais, bem como quando contra estes, por ato praticado em razão de suas funções, deva ser ajuizada a competente ação;

IX - delegar a membro do Ministério Público suas funções de órgão de execução.


Art. 30. Cabe ao Conselho Superior do Ministério Público rever o arquivamento de inquérito civil, na forma da lei.


Art. 80. Aplicam-se aos Ministérios Públicos dos Estados, subsidiariamente, as normas da Lei Orgânica do Ministério Público da União.


É fácil perceber, portanto, que o legislador conferiu ao Conselho Superior, órgão cuja composição se realiza pela escolha direta entre os membros da classe, expressamente, a competência para a revisão do arquivamento do inquérito civil, ao passo que a política criminal-institucional está adstrita, ainda que indiretamente, à gestão administrativa e finalística do Procurador-Geral de Justiça, a quem incumbe, inclusive, a designação de outro Promotor de Justiça para oferecimento de denúncia em caso de revisão do arquivamento. Ao Procurador-Geral de Justiça, em suma, historicamente, compete a “última palavra” em sede de persecução penal no espectro da autonomia dos Estados Federados.


Sem perder de vista o art. 80 da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, acima transcrito, a Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar federal n. 75/93) dispõe:


Art. 43. São órgãos do Ministério Público Federal:

I - o Procurador-Geral da República;

II - o Colégio de Procuradores da República;

III - o Conselho Superior do Ministério Público Federal;

IV - as Câmaras de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal;

V - a Corregedoria do Ministério Público Federal;

VI - os Subprocuradores-Gerais da República;

VII - os Procuradores Regionais da República;

VIII - os Procuradores da República.

Parágrafo único. As Câmaras de Coordenação e Revisão poderão funcionar isoladas ou reunidas, integrando Conselho Institucional, conforme dispuser o seu regimento.


Art. 49. São atribuições do Procurador-Geral da República, como Chefe do Ministério Público Federal:

[...]

IV - designar um dos membros e o Coordenador de cada uma das Câmaras de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal;


Art. 57. Compete ao Conselho Superior do Ministério Público Federal:

[...]

III - indicar integrantes das Câmaras de Coordenação e Revisão;


Art. 58. As Câmaras de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal são os órgãos setoriais de coordenação, de integração e de revisão do exercício funcional na instituição.


Art. 59. As Câmaras de Coordenação e Revisão serão organizadas por função ou por matéria, através de ato normativo.

Parágrafo único. O Regimento Interno, que disporá sobre o funcionamento das Câmaras de Coordenação e Revisão, será elaborado pelo Conselho Superior.


Art. 60. As Câmaras de Coordenação e Revisão serão compostas por três membros do Ministério Público Federal, sendo um indicado pelo Procurador-Geral da República e dois pelo Conselho Superior, juntamente com seus suplentes, para um mandato de dois anos, dentre integrantes do último grau da carreira, sempre que possível.


Art. 61. Dentre os integrantes da Câmara de Coordenação e Revisão, um deles será designado pelo Procurador-Geral para a função executiva de Coordenador.


Art. 62. Compete às Câmaras de Coordenação e Revisão:

IV - manifestar-se sobre o arquivamento de inquérito policial, inquérito parlamentar ou peças de informação, exceto nos casos de competência originária do Procurador-Geral;


Sobre o caráter nacional do Ministério Público, escrevem Gregorio Assagra, Rodrigo Carvalho Santos e Lenna Daher, à luz do princípio constitucional da unidade institucional:


Em termos interpretativos decorrentes da decisão sob comentários, ressalta-se a existência de sistema composto das diversas leis orgânicas dos Ministérios Públicos, leis essas que devem ser interpretadas de forma harmônica, evitando-se distorções injustificáveis entre as diversas unidades do Ministério Público Brasileiro.

Portanto, o reconhecimento da unicidade orgânica e do caráter nacional do Ministério Público Brasileiro permite que se interprete a Lei Complementar Federal nº 75, de 20 de maio 1993 (Estatuto do Ministério Público União), e a Lei Federal nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público que dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados), como formadoras de um Microssistema Integrado de Leis Orgânicas do Ministério Público Brasileiro, composto por leis aplicáveis de forma integrada, guardadas as peculiaridades de cada Unidade do Ministério Público.

Essa interpretação sobre a aplicabilidade integrada entre a Lei Complementar Federal nº 75/1993 e a Lei Federal nº 8.625/1993 permite e, ao mesmo tempo, acaba por impor um trabalho mais harmônico em termos de avaliação, orientação e fiscalização entre a Corregedoria Nacional e as Corregedorias de cada uma das Unidades do Ministério Público Brasileiro, inclusive em termos de caráter fiscalizatório e punitivo. Não é razoável, por exemplo, que se imprima uma interpretação totalmente diversa em torno da disponibilidade compulsória entre uma e outra unidade do Ministério Público brasileiro.

Lado outro, a unicidade orgânica e o caráter nacional do Ministério Público brasileiro fortalecem o desenvolvimento de uma nova doutrina que viabilize uma prática integrada do Ministério Público como garantia fundamental de acesso à Justiça da sociedade, fomentando-se uma cultura de atuação resolutiva e de avaliação, a partir de critérios uniformes, dos efetivos resultados sociais alcançados. (SANTOS, Rodrigo O. Carvalho et ali. Comentários à decisão do STF na ação cível originária 924. In: Revista Jurídica Corregedoria Nacional: a atuação orientadora das Corregedorias do Ministério Público, vol. 2, ano 2017, p. 372)


Sabemos que a atividade de coordenação, no âmbito dos Ministério Público dos Estados, já é realizada pelos Centros de Apoio Operacional. Portanto, quanto à revisão do arquivamento de inquérito policial, a solução legal já existe, competindo aos Procuradores-Gerais de Justiça, agora, diante da nova redação do art. 28 do Código de Processo Penal, proporem a edição de Ato Normativo (Resolução ou Regimento Interno) para instituir e regular o funcionamento das Câmaras de Revisão (quanto ao arquivamento de inquéritos policiais, PICs e outras peças de informação que veiculem notícia de fato criminal), que poderão atuar por matéria, reunidas ou isoladas, centralizadas ou regionalizadas (a depender das peculiaridades locais, em atenção à realidade de cada unidade da federação), competentes para o controle da titularidade da ação penal. É importante notar, finalmente, a diferenciação de tratamento que o legislador nacional conferiu aos órgãos de controle do inquérito civil e do inquérito policial, o primeiro eleito, o segundo constituído em sistema de freios e contrapesos que, infenso a vicissitudes eleitorais internas, veicula a política criminal efetiva do Estado.


Entendemos, também, que o próprio Conselho Nacional do Ministério Público pode regulamentar a matéria, em nível nacional, editando normas gerais a serem complementadas pelos Estados. De qualquer forma, a partir de 23 de janeiro de 2020, até que haja a edição de ato normativo sobre o assunto, considerando que as autoridades competentes não podem se eximir do poder-dever que decorre de sua respectiva competência, convalidando genérica e abstratamente os arquivamentos levados a cabo pelos órgãos de execução, os inquéritos arquivados deverão ser remetidos à Procuradoria-Geral de Justiça.


De qualquer forma, esta é uma situação que, comportando maior reflexão, deverá suscitar debates e exigir prontas providências (dada a vacatio legis exígua) de gestão administrativa no âmbito dos Ministérios Públicos Estaduais e, provavelmente, no próprio Conselho Nacional do Ministério Público. Não se faz referência aqui, por ora, a soluções relativas à tramitação eletrônica de inquéritos policiais, porque ainda fora da realidade da justiça criminal brasileira nos Estados. Há vários outros aspectos problemáticos e desafiantes, todos a merecer a devida atenção, a tempo e modo.


Uma coisa é certa: a revisão do arquivamento de inquérito policial não se inclui, legalmente, na competência do Conselho Superior do Ministério Público. E não se podem admitir soluções divergentes nos diversos Estados da Federação, sob pena de violação do princípio constitucional da unidade ministerial, bem como à custa do enfraquecimento do caráter nacional do Ministério Público.



NOTAS


[1] (IENNACO, Rodrigo. O juiz de garantias e o conhecimento (a posteriori) do conteúdo da investigação pelo juiz do processo – primeiras impressões. Disponível em: https://www.academia.edu/41442567/O_JUIZ_DE_GARANTIAS_E_O_CONHECIMENTO_A_POSTERIORI_DO_CONTE%C3%9ADO_DA_INVESTIGA%C3%87%C3%83O_PELO_JUIZ_DO_PROCESSO_-PRIMEIRAS_IMPRESS%C3%95ES.)


[2] É fácil perceber que a nova lei incrementa obrigações administrativas do Ministério Público, o que implicará, inevitavelmente, aumento de serviço e de despesas orçamentárias.


Rodrigo Iennaco é Promotor de Justiça no Estado de Minas Gerais e Doutor em Direito penal Faculdade de Direito da UFMG.

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