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  • Jorge Cesar de Assis

O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 7000425-51.2019.7.00.0000 e a compreensão exata,

“A decisão vinculante que define quem processa e julga o civil, que agora é ex-militar, é a mesma que define quem processa e julga o militar que agora é ex-civil”


Nos termos do art. 124, da Constituição Federal, a Justiça Militar da União processa e julga os crimes militares definidos em lei, independente de quem seja o seu autor, que pode, inclusive, ser militar estadual (e não se diga que militar estadual é civil perante o STM porque sua definição constitucional do art. 42 afirma ser essa uma interpretação equivocada[1]) ou, o civil.


Com a reforma da Lei de Organização da Justiça Militar, operada pela Lei 13.774/2018, o magistrado togado ganhou parcela de competência monocrática, prevista no novel art. 30.I-B da lei referida: processar e julgar civis nos casos previstos nos incisos I e III do art. 9º do Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 (Código Penal Militar), e militares, quando estes forem acusados juntamente com aqueles no mesmo processo. Percebam que o juízo monocrático dos civis não abarca o inciso II, do art. 9º (aquele que foi modificado pela Lei 13.491/17), porque nele, as hipóteses ali retratadas referem-se, tão-somente, a crimes praticados por militar.


E aí, se iniciou um imbróglio por conta da extensão do termo civil, gerando controvérsias entre os operadores e aplicadores do Direito Militar, afinal, quem seria esse tal civil, aquele que cometeu o crime nesta condição pessoal ou, abarcaria também o civil ex-militar, que na condição de integrante das Forças Armadas teria cometido o delito militar.


Pois bem, no julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas 7000425-51.2019.7.00.0000, o Egrégio Superior Tribuna Militar adotou a seguinte tese jurídica:


"Compete aos Conselhos Especial e Permanente de Justiça o julgamento de civis que praticaram crimes militares na condição de militares das Forças Armadas". “A Lei 13.774/2018 modificou a Lei de Organização Judiciária Militar da União (LOJM) − Lei 8.457/1992, e estabeleceu a competência do Juiz Federal da Justiça Militar, de forma monocrática, para o julgamento de civis que pratiquem crimes militares, porém, não visou o legislador a modificação da regra para o processamento de ex-militares que cometeram delitos castrenses em atividade. Inteligência da justificativa ao Projeto de Lei (PL) 7.683/2014. IV - Adoção do princípio tempus regit actum, o qual dispõe que a competência deve ser fixada na data do fato, sob pena de possibilitar a criação de juízos de exceção, bem como a escolha do órgão julgador pelo acusado”.


É dizer, julgado o incidente, a tese jurídica fixada será aplicada em todos os processos, presentes e futuros, da Justiça Militar da União. Por conta disso, todos os juízes federais da justiça militar e os Conselhos de Justiça deverão aplicar a tese, uma vez que há uma evidente vinculação.


Enquanto se imaginava e se discutia sobre o civil, ex-militar, que como integrante da ativa das Forças Armadas cometera um crime militar, passava desapercebido da discussão a figura de um tipo especial de um civil, aquele que somente na qualidade de paisano pode cometer um crime militar, o insubmisso.


Mas se passava desapercebido do público em geral, foi no entanto, apontado com precisão, pelo culto, dedicado e combativo promotor da justiça militar em Bagé/RS, Dr. Soel Arpini, que também aquele civil que agora é militar (melhor dizendo, ex-civil, porque para ser processado necessita da condição de militar[2]) se insere dentro da jurisdição monocrática do juiz federal da justiça militar, e disso ninguém falava, mas falará daqui para a frente com toda a certeza.


Pois bem, no Recurso em sentido estrito nº 7000403-90.2019.7.00.0000/RS[3], o representante do Ministério Público Militar junto à 2ª Auditoria da 3ª Circunscrição Judiciária Militar, ofereceu Denúncia contra o militar JGV pela prática do delito de insubmissão previsto pelo art. 183, "caput", e alínea "b" do § 2º do CPM, por ter, mesmo sendo expressamente convocado, deixado de se apresentar à Organização Militar (Esquadrão de Comando da 2ª Brigada de Cavalaria Mecanizada, sediada em Uruguaiana-RS), para incorporação até o dia 1º de março de 2018.


A Denúncia foi recebida em 9 de novembro de 2018 e, na mesma oportunidade, o magistrado determinou a convocação do Conselho Permanente de Justiça, competente à época, anterior à edição da Lei 13.774/18, que viria à lume exatamente 10 dias depois.


Posteriormente, o MPM suscitou a exceção de incompetência do Conselho Permanente de Justiça, sob pena de violação do princípio do juiz natural, considerando que o acusado deveria ser processado e julgado monocraticamente pelo juiz togado, já que somente o civil pode praticar o crime de insubmissão, um delito previsto no inciso I do art. 9º do CPM, embora ostente a condição de militar durante o processo. Ou seja, nessas circunstâncias, segundo o Órgão ministerial, com a alteração promovida pela Lei nº 13.774/2018, a condição do agente teria que ser perquirida no momento da consumação do crime, quando deve ser verificado se o acusado é civil ou militar.


A exceção de incompetência foi apreciada e julgada pelo Conselho Permanente de Justiça em 14 de fevereiro de 2019, oportunidade em que o referido Colegiado rejeitou a exceção oposta pelo Ministério Público Militar, decidindo pela continuidade do Conselho de Justiça para processar e julgar o feito, nos termos da Lei nº 13.774/2018.


O MPM foi intimado da referida Decisão em 18/2/2019 e, em 22 do mesmo mês, confirmou a intimação e interpôs recurso em sentido estrito.


O recurso foi admitido na instância superior e, conquanto a reconhecida celeridade da Justiça Militar – e exatamente por isso, antes mesmo do Tribunal apreciar o recurso, o Juiz Federal Substituto da Justiça Militar da 2ª Auditoria da 3ª CJM, informou que, em 23/04/2019, o Conselho Permanente de Justiça para o Exército, por unanimidade de votos, julgou improcedente a denúncia para absolver o acusado JGV, com fundamento no art. 439, alínea "e", do CPPM[4], e que, na mesma data, foi lida e publicada a respeitável Sentença. A referida decisão transitou em julgado para o MPM e para a Defesa, conforme a Certidão constante do Processo de origem.


Assim, estando o réu absolvido, o recurso em sentido estrito restou prejudicado, já que a absolvição foi favorável ao acusado, e o STM não pode se manifestar sobre a tese levantada pelo Dr. Soel Arpini.


Mas haverá outros casos semelhantes e, por isso, vale a pena enfrentar a questão, desde logo dizendo do acerto da posição adotada pelo ilustre representante do Ministério Público Militar.


Ninguém duvida – esperamos que não – que quem comete o crime militar de insubmissão é um civil.


À primeira vista parece ser uma incongruência o civil cometer um delito militar, pois se em um sentido ideal o crime militar é a violação do dever de soldado, fica difícil identificar uma efetiva violação por parte daquele que não possui tal dever. Bem por isso sempre defendemos que quando o civil comete crime militar, levando-se em conta sempre, o critério ex vis legis do nosso Código Penal Castrense, tal delito é acidentalmente militar, seja contra as instituições militares, à luz do que dispõe o inc. III, do art. 9º, do CPM, seja o especialíssimo crime contra o serviço militar da insubmissão (art. 183), de mão única, que, sendo militar, só pode ser praticado por civil.[5]


Voltando agora, à Lei 13.744/18, e também à jurisdição monocrática do juiz federal da justiça militar, parece não restar dúvidas – principalmente depois do julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas 7000425-51.2019.7.00.0000, que em face do princípio tempus regit actum, a competência para o julgamento do crime militar deve ser fixada na data do fato, e assim, para que o autor do crime militar seja julgado pelo juiz federal da Justiça Militar, curial que no momento delitivo ele ostentasse a condição de civil, e desta forma não lhe aproveita a condição de civil, ex-militar, se na qualidade de militar praticou o delito.


Ora, no entanto, no caso específico do insubmisso, aplicando-se o mesmo raciocínio que norteou o julgamento do IRDR 7000425-51.2019.7.00.0000, não há como ignorar que o processo e julgamento do agente da insubmissão correrá de forma monocrática perante o magistrado togado, e nunca mais perante o Conselho de Justiça. Se a competência para o julgamento do crime militar deve ser fixada na data do fato, no caso da insubmissão, por ocasião do cometimento do crime o agente era civil, pois somente o civil é quem comete o crime de insubmissão.


O crime de insubmissão se enquadra no inciso I, do art. 9º, do CPM: “Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: I - os crimes de que trata êste Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial”. Por expressa disposição legal da LOJMU (“processar e julgar civis nos casos previstos nos incisos I e III do art. 9º do Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969) a competência indiscutível é do juiz federal da justiça militar.


É crime contra o serviço militar (CPM, Título III, capítulo I, art. 183), que tem suporte constitucional (CF, art. 143), permitindo a prestação do serviço alternativo com base na objeção de consciência (CF, art. 143, § 1º), cuja recusa em prestar o serviço alternativo permite a perda ou suspensão dos direitos políticos (CF, art. 15, IV), observado que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei (CF, art. 5º, VIII).


Advirta-se, entretanto, que todo esse conjunto normativo se dirige ao civil, pois somente ele – só ele - é quem pode cometer o crime militar de insubmissão. E pelo princípio do tempus regit actum, conforme sedimentado quando do julgamento do IRDR 7000425-51.2019.7.00.0000, deverá ser processado e julgado pelo juiz federal da justiça militar.




NOTAS


[1] CF, Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.


[2] O insubmisso, assim como o desertor, sendo capturado ou tendo se apresentado voluntariamente, é submetido à inspeção de saúde, sendo considerado apto para o serviço das forças armadas, é incorporado, e assim, adquire a condição de militar, na qual é processado.


[3] Recurso em sentido estrito nº 7000403-90.2019.7.00.0000, relator Min. José Côelho Ferreira, julgado em 29.05.2019.


[4] Não existir prova suficiente para a condenação.


[5] Comentários ao Código Penal Militar, 10ª edição, Curitiba: Juruá, 2018, pp 121-122.



Jorge Cesar de Assis é Advogado, membro da Comissão de Direito Militar da OAB-PR. Promotor aposentado da Justiça Militar da União. Integrou o Ministério Público paranaense. Oficial da Reserva Remunerada da Polícia Militar do Paraná. Coordenador da Biblioteca de Estudos de Direito Militar da Editora Juruá. Secretário Geral da Associação Internacional das Justiças Militares – AIJM. Membro correspondente da Academia Mineira de Direito Militar.


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